Se um livro é sempre manifestação de uma determinada cultura, "O que Deixamos para Trás – A Arte Sueca do Minimalismo e do Desapego", de Margareta Magnusson, ilustra perfeitamente essa máxima e só poderia ter sido escrito por uma sueca. No caso, uma sueca de 83 anos.
A premissa dessa estreia literária é simples: ensinar o conceito de "dödstädning" (literalmente, a limpeza da morte), a organização de bens e objetos de uma pessoa no final da vida, com o objetivo de facilitar as coisas para os que ficam. Nada mais característico do coletivista país escandinavo do que propor que se pense nos outros até na hora do próprio fim.
A obra é também reflexo do estoicismo com que suecos lidam com a morte, uma inevitabilidade que ainda causa um desconforto generalizado mundo afora —o que fica evidente na tradução brasileira e também em outras línguas.
O livro vira "A Gentil Arte da Limpeza de Morte Sueca: Como Livrar Você e Sua Família de uma Vida de Entulho" em inglês e "A vida em Ordem: A Arte de Organizar sua Vida para Aliviar a Vida dos Outros" em francês. Bom, a versão anglófona pelo menos manteve a palavra morte.
Mas, afinal, seria essa uma leitura indicada para velhos no fim da vida, como deduz a autora no prefácio? Absolutamente não. Organizado em capítulos concisos e autoexplicativos, "O que Deixamos para Trás" é uma leitura fácil e prazerosa que oferece insights para leitores de qualquer idade.
Magnusson é uma escritora perspicaz e bem-humorada que, entre citar ABBA, Leonard Cohen e ensinar palavras suecas, dá dicas que podem ajudar qualquer um a diminuir o acúmulo de bens na sua vida.
Como a autora defende, arrumar não significa passar um pano aqui, outro ali. Trata-se de uma forma permanente de organização que permite que a vida cotidiana se torne mais leve: "não há nada mais saudável e reconfortante do que estar num lugar arrumado". Se cada coisa tem o seu lugar, arrumar se torna a simples atividade de devolvê-la ao seu lar.
Mas não estamos diante de uma Marie Kondo, a guru japonesa que conquistou o mundo com seu manual estratégico para organizar gavetas e armários. Magnusson não descreve um método sistemático, tampouco ensinará ao leitor como dobrar suas roupas. Nisso acerta a tradução inglesa: o livro é mais arte do que manual.
Artista plástica de formação, a sueca divide com o leitor um pouco do que aprendeu com a vida, seus cinco filhos e as 17 mudanças de casa que fez pelo mundo.
O livro traz dicas sobre por onde começar uma arrumação —sempre pelo "armário da bagunça", onde coisas são colocadas para se livrar rapidamente da baderna— e também onde nunca iniciar —pelas fotografias, sob o risco de não se levantar mais do sofá mergulhado em memórias.
Há sugestões sobre possíveis destinos para itens indesejados e formas de alegrar a vida de outra pessoa com presentes de segunda mão. E até métodos de reavaliar o seu armário, considerando tamanho, estilo e modas passageiras.
Algumas descrições específicas para a Suécia se tornam leitura mais curiosa do que útil: o dia anual para vender livros em Estocolmo, a escassez de luminosidade de novembro para escolher plantas ou o fim que se deve dar à garagem cheia de ferramentas do seu marido, algo tipicamente escandinavo.
O leitor brasileiro fará, inclusive, uma rápida viagem a Marte ao ouvir uma mulher que criou cinco filhos sem babá dar dicas de como organizar o hall com um gancho e uma caixa para cada criança guardar suas botas e casacos.
Mas, em última instância, o tema central do livro é universal: decidir o que manter e o que jogar fora, quer você esteja, nas palavras da autora, "mudando de casa, de país ou para o Grande Além!".
Idealmente, "O que Deixamos para Trás" ensinará aos leitores um conceito valioso da cultura sueca que leva a uma conclusão poderosa: ao aprender a morrer, talvez possamos viver melhor. Na pior das hipóteses, será uma leitura agradável sobre uma velhinha espirituosa com muita história para contar.
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