Conheça a história de adolescentes que fizeram cirurgia bariátrica

Médicos se dividem sobre a realização do procedimento nesta faixa etária

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Breno Antunes da Luz
Curitiba

Após tentar diversos tratamentos contra a obesidade, incluindo o medicamento Ozempic, Alice, 14, realizou, em junho do ano passado, uma cirurgia bariátrica.

Ela vem de uma família com histórico de obesidade. A mãe dela, Maria Carmen, também realizou o procedimento, como forma de incentivo.

Alice conta que foi a melhor decisão da vida dela e que não teve complicações durante a recuperação. A adolescente perdeu 31 kg desde a cirurgia. Hoje, diz sonhar em ser endocrinologista.

Maria Carmen e sua filha Alice, que fez cirurgia bariátrica aos 12 anos
Maria Carmen e sua filha Alice, que fez cirurgia bariátrica aos 12 anos - Weimer Carvalho/Folhapress

Segundo Maria Carmen, havia uma sensação de corrida contra o tempo, já que ela via a filha ganhar peso, o que aumentava o risco de outras doenças. "Não era só o medo de depressão, era também preocupação com a saúde."

De acordo com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), entre 2019 e 2021, 163 pacientes de 16 anos ou menos realizaram a cirurgia. No SUS (Sistema Único de Saúde), para o mesmo recorte, o Ministério da Saúde registrou 22 casos.

A opção pelo procedimento em adolescentes é vista como delicada por médicos. Segundo Tarissa Petry, endocrinologista do centro especializado em obesidade e diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, os tratamentos clínicos para obesidade são efetivos e apresentam menos efeito colateral, com maior segurança de uso.

Para a indicação da cirurgia em adolescentes, é necessário que o paciente tenha tentado tratamentos prévios, além de comprometimento com mudança de hábitos.

Segundo Petry, um dos riscos específicos da bariátrica é a reposição de cálcio, envolvido na formação óssea do jovem.

Em 2022, o SUS identificou quase 1,4 milhão de adolescentes entre 10 e 19 anos de idade com sobrepeso, obesidade ou obesidade grave. De acordo com estudo do Atlas Mundial da Obesidade, o Brasil pode ter até um terço de crianças e adolescentes vivendo com obesidade em 2035.

Petry afirma que a procura por tratamento nessa faixa etária, seja clínico ou cirúrgico, deve aumentar no país nos próximos anos. Segundo ela, poucos casos recebem o devido tratamento.

Ingrid Barreto, 33, fez a cirurgia aos 12 anos, quando tinha 114 kg. Após a operação, estabilizou em 68 kg. Atualmente, é médica endocrinologista no Recife. Ter passado pelo tratamento, conta, influenciou a escolha de sua especialidade.

Ela vem de família com casos de diabetes e hipertensão. Quando adolescente, fez tratamento com remédios, mas não teve sucesso. A solução foi a bariátrica, que teve impactos positivos na sociabilidade e na saúde.

Para a médica, o procedimento é uma alternativa viável, se comparada com os riscos associados à obesidade. "Sem a bariátrica, eu nem sei se estaria viva", afirma.

Um estudo publicado em 2019 no The New England Journal of Medicine revelou que a incidência da perda de peso em adolescentes após cinco anos do procedimento foi semelhante à registrada em adultos.

A comparação é de cirurgias feitas com a técnica bypass (redução do estômago e manipulação do intestino). Além disso, houve diferença representativa na taxa de remissão de diabetes tipo 2 (86% em adolescentes contra 53% em adultos) e da hipertensão (68% em adolescentes contra 41% em adultos).

Por outro lado, Edmond Le Champion, professor adjunto do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da UFG (Universidade Federal de Goiás), afirma que não há evidências de qualidade sobre os efeitos em adolescentes no longo prazo —de 30 a 40 anos após a operação.

De acordo com Le Champion, existe uma preocupação com a consequente perda nutricional, que pode impactar aspectos como o desenvolvimento ósseo e psicológico. Ele critica a banalização do procedimento no Brasil.

No SUS, a cirurgia é ofertada para maiores de 16 anos. Ela é indicada, por exemplo, para pacientes que apresentem IMC (índice de massa corporal) maior ou igual a 50. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera obesa a pessoa que tiver a taxa maior ou igual a 30.

Beib Alves de Siqueira, 50, passou 94 dias internada por causa da Covid-19. Nesse período, sua filha de 15 anos ganhou peso.

Com quadro de obesidade 3 (definido por IMC 40 ou maior) e esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), a adolescente teve o peso máximo de 128 kg. Neste ano, a mãe optou por tirá-la da escola, onde sofria bullying, e realizar a cirurgia pelo plano de saúde, que aconteceu no final de setembro.

A autoestima também foi levada em consideração na hora de tomar a decisão. Beib conta que a adolescente criou um mundo de sofrimento e que temia o suicídio. "Foi a melhor coisa que fiz por ela até hoje. Se precisasse, faria mais mil vezes."

Depois da cirurgia, a jovem começou a frequentar academia e, até o começo de novembro, havia perdido 11 kg.

Esta reportagem foi produzida durante o 8º Programa de Treinamento em Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

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