Entenda por que médicos são contra ozonioterapia, que aguarda sanção de Lula

Senado aprovou lei que autoriza a terapia como tratamento medicinal complementar

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São Paulo

Uma mistura de ozônio e oxigênio aplicada no corpo humano por injeção ou sonda pode modular as células do organismo e promover ação analgésica e anti-inflamatória. Essa é a proposta da ozonioterapia, prática controversa que aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ser prescrita por médicos no país. A decisão deve ser publicada no Diário Oficial nesta sexta-feira (4) ou na segunda (7).

No último dia 12, foi aprovada no Senado uma lei que autoriza a terapia com ozônio como tratamento medicinal complementar, apesar de ela não ser autorizada pela Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária).

Terapia com ozônio em animais
Terapia com ozônio em animais - Bruno Santos/Folhapress

O procedimento é indicado pela Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) para tratamento alternativo de diversos tipos de câncer, problemas circulatórios, doenças virais, úlceras, queimaduras, hérnias de disco, dores crônicas, inflamações intestinais, doenças geriátricas e fortalecimento da imunidade.

É utilizado para fins estéticos, odontológicos e veterinários. Além de ser apontado como um recurso para o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA).

A ozonioterapia, entretanto, não é recomendada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) fora de pesquisas experimentais. O conselho afirma que a prática não tem reconhecimento científico para o tratamento de doenças.

"Trata-se de procedimento ainda em caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos", diz em nota.

O Ministério da Saúde aconselhou o presidente contra a sanção da lei, apesar de a terapia fazer parte do programa integrativo do SUS (Sistema Único de Saúde) desde 2018. A pasta diz que só disponibiliza ozonioterapia em tratamentos odontológicos.

A microbiologista Natalia Pasternak, que lançou recentemente o livro "Que Bobagem!" sobre pseudociências, afirma que a prática só passou a fazer parte do SUS por causa de um "lobby" dos praticantes. "Infelizmente, muitas práticas foram parar no programa integrativo do Ministério de Saúde como se realmente fossem capazes de curar ou prevenir doenças".

A advogada especialista em Direito da Saúde, Fabiani Borges, mãe de uma adolescente autista e cofundadora do grupo Autimais, diz que terapeutas "charlatões" estão recebendo dinheiro enquanto enganam pessoas.

"Existem mães vendendo carro para fazer ozonioterapia retal em crianças autistas sendo que não há nenhuma evidência científica da prática e não é sequer um tratamento que possa ser vendido para essa finalidade [conforme resolução do CFM]", afirma.

O médico Antônio Teixeira, presidente da Aboz e da Associação Global de Ozonioterapia, diz que os representantes não defendem o tratamento como cura para câncer, autismo e doenças neurológicas.

"Temos ciência de que existem trabalhos sendo feitos, mas não temos conclusões ainda que convençam a gente. Nossa indicação é para ação analgésica e anti-inflamatória", afirma Teixeira.

Em 2020, a ozonioterapia retal despontou como um tratamento possível contra a Covid-19, sugerida pelo prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni (MDB).

Ozonioterapia aguarda sanção do presidente

O presidente da Aboz afirma que a aprovação da lei que autoriza a terapia é uma forma de estabelecer regras para uma prática segura. Segundo ele, nem todos os métodos de aplicação, como uretral, são defendidos pela associação. Além disso, afirma que o tratamento deve ser sempre complementar.

"Tenho confiança que a sensibilidade do presidente é grande e isso vai beneficiar muito a saúde pública", diz Teixeira.

Já para Pasternak, a sanção da lei ameaça a soberania da Anvisa. "Como uma lei pode passar por cima da avaliação técnica da nossa agência regulatória?".

Isso aconteceu em 2016, quando o Senado aprovou a "pílula do câncer". Em 2020, a lei foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

"Esperamos que o presidente escute a ciência, em um governo que se diz preocupado com o uso de evidências científicas na saúde", diz a microbiologista.

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