Saúde Mental

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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Estresse crônico é estopim para transtornos e pode atrofiar estruturas cerebrais

Depressão e ansiedade estão diretamente relacionados à condição, diz psiquiatra

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São Paulo

Ninguém foge do estresse. Diariamente vivenciamos episódios como o trânsito caótico, um prazo para cumprir no trabalho ou mesmo um susto qualquer. Já o estresse crônico ocorre quando enfrentamos situações que se estendem por um longo período, como um problema financeiro de difícil solução, a doença de um familiar ou uma pressão contínua no ambiente profissional.

Essa condição de tensão constante gera impactos na nossa mente e no nosso corpo que podem causar transtornos como pânico, depressão, ansiedade, além de doenças como gastrite, síndrome do intestino irritável e dores musculares.

Quando o nosso cérebro se depara com uma situação de estresse ou de perigo, ele ativa um sistema chamado de luta e fuga. "Num primeiro momento, a amígdala, que é uma estrutura cerebral, será acionada e vai dar início à ativação do sistema simpático e à liberação de uma série de sinais químicos, como a noradrenalina e a adrenalina. Essas substâncias vão nos colocar em alerta e preparar o nosso corpo para enfrentar a ameaça", explica o neurocientista Andrei Mayer.

"Se essa situação de perigo se estender por mais tempo, teremos a liberação do famoso cortisol, o hormônio do estresse", diz Mayer.

O cortisol participa da regulação de funções orgânicas complexas, como a diminuição dos níveis de insulina, o aumento da energia disponível na forma de glicose e a importante ação anti-inflamatória durante um período de maior exigência nos órgãos do corpo. Essas substâncias permitem, por exemplo, que o cérebro se ajuste a situações desafiadoras, mantendo a pessoa atenta, motivada e pronta para evitar o perigo.

"O problema ocorre quando essa reação fisiológica é mantida por longos períodos. Algumas pessoas têm genes mais suscetíveis ao estresse crônico, podendo ocorrer impactos negativos sobre a memória, a cognição, o controle da ansiedade e o humor nestes indivíduos", destaca o psiquiatra Bruno Machado.

O médico conta que quadros clínicos como depressão e transtornos de ansiedade estão diretamente relacionados à ação prolongada dos mecanismos biológicos do estresse. "Áreas cerebrais como córtex, hipotálamo, amígdala e hipocampo possuem normalmente receptores de cortisol e também participam do controle da liberação deste corticosteroide. Porém, quando submetidas ao hormônio por longos períodos, essas áreas do sistema nervoso são funcionalmente prejudicadas. Existem estudos de neuroimagem que demonstram até mesmo atrofia dessas estruturas cerebrais."

Como consequência, afirma Machado, ocorre o prejuízo sobre o aprendizado e a memória, além de uma piora cognitiva, que por sua vez contribui para cronificação da ansiedade antecipatória, levando a um ciclo vicioso que perpetua o próprio estresse. Nesse cenário, ocorre risco aumentado de transtornos mentais como depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade generalizada.

"É muito importante ressaltar que o cortisol não é a causa do estresse, apenas participa de um processo mais amplo. Também não devemos usar o exame que detecta o nível de cortisol no sangue para diagnosticar ou acompanhar o tratamento desses transtornos mentais. Tais exames são úteis em pesquisa e têm metodologia válida apenas para diagnóstico de doenças endocrinológicas, mas sem precisão para diagnosticar estresse ou quadros ansiosos. O mau uso desses exames, além de ser um desperdício de tempo e de recursos, pode levar a erros de interpretação e condutas médicas inadequadas. Esse é um problema comum que vemos na prática clínica", observa Machado.

O estresse crônico também pode acarretar em cefaleia tensional, gastrite, síndrome do intestino irritável e insônia. No entanto, uma vez que são envolvidos mecanismos sistêmicos do corpo humano, doenças em geral pouco relacionadas ao estresse podem também sofrer influência direta e indireta deste processo biológico.

"Poderíamos citar correlação com doenças cardíacas, demências como a de Alzheimer, asma e também a obesidade. A busca de recompensa e a tentativa de aliviar momentaneamente os sintomas de ansiedade podem ainda levar a comportamentos associados ao desenvolvimento de doenças, tais como o uso de cigarro, ingestão de alimentos com alto teor de açúcares, uso de álcool, abuso de medicamentos, dentre outros", diz.

A melhor forma de driblar os efeitos do estresse é manter hábitos saudáveis, como prática regular de atividades físicas, acompanhamento nutricional para uma dieta equilibrada e o sono regular. Iniciar um processo terapêutico com um psicólogo e tomar medicamentos receitados por um psiquiatra também pode ser recomendado em alguns casos.

"O tratamento medicamentoso muitas vezes é fundamental, mas é apenas parte do processo de recuperação. Atividade física, exposição adequada ao sol, higiene do sono, alimentação saudável e psicoterapias apropriadas também são de grande importância", afirma.

O psiquiatra conta que, na prática clínica, tem ganhado destaque o mindfulness, prática de aplicado à saúde foi desenvolvido pelo médico Jon Kabat-Zinn na década de 1970, nos Estados Unidos.

A eficácia destas técnicas no tratamento dos transtornos de ansiedade é tão grande que em novembro de 2022 foi publicado um estudo no tradicional jornal científico JAMA Psychiatry, comparando um protocolo estruturado de mindfulness com o antidepressivo escitalopram, um dos medicamentos com melhores resultados em quadros de ansiedade. A eficácia da terapia de atenção plena foi tão boa quanto a do remédio, porém com menor risco de efeitos colaterais.

É importante salientar que a terapia com mindfulness tem diferenças fundamentais em relação à meditação, embora existam semelhanças, diz o médico. "As linhas cognitivas e de redução de estresse baseadas em mindfulness visam objetivamente a restaurar o equilíbrio psíquico por meio da autorregulação dos pensamentos e das emoções, ajudando os pacientes a superarem os sintomas sempre de modo inteligível e com o desenvolvimento de habilidades facilmente aplicadas a situações cotidianas. É importante que o estado de atenção plena seja trabalhado em conjunto com a organização e com o pragmatismo, auxiliando na administração das situações ansiogênicas e no autocuidado."

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