Descrição de chapéu Corpo câncer

Tabagismo envolve dependência química e emocional, dizem especialistas

Adesivos de nicotina e evitar ambientes em que as pessoas fumam podem fazer parte do tratamento

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São Paulo

"O cigarro é meu calmante, meu companheiro. Acho que toda pessoa que fuma tem isso", diz o adestrador de cães Fernando Lopes, 65, que começou a fumar aos 17 anos.

Fumante há quase cinquenta anos, ele conta que conseguiu ficar longe do cigarro duas vezes: a primeira por um ano e oito meses, e a segunda por seis meses. Mas, durante esses períodos, quase todas as noites sonhava que estava fumando.

"Sofri muito quando parei. Tive crise de ansiedade e tomei medicação receitada por um psiquiatra", afirma o adestrador, que usava adesivos de nicotina e andava segurando uma caneta para simular o cigarro.

Apesar do esforço, Lopes voltou a fumar quando a mãe dele morreu. Ele pretende parar novamente, mas diz que tem uma relação emocional com o tabagismo. "Não é totalmente psicológico, eu tenho consciência que tem a dependência química, que é muito complexa."

João Paulo Lotufo, pneumologista e coordenador do projeto antitabágico do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo), explica que casos como o de Lopes são comuns porque o vício no cigarro não está apenas relacionado apenas à nicotina, que é uma substância altamente viciante, mas à dependência psicológica e comportamental.

Fotografia foca a mão de uma pessoa segurando um cigarro e soltando a fumaça pela boca
Além de a nicotina ser uma substância que causa dependência, o vício de fumar também envolve questões emocionais e sociais - Wirestock/Freepik

"Você tem duas vezes mais ansiosos e depressivos entre os fumantes. O cigarro tem um poder de acalmar, o paciente usa como terapia, só que lesa o indivíduo. A nicotina é uma droga extremamente potente e legalizada", afirma o médico.

Lotufo desenvolve há 19 anos um tratamento multidisciplinar que envolve adesivos e gomas de mascar de nicotina. O uso desses produtos ajuda a reduzir a abstinência, que gera sintomas de ansiedade, irritabilidade, problemas para dormir, dor de cabeça, entre outros. Quando uma pessoa traga um cigarro, a nicotina age no cérebro em poucos segundos e estimula neurotransmissores responsáveis por sensações de prazer e de energia.

"O tratamento inicial é feito com adesivos e gomas de mascar para repor a substância em doses bem mais baixas que as do cigarro. É uma forma de enganar o cérebro do fumante", diz.

Lotufo também orienta a se afastar de locais que vendam cigarro, de ambientes que tenham pessoas fumando e evitar gatilhos que dão vontade de fumar, como café e álcool.

Os pacientes também são atendidos por psicólogos e participam de reuniões semanais em grupo durante um mês. Depois disso, eles continuam indo às reuniões mensalmente para evitar recaídas.

A jornalista Juliana Paiva, 43, precisou passar por um tratamento multidiciplinar, semelhante ao do HC, que envolveu consultas com nutricionista, endocrinologista, pneumologista, psiquiatra e psicólogo. Ela conseguiu parar de fumar há sete anos, mas confessa que não foi fácil.

Paiva conta que teve crises de choro, problemas gastrointestinais e ficou dias sem conseguir dormir direito. "Eu tinha uma relação afetiva com o cigarro e até hoje sinto falta. Ainda sonho que estou fumando."

Juliana é uma mulher branca, de cabelos loiros; ela usa óculos e uma blusa verde e sorri levenmente para a foto
A jornalista Juliana Paiva, 43, conseguiu parar de fumar depois de se submeter a um tratamento multidiciplinar - Arquivo Pessoal

A cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor (Instituto do Coração), afirma que o tabagismo é uma doença da dependência à nicotina. O vício torna difícil a pessoa deixar de fumar, mesmo sabendo dos riscos para a saúde, como câncer de pulmão e problemas cardíacos. "É interessante que o tempo passa e os estudos epidemiológicos são cada vez mais contundentes em apontar o cigarro como o maior fator de risco evitável de morte global", observa.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), mais de 8 milhões de pessoas morrem por ano no mundo em decorrência do tabagismo. Cerca de 7 milhões desses óbitos ocorrem pelo uso direto do tabaco, enquanto cerca de 1 milhão de mortes são de não fumantes expostos ao fumo passivo.

Os médicos enfatizam que trocar cigarros tradicionais por cigarros eletrônicos não é uma boa alternativa, pois eles também têm níveis de nicotina ainda mais elevados.

Scholz afirma que a melhor alternativa para quem pretende parar de fumar é buscar tratamento médico, mas que seja humanizado e confortável para o paciente. Ela utiliza medicamentos e uma técnica chamada de "fumar de castigo", em que o paciente fuma olhando para a parede, sem nenhuma distração, para separar o hábito de contextos sociais e agradáveis, como conversar com outras pessoas. "É uma forma de permitir que o indivíduo traga o cigarro para a dimensão da dependência."

Nesta terça (29) é lembrado o Dia Nacional de Combate ao Fumo, que tem como objetivo reforçar as ações nacionais de sensibilização e mobilização da população para os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco. A data foi instituída pela Lei nº 7.488/1.986, sancionada pelo então presidente da República José Sarney.

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