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Secar e prensar flores é uma tradição que ajuda a contar histórias

A beleza e a ciência das técnicas de desidratar plantas são documentadas há 500 anos

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Margaret Roach
The New York Times

Minha compulsão por cultivar meu jardim de modo expressivo e vívido vem de minha avó Marion, que sempre reservava espaço para enormes buquês de rosas-da-índia e zínias que ecoavam as cores dos utensílios de cerâmica Fiesta nas prateleiras de sua despensa. Mas ela também me deixou como legado o apreço por plantas desidratadas e prensadas, que possuem um tipo especial de beleza duradoura, por mais que fiquem desbotadas.

Dois de seus quadros de flores prensadas —flores tiradas de seu jardim e dispostas de modo artístico sobre tecido, protegidas por vidro— estão penduradas no meu hall. Ultimamente venho sentindo que esses suvenires de uma primavera de muitos anos atrás estão tentando me transmitir alguma coisa. Talvez seja me dar um exemplo de como envelhecer graciosamente, se bem que duvido que tenha sido essa a intenção da vovó.

Ela queria transmitir o espírito do jardim, honrar a importância dele em sua vida, eternizando algumas de suas queridas flores efêmeras. Criar uma mensagem duradoura de ligação. Conseguiu.

Fotografia colorida mostra flores secas de tons rosados prensadas por um vidro em um quadro redondo, de moldura dourada e fundo rosa claro
Quadro de flores secas feito por Marion, avó de Margaret Roach - Margaret Roach/The New York Times

Por isso mesmo, não surpreende que eu sinta uma proximidade com pessoas que prensam flores hoje, como Linda P.J. Lipsen, autora de um novo manual sobre a técnica, "Pressed Plants: Making a Herbarium" (plantas prensadas: fazendo um herbário).

Lipsen, que é botânica, aprendeu a desidratar plantas 30 anos atrás em uma faculdade pública do Oregon, ajudando a enquadrar espécimes prensados para o herbário. Hoje ela é curadora do Herbário da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver, fundado em 1912.

Lipsen e instituições como o herbário fazem parte de uma tradição de 500 anos de documentar o mundo natural, usando plantas dessecadas. Por exemplo, a comparação entre espécimes do mundo moderno e espécimes históricos pode revelar muitas coisas sobre as mudanças de distribuição geográfica das plantas em um clima em processo de alteração, ou pode documentar a chegada de uma espécie invasiva.

Para Lacie RZ Porta, outra entusiasta, o que a levou a querer prensar plantas foi o desejo de preservar as flores de seu casamento. Quando o fim de semana do casamento chegou ao fim, ela entrou em pânico.

"Não posso jogar fora essas flores. Preciso delas", ela se recorda de ter pensado. Então procurou uma maneira de preservar o rito de passagem que as flores encarnavam.

Pouco depois ela tirou licença sabática de um ano de seu trabalho de professora de pré-escola e alugou um estúdio. Em 2017 ela fundou a Framed Florals, em Greenpoint, Brooklyn, especializada na preservação de buquês de noiva entre lâminas duplas de vidro e na venda de criações florais secas.

Para ela e para Lipsen, não existe uma linha divisória estanque entre arte e ciência. "Espécimes que não dão certo viram cartões", disse Lipsen, sorrindo.

Algumas das criações de Porta incluem um reconhecimento formal das técnicas científicas, se bem que os clientes podem não entender a referência. Uma delas perguntou por que uma fita adesiva fina fora acrescentada ao caule de uma planta prensada em um cartão, apesar de o caule já estar colado ao cartão.

É assim, historicamente, que os espécimes preservados em herbários têm sido presos, para deixá-los mais seguros, especialmente os que têm caules grossos ou lenhosos.

"Quem não está familiarizado com a história ou a tradição da dessecação de plantas pode querer saber a razão", disse Porta.

Seja qual for o objetivo final, o criador de qualquer prensagem finalizada assume o papel de narrador de uma história. Você está disposto a entrar para as fileiras desses contadores de histórias e render-se à atração da dessecação?

Liberdade criativa versus protocolo científico

Por mais semelhantes que sejam os processos usados por Porta e Lipsen, há diferenças. A maior delas é a liberdade artística versus o protocolo científico.

Em um herbário, um espécime enquadrado deve trazer o nome latino da planta, o nome de quem a colheu, a data em que foi colhida e os detalhes do lugar onde foi encontrada. O espécime deve incluir todas as partes da planta, dispostas de modo que possamos contar suas partes reprodutivas (por exemplo, os pistilos e estames de uma flor) ou enxergar outros elementos que o distinguem, como seu sistema radicular.

O objetivo principal não é a beleza, mas a precisão como material de referência. Se bem que, como destacou Lipsen, os herboristas mestres conseguem incorporar ciência e também arte às suas plantas desidratadas enquadradas.

Não há nomes de plantas nos quadros da minha avó, mas reconheço lírios-do-vale, amores-perfeitos e rosas (com espinhos e tudo). Vinte anos atrás eu acrescentei às minhas paredes 14 quadros vintage de algas marinhas dessecadas —ou, botanicamente falando, macroalgas, uma das especialidades de Lipsen. Cada uma delas trazia um nome latino e era numerada, como se fizesse parte de uma série, mas o nome de quem as coletou e o local não foram informados.

Artesãs como Porta curtem tomar liberdades criativas —por exemplo, remover o centro muito espesso de uma rosa ou flor-de-cone, que conserva a umidade e não se achata facilmente, e em vez disso secar apenas as pétalas, arrumando-as para formar um desenho.

"Para fazer seu trabalho artístico, elas muitas vezes precisam separar a planta em suas partes e praticamente juntá-la depois como um quebra-cabeça, sendo que nós precisamos tentar conservar tudo", disse Lipsen. "É por isso que nossos trabalhos nem sempre ficam tão bonitos."

Outra diferença importante: as questões éticas envolvidas quando se colhem amostras em campo não entram em jogo quando as plantas vêm de uma plantação de flores ou de seu próprio jardim. Essas questões incluem obter a permissão para colher as amostras e considerações sobre a minimização do efeito da coleta sobre uma população vegetal específica.

Quando Lipsen sai para coletar espécimes, ela leva saquinhos plásticos com fecho hermético (um para cada espécime, para que as partes de diferentes plantas não se misturem). A ferramenta mais usada por Porta é um caderninho fechado com elásticos, como uma prensa em miniatura, que ela coloca sob alguma coisa pesada quando chega em casa.

Passo seguinte: a prensa

Na casa da minha avó havia uma engenhoca da madeira que conservava as plantas que ela colhia entre camadas de papel e papelão e que era fechada com parafusos compridos e arruelas. Outras plantas iniciavam sua transição para a vida eterna colocadas entre as páginas de uma lista telefônica do tipo Páginas Amarelas —uma massa de papel absorvente que daria inveja a qualquer conservador de plantas de hoje.

Porta e Lipsen desidratam suas plantas em prensas simples, com camadas de papelão ondulado, que garante ventilação, e folhas de jornal, para melhor absorção da umidade. A prensa de Porta é feita em casa com duas chapas de compensado, parafusos longos e porcas borboleta para prender as plantas bem. A de Lipsen vem de uma loja de artigos para herbários, tem forros de treliça na parte de cima e de baixo e tiras com fechos de travamento.

Uma coisa sobre a qual todos estão de acordo: evite usar papel lustroso, que é menos absorvente, e qualquer papel com tinta colorida, que pode descolorir a planta prensada.

Porta não usa papel de jornal na camada imediatamente adjacente às plantas; prefere usar papel craft incolor ou outro papel simples. Para Lipsen, a opção ideal para a camada que encosta nos espécimes é papel de mata-borrão, que pode ser reutilizado.

Mas os botânicos profissionais que coletam milhares de espécimes e precisam de papel suficiente para encher muitas prensas concordam em um ponto: o papel de jornal é quase universalmente disponível e geralmente não custa nada.

Então Lipsen o utiliza, mas faz uma ressalva: quando você está trabalhando com plantas muito pegajosas, pode não dar certo. Nesses casos ela cerca as plantas de papel manteiga.

"Temos bulbos e algas nos quais é possível ler o jornal com o qual foram prensados", ela contou. "É super engraçado quando você vê."

Quando Porta coloca plantas na prensa, ela as manipula suavemente "para ficarem em posição mais gestual, para nos lembrar da natureza". Isso pode envolver fazer uma curvatura em alguns caules, "para conferir movimento orgânico". Mas, uma vez desidratas, não é possível manipular as plantas nem um pouco.

Lipsen, que precisa preservar todas as partes da planta, é um pouco mais brutal.

As plantas, que estão cheias de água, possuem uma pressão de entumescência que as enrijece. Por isso, disse Lipsen, "quando as coloco na prensa eu literalmente me apoio sobre ela e ouço um som de esmagamento. Então eu abro a prensa para ver se há alguma coisa que eu quero rearranjar. Depois a fecho de novo e a deixo repousar e passar por um pouco de morte celular."

Depois de um ou dois dias, quando as plantas estão mais maleáveis, ela abre a prensa para um ajuste final, para garantir que cada parte importante de planta esteja exposta claramente.

Em seguida tem início o processo de secagem.

Isso é feito de preferência em um espaço morno e bem ventilado. Tanto Lipsen quanto Porta substituem periodicamente quaisquer papéis que pareçam ter ficado úmidos durante o processo. Porta diz às noivas que o processo todo leva pelo menos um mês. Lipsen, que seca cada espécime em uma folha separada em uma sala a uma temperatura de 23 a 26 graus, com ventilador ligado, prevê que a maioria fique desidratada em até uma semana.

Quando chega a hora de enquadrar as plantas, evite usar colas tipo Super Bonder ou pistolas de cola, disse Porta: use "apenas uma quantidade minúscula de qualquer cola básica, não tóxica".

Lipsen usa uma cola de PVC da Herbarium Supply Company que fica transparente depois de secar.

Seja o que for que você usar, esteja avisado: a cola errada pode produzir resultados indesejados, especialmente com folhas grandes.

As células de uma planta e até o papel ao qual ela está colada vão continuar a reagir a alterações na umidade ao longo do tempo. "Se a cola não esticar, ela vai esticar o espécime até ele se rasgar", disse Lipsen, algo que pode ser visto em plantas prensadas muito antigas.

Alguém que amou minha avó Marion antes de mim parece ter sabido de seu fraco por flores secas. Uma das mais de 130 cartas do noivo dela, Harold Kinney, que serviu na França durante a Primeira Guerra Mundial, continha uma planta seca.

"Estou te mandando uma flor que colhi no cemitério de uma igreja alguns dias atrás", ele escreveu em sua letra cursiva formal à mulher que ele chamava pelo apelido de Snooks, em 17 de fevereiro de 1918. "A igreja e os túmulos foram todos destruídos por morteiros. Esta flor estava crescendo no musgo no meio dos escombros, em fevereiro."

Kinney foi morto naquele ano, logo antes de a guerra chegar ao fim. Mas suas cartas perduraram, juntamente com aquela flor prensada no meio de folhas, e foram transmitidas para conservar aquele momento vivo.

Tradução de Clara Allain

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