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Victoria Damasceno

Um feto com 110 mil seguidores

Antes mesmo de nascer, filho de influenciadores já tem perfil de sucesso nas redes sociais

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Victoria Damasceno
Victoria Damasceno

Na Folha desde 2021, é jornalista pela USP. Escreve sobre temas ligados aos direitos humanos e à saúde, com foco em questões raciais e de gênero. Atuou como pesquisadora no departamento de Ciência Política da Universidade Howard (EUA)

São Paulo

Antes mesmo de dar as caras no mundo, o segundo filho dos ex-BBBs Viih Tube e Eliezer já tem Instagram. Vi a novidade em um domingo chuvoso, entre os tantos textos sobre a tragédia no Rio Grande do Sul que havia acabado de ler. Morte, chuva, enchente e desabamento parecem ser assuntos normalizados, enquanto a notícia de que um feto tem 110 mil seguidores em uma rede social prende atenção e faz questionar se isso é coisa que em algum momento vai se tornar corriqueira.

A notícia era do sábado à noite. Na manhã de domingo, o número de seguidores do feto já tinha pulado para 144 mil. E dependendo da hora em que você, leitor, estiver cruzando com esse texto, pode ser que a cifra tenha dobrado.

Viih Tube e Eliezer esperam o segundo filho, que será batizado de Ravi - @viihtube no Instagram

A primeira filha do casal, Lua, também tem Instagram. Com apenas 1 ano, ela soma 2,8 milhões de seguidores e 204 publicações. Mas não pense que essa coisa de expor crianças nas redes é novidade: quem não lembra da pequena Alice, que virou a marca do Itaú após a mãe publicar vídeos fofos mostrando a excelente dicção da bebê?

Depois do choque, tentei deixar o julgamento de lado e me perguntei: por que cargas d’água criar um perfil para alguém que nem sequer nasceu? O mercado de influenciadores cresce e a rede social é um dos principais canais de monetização. Viih Tube deve querer garantir um futuro para o filho, pensei.

Mas a influenciadora teria considerado o impacto de expor alguém que ainda nem saiu do ventre? Que ela pode ter colocado em xeque os direitos de uma futura criança? Exposto desde cedo seus dados?

Nem mesmo Mark Zuckerberg, criador do Facebook e hoje também dono do Instagram, expõe os filhos na internet. O homem, referência quando o assunto são redes sociais, faz questão de deixar de lado o rosto dos pequenos e qualquer informação específica sobre eles.

Ainda não há clareza sobre o que é feito com dados disponíveis no mundo online, e o que se sabe não é bom. Imagens inocentes acabam alimentando fóruns de pedofilia e virando matéria prima para distorções com inteligência artificial. Nos episódios menos danosos, a foto é usada em produção publicitária ou artística, como no caso do menino de 4 anos que teve sua imagem tatuada na pele de um desconhecido sem que os pais autorizassem.

E, se formos jogar a discussão para um campo mais intelectual, a decisão de colocar informações de crianças na internet tira dos pequenos o direito de não ter seu nome, imagem e dados pessoais eternizados nesse buraco negro. Há especialistas que apontam risco de vida na exposição, inclusive.

Zuckerberg deve bem saber que as redes sociais viabilizam violações. E mesmo protegendo os próprios filhos, lidera uma empresa resistente às regulamentações que dificultariam ações criminosas, apesar da companhia insistir que tem políticas rigorosas relacionadas ao tema. Na vida real sabemos bem que essas regras não funcionam.

O que fazer, então, num mundo que se confunde com a vida digital? Especialistas ouvidos pela repórter especial Anna Virginia Balloussier em uma reportagem sobre o tema recomendam redução de danos, conscientizar sobre uma exposição menos prejudicial e para grupos seletos, "como perfis fechados para poucos familiares e amigos".

O que cabe então, aos pais, tios, avós ou amigos? Tratar crianças (ou o que virá a ser uma algum dia) como sujeitos de direitos. Proteger sua imagem e seus dados de maldades de terceiros é também proteger seu bem-estar, seu futuro e seus direitos. Até que vivamos em uma cultura que assegure segurança digital para nossas crianças, resta a nós sermos guardiões.

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