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Matheus de Castro Fonseca

Vivemos em um mundo bacteriano

A boa notícia é que uma delas pode modular a patologia do mal de Parkinson

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Matheus de Castro Fonseca

Mestre em biologia celular e doutor em fisiologia e farmacologia (UFMG), é pesquisador associado de pós-doutorado no California Institute of Technology (EUA)

Lavamos compulsivamente as mãos e fazemos caretas quando alguém espirra perto de nós —na verdade, fazemos o que podemos para evitar encontros desnecessários com o mundo dos "germes". No entanto, "andamos em placas de Petri" repletas de colônias bacterianas que recobrem desde a nossa pele até o íntimo de nossas entranhas.

Para cada célula do nosso corpo existe aproximadamente uma célula bacteriana. Durante a vida, somos colonizados com 100 trilhões de bactérias, criando um ecossistema diversificado cujas contribuições para a saúde humana permanecem pouco compreendidas. Se olharmos diferentes populações humanas pelo mundo, encontraremos pelo menos 10 mil espécies de bactérias que compõem nosso microbioma.

Estudo revela como o desequilíbrio da microbiota intestinal pode levar à doença de Parkinson - Karime Xavier - 22.mar.2018/Folhapress - Folhapress

No entanto, um grupo bem menor, cerca de 70 espécies, são capazes de causar doenças. Isso não quer dizer que um desbalanço da microbiota, ou seja, um excesso ou redução de bactérias simbióticas, possa ser maléfico para o nosso organismo —e isso é o que recentemente tem sido observado em pacientes com certas doenças neurodegenerativas. Mas como os microrganismos intestinais podem gerar distúrbios cerebrais?

Em 2006, a neurocientista canadense Jane Foster e seu grupo estavam trabalhando com dois grupos de camundongos: um com uma seleção saudável de microrganismos no intestino e outro que não tinha microbiota (animais conhecidos como "livre de germes" —do inglês "germ-free"). Ao avaliar os animais sem as bactérias intestinais, estes pareciam menos ansiosos do que seus equivalentes saudáveis. Quando colocados em um labirinto com alguns caminhos abertos e alguns murados, eles preferiram os caminhos expostos, indicando um menor nível de ansiedade. Isso demonstra que, de alguma maneira, as bactérias no intestino pareciam estar influenciando o cérebro e o comportamento. No entanto, devido à grande resistência da comunidade cientifica em acreditar que as bactérias intestinais podem alterar a atividade cerebral e o comportamento, o estudo só foi publicado em 2011.

Desde então, contudo, o campo fez avanços significativos. Em 2022, por exemplo, o grupo deste pesquisador brasileiro que vos escreve demonstrou que uma espécie específica de bactéria que pode modular a patologia da doença de Parkinson, fazendo com que essa se inicie no intestino e, posteriormente, "migre" para o cérebro.

Apesar da extrema resistência dos cientistas mais tradicionais, hoje em dia o eixo intestino-microbiota-cérebro é uma das principais sessões de discussão em reuniões de neurociência. Atualmente já se é comprovado o papel do microbioma intestinal em patologias como Alzheimer, depressão e até mesmo o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essas descobertas levam os pesquisadores a investigar as ligações entre bactérias intestinais e sintomas dessas doenças neurológicas —e a começar a testar tratamentos que repovoam o microbioma intestinal a partir do zero. Sabem como? Transplante Fecal de Microbioma (FMT, do inglês "Fecal Microbiome Transplant").

O crescente interesse no microbioma intestinal, iniciado em 2006, tem colocado a ciência mundial unida com o objetivo de desvendar como esses organismos podem afetar o funcionamento do cérebro e serem utilizados para prevenir ou tratar doenças neuropsiquiátricas —e não apenas na academia. Em fevereiro de 2019, a Axial Therapeutics, em Massachusetts (EUA), empresa fundada para desenvolver terapias para doenças neurodegenerativas e neuropsiquiátricas, levantou US$ 25 milhões em financiamento. Outra companhia, a Finch Therapeutics (Massachusetts), que está desenvolvendo um medicamento de microbioma oral para o TEA, anunciou que havia obtido US$ 90 milhões.

E o Brasil? Engatinhando, sofrendo com cortes no orçamento para a ciência e tecnologia, sem plano de Estado (somente de governo) para as mesmas, exportando cérebros e cultivando a velha tradição de fomentar pesquisadores em final de carreira que não abrem espaço para novas mentes e que ainda sugam grande proporção do financiamento das agências de fomento. Novamente, vemos o Brasil ficando para trás.

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