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Microbiota da vagina e do útero está ligada a infecções, abortos e infertilidade, apontam estudos

Área de pesquisa é recente e precisa de maior aprofundamento, mas já apresenta resultados promissores, segundo especialistas

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São Paulo

Desequilíbrios na microbiota vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematuros, infecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneos, cânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes.

Microbiotas (floras) são a ocupação de bactérias, vírus e fungos em diferentes regiões do corpo, como a boca, a pele e o trato gastrointestinal. Elas têm um papel essencial na manutenção da saúde, e suas atividades metabólicas impactam diretamente o hospedeiro.

O corpo humano possui mais bactérias do que células. São 39 trilhões de bactérias para 30 trilhões de células humana. Nos últimos anos, novas técnicas vêm sendo desenvolvidas para mais bem compreender o papel desses microorganismos.

Desequilíbrios na flora vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematuros, infecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneos, cânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes
Desequilíbrios na flora vaginal e uterina estão associados a um risco maior de nascimentos prematuros, infecções sexualmente transmitidas, abortos espontâneos, cânceres ginecológicos e infertilidade, mostram estudos recentes - Adobe Stock

Um estudo publicado no PubMed demonstrou, por exemplo, que o conjunto de microrganismos que vivem no endométrio está associado à fertilidade e ao sucesso de implantação do embrião.

Segundo o trabalho, mulheres inférteis que passaram por reprodução assistida e conseguiram engravidar tinham uma maior quantidade de bactérias Lactobacillus. Já as mulheres que não tiveram sucesso na gestação apresentaram baixas quantidades dessas bactérias.

"Os lactobacilos fazem parte do exército de defesa da vagina. Quando a gente vai olhar para os probióticos que têm potencial de tratamento para disbioses, a gente tem essa possibilidade de usar alguns lactobacilos", diz Maurício Simões Abrão, ginecologista, obstetra e referência em endometriose. Eles controlam o crescimento de bactérias que fazem mal ao corpo, além de manter o PH vaginal baixo.

Uma pesquisa publicada na revista científica Gene também associa a diminuição das bactérias Lactobacillus no endométrio à presença do câncer nesse local. O estudo demonstra que a obesidade e o câncer podem exercer influência na microbiota do endométrio.

Foi observado que os desequilíbrios causados pela obesidade no estrogênio e na inflamação influenciam a microbiota do intestino e da vagina, e a disbiose desses ambientes pode promover o câncer.

Mais avançadas, pesquisas sobre a microbiota intestinal já revelaram que os microrganismos presentes nesse órgão produzem vitaminas importantes que o corpo humano não produz, como a B12 e K. Também ajudam na digestão, protegem a parede intestinal de patógenos, fortalecem o sistema imune, além do impacto nas doenças mentais.

"A composição dessa microbiota afeta muito o sistema imunológico, a resposta imune e a resposta inflamatória, por isso que essas disbioses (desequilíbrio) muitas vezes estão associadas a condições sistêmicas", explica Leandro Araújo Lobo, professor adjunto no departamento de microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O desequilíbrio da microbiota intestinal tem correlação com a doença de Crohn e a diabetes tipo 1, por exemplo.

Segundo os especialistas, as pesquisas sobre a microbiota uterina enfrentam dificuldades adicionais, como as mudanças hormonais e fisiológicas por conta do ciclo menstrual. Além disso, há evidências de que a microbiota da mulher é diferente dependendo da etnia.

"A flora depende do clima, do que você come, da sua flora intestinal. Depende de um monte de coisas juntas", diz José Maria Soares Júnior, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP.

Alguns estudos apontam que a microbiota encontrada no endométrio poderia ser fruto de uma ocupação temporária ou permanente, ou de uma contaminação.

"A questão é muito controversa. A gente não sabe se existe realmente uma microbiota uterina no endométrio. Foi detectado DNA bacteriano em amostra de tecido do endométrio, mas isso não significa que ali existe uma microbiota", diz Leandro Lobo.

Até o momento, não há como estabelecer uma relação de causa e consequência entre os achados e as doenças do sistema reprodutor feminino.

Endometriose pode estar ligada à contaminação bacteriana

São 190 milhões de mulheres em idade reprodutiva que têm endometriose no mundo. A hipótese mais antiga da causa da doença é a da menstruação retrógrada, situação que atinge 90% das mulheres. Porém, apenas 10% dessas desenvolvem a doença.

A partir dessa constatação, surgiu a hipótese da contaminação bacteriana para explicar o aparecimento da doença. Novos estudos que buscam uma resposta na microbiota estão sendo conduzidos.

Uma pesquisa publicada em junho na Science diz que a endometriose pode estar ligada a uma infecção por Fusobacterium. O estudo, realizado com 155 mulheres com e sem endometriose no Japão, encontrou a bactéria em 64% das mulheres com a doença, e em apenas 7% das mulheres sem.

"As bactérias de região por região podem mudar. O que foi encontrado no Japão às vezes se repete em outras partes do mundo. Essa relação é muito difícil", diz Soares Júnior.

Outro estudo, uma parceria entre a USP e o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), buscou entender o perfil da microbiota intestinal e vaginal de pacientes com endometriose como uma forma de diagnóstico da doença de forma não invasiva. Eles encontraram uma maior abundância das bactérias do gênero Anaerococcus em mulheres com endometriose em estágios avançados.

"Essas questões da microbiota são extremamente complexas. São cerca de mais de 500 espécies diferentes só de bactérias, sem pensar em fungos e vírus. É uma relação extremamente complexa que a gente ainda está começando a arranhar a superfície do iceberg, tem muita coisa ainda debaixo da água", diz Lobo.

Segundo os especialistas, há uma área de transplantes de microbiota em crescimento. O transplante de microbiota fecal, por exemplo, já aconteceu e se provou eficaz contra a colite, doença intestinal inflamatória crônica.

Agora, a nova fronteira da saúde reprodutiva é o transplante de microbiota vaginal: a transferência de fluido cervicovaginal de uma doadora saudável para outra que queira restaurar a flora do local. Também existe a possibilidade de tratamento com probióticos e prebióticos para tratar o desequilíbrio na microbiota vaginal.

"O futuro da medicina é olhar por esse caminho. É olhar para o alimento, para microbiota dos diversos lugares. E eu acho que é o caminho que a gente está seguindo com algumas doenças", afirma Abraão.

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Esta reportagem foi produzida durante o 8º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

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