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Evitar desconfortos traz alívio imediato, mas compromete saúde mental no longo prazo, diz autora

Psicóloga Luana Marques lança livro sobre como reprogramar o cérebro para lidar com medos

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São Paulo

Evitar aquilo que nos traz algum desconforto, ansiedade ou medo parece algo lógico e natural —afinal, quem gosta de se sentir desconfortável, ansioso ou apavorado? Mas, segundo a psicóloga mineira Luana Marques, professora na Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA), o efeito de longo prazo dessa evitação psicológica é justamente o contrário: mais desconforto, mais ansiedade, mais medo e mais estresse no futuro.

"A evitação é poderosa porque funciona! Ela faz a gente se sentir melhor rapidamente, mas piora as coisas no longo prazo", avalia. "Quando começamos a evitar um desconforto, precisamos continuar evitando-o. E, com isso, ensinamos ao cérebro que a única maneira de lidar com situações difíceis é não enfrentá-las, o que reforça a necessidade de evitação. É como um monstro que vai crescendo."

Ela reuniu seus anos de pesquisa sobre ansiedade com a experiência de consultório para criar um método de identificação de evitações psicológicas e dos padrões de pensamento por trás delas e um plano para revertê-las.

Fotografia mostra Luana, uma mulher branca de cabelos negros lisos e longos; ela olha e sorri para a câmera e usa blusa e brincos vermelhos
A psicóloga mineira Luana Marques, professora e pesquisadora na Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) e autora do livro 'Viver com Ousadia: Uma abordagem científica para reprogramar sua maneira de lidar com o desconforto e o estresse' - Carolyn Rossl/Divulgação

O resultado está no seu livro de estreia, "Viver com Ousadia: Uma abordagem científica para reprogramar sua maneira de lidar com o desconforto e o estresse" (Editora Sextante), lançado no final do ano passado nos EUA e, agora, no Brasil.

"Depois de 20 anos de psicologia, estudando todos os transtornos, percebi esse denominador comum em todo tipo de paciente: as diferentes formas de evitação psicológica deixam as pessoas empacadas", afirma ela, que é a primeira latina a ocupar a presidência da Associação Americana de Ansiedade e Depressão (Adaa).

Em seu livro, Luana explica o que é essa tal de evitação psicológica. Trata-se de uma reação do cérebro para nos proteger quando ele percebe algum tipo de perigo, seja real ou imaginário.

Essa reação é disparada mesmo sem pensamento consciente e provoca uma cascata de respostas biológicas que geram suor, tontura e aumento dos batimentos cardíacos. Como consequência, as pessoas tendem a se comportar de três maneiras: uns fogem, outros lutam, e outros ficam paralisados.

Tudo isso ocorre antes mesmo que possamos avaliar se o perigo é real ou imaginário porque a área do cérebro responsável por esse mecanismo de luta, fuga e congelamento é a amígdala cerebral, uma espécie de central de instintos e emoções.

"Ao mesmo tempo, uma das regiões cerebrais desligadas neste processo é o córtex pré-frontal, a central de controle do cérebro, responsável por tomar decisões, planejar e resolver problemas, e capaz de reduzir a ação da amígdala", explica a psicóloga.

Para evitar esse comportamento automático e ativar o cérebro pensante, Luana afirma que qualquer pessoa pode usar o que chama de "superpoder": a capacidade de fazer uma pausa e de analisar os próprios pensamentos, emoções e comportamentos.

A autora aponta para um elemento chave da terapia cognitivo-comportamental chamado de ciclo PEC. A sigla para pensamento, emoção e comportamento trata justamente do nexo entre o que pensamos, o que sentimos e como agimos, num ciclo que pode girar como um rodamoinho, e nos manter presos nele, mas cuja força pode ser reduzida com a pausa necessária para ativarmos o córtex pré-frontal.

"A pessoa precisa sair do sistema de luta, fuga e congelamento para poder mudar a sua evitação psicológica. Sem a pausa, a evitação é automática, e o cérebro repete o que sempre faz nessas situações", explica ela.

"Pausar e analisar o ciclo PEC, ou seja, que você diz para si mesmo e os efeitos desses pensamentos nas suas emoções e comportamento, é a maneira de começar a mudar a forma como você enfrenta o que lhe causa desconforto", diz a autora. Esses pensamentos são em geral o produto de crenças que temos sobre nós mesmos e que vão se solidificando ao longo do tempo quando não são desafiadas.

Para ilustrar os efeitos dessas crenças, Luana usa muitos exemplos de sua própria trajetória de vida, marcada pela vulnerabilidade familiar, pela crença de não ser boa o suficiente e pelo desafio a essas premissas que a levaram até uma das universidades mais importantes do mundo.

E é também a partir dessa experiência pessoal que ela desenvolveu um método de três etapas para a mudança das três formas de evitação psicológica, que ela chama de modificar, abordar e alinhar.

Não se trata, no entanto, de algo de efeito imediato. Luana faz uma analogia com exercícios físicos, que começam com moderação até que se crie músculos suficientes para maior carga e intensidade. E, para ajudar nesses exercícios mentais, ela propõe ao longo do livro uma série de atividades que qualquer um pode fazer sozinho.

"Independentemente da classe social e das oportunidades que se apresentam para cada um, é possível melhorar a saúde mental e a vida através do treinamento dessas habilidades", afirma.

Luana conta que boa parte de seus pacientes chega ao consultório pedindo para se livrar de sensações de ansiedade e de depressão, mas não querem focar na origem dessas emoções.

"Esses são sintomas de algo que você está querendo evitar e que mantém você preso numa crença e numa história de vida, em vez de permitir a você mudar", diz. Para ela, o único jeito é viver através dessas emoções e não tentando evitá-las.

Viver com ousadia: Uma abordagem científica para reprogramar sua maneira de lidar com o desconforto e o estresse

  • Preço R$ 49,90; 240 páginas
  • Autoria Luana Marques
  • Editora Editora Sextante

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