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Pais estão 'exaustos, esgotados e perpetuamente atrasados', diz autoridade de saúde americana

Pais gastam mais dinheiro com os filhos hoje do que aqueles de uma geração atrás

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Claire Cain Miller
The New York Times

Em um alerta sobre a saúde mental dos pais, Vivek Murthy, o cirurgião-geral nos Estados Unidos, disse o que muitos pais talvez só tenham admitido confidencialmente: ser pai hoje é muito difícil e estressante.

É claro que sempre houve preocupações com o bem-estar das famílias. E embora alguns dos medos dos pais de hoje sejam mais recentes —celulares, tiroteios em escolas, fentanil— os pais sempre se preocuparam com seus filhos.

Então, por que o estresse parental aumentou a ponto do cirurgião-geral alertar sobre esse problema urgente de saúde pública —colocando-o na mesma categoria que cigarros e AIDS?

Os pais estão: 'exaustos, esgotados e perpetuamente atrasados' - Travis Dove/NYT

É porque os pais de hoje enfrentam algo diferente e mais exigente: a expectativa de que gastem cada vez mais tempo e dinheiro educando e enriquecendo seus filhos. Essas pressões, dizem os pesquisadores, são impulsionadas em parte por medos sobre a economia moderna —que se os pais não equiparem seus filhos com todas as vantagens possíveis, eles podem falhar em alcançar uma vida segura de classe média.

Esse estilo de parentalidade é conhecido como parentalidade intensiva, como a socióloga Sharon Hays descreveu no final dos anos 1990. Envolve "cultivar minuciosa e metodicamente os talentos, acadêmicos e futuros das crianças por meio de interações e atividades diárias", escreveram os sociólogos Melissa Milkie e Kei Nomaguchi.

Mas podemos ter chegado a um ponto, segundo Murthy e outros especialistas, em que a parentalidade intensiva se tornou muito intensa para os pais.

Os pais gastam quantidades maiores de dinheiro com os filhos do que os pais de uma geração atrás, especialmente para atividades extracurriculares como esportes ou aulas particulares. Eles passam mais tempo ativamente envolvidos com eles, lendo ou brincando no chão.

Embora os pais ricos consigam fazer mais esses investimentos, a pressão para ser esse modelo de parentalidade atinge todas as classes, mostram as pesquisas.

Os pais se culpam quando temem não estar à altura. A maioria diz que sente que os sucessos ou fracassos de seus filhos refletem neles, e parcelas significativas se sentem julgadas por sua parentalidade, afirma o Centro de Pesquisa Pew, um dos mais importantes dos EUA. O cirurgião-geral destacou uma cultura intensa de comparação, exacerbada pela internet.

"Perseguir essas expectativas irrazoáveis deixou muitas famílias se sentindo exaustas, esgotadas e perpetuamente atrasadas", escreveu Murthy em seu aviso, emitido no final de agosto.

Como a parentalidade se tornou tão intensiva

Vários fatores levaram os pais a se sentirem assim. Os cientistas aprenderam mais sobre como as experiências na primeira infância podem afetar os resultados a longo prazo das crianças, e alguns pais levaram isso adiante, concluindo que as vidas das crianças pequenas devem ser constantemente otimizadas e estimulantes.

Muitos pais, mesmo de crianças muito pequenas, eram impulsionados pela ansiedade em relação à faculdade, à medida que um diploma se tornava mais essencial para ganhar um salário de classe média, e as admissões se tornavam mais competitivas.

Nos últimos anos, a pressão piorou, disseram Milkie e Nomaguchi, que escreveram sobre a intensidade e o estresse da parentalidade desde 2010. Os pais sentem que precisam compensar o que seus filhos perderam durante a pandemia. As redes sociais tornaram as comparações com outros pais inevitáveis. A mudança tecnológica tornou mais difícil preparar as crianças para o trabalho futuro. Os americanos têm menos fé de que o sistema político possa resolver os problemas das famílias.

Embora as mães sintam grande parte da pressão para exercerem a parentalidade intensiva, os pais cada vez mais também a sentem. Embora estejam passando mais tempo com os filhos do que costumavam, eles também são mais propensos a dizer que não é suficiente.

Por trás de tudo está a crença estadunidense de que a parentalidade é uma tarefa individual, não da sociedade. Embora muitos americanos sintam solidão, os pais são mais propensos do que as pessoas que não têm filhos a dizer que ninguém entende a extensão de seu estresse.

"Nos EUA, é esse senso de individualismo: você escolheu ter filhos, então vá criá-los", disse Milkie, que trabalha na Universidade de Toronto. "Os pais precisam da sociedade, mas as pessoas não estão tão disponíveis como antes."

Os pais de hoje enfrentam algo diferente e mais exigente: a expectativa de que gastem cada vez mais tempo e dinheiro educando e enriquecendo seus filhos.

Ao contrário de outros países ricos, os Estados Unidos têm poucas políticas federais universais para famílias, como licença remunerada ou subsídios para creche. Durante o movimento das mulheres da década de 1970, o país considerou a ideia de que políticas governamentais e empresariais poderiam ajudar os pais a trabalhar e cuidar de suas famílias, como Kirsten Swinth, professora de história na Fordham, escreveu. Mas a era Reagan trouxe uma ideia diferente —que o governo não deveria interferir na vida familiar.

"Isso foi muito convincente —'Eu quero controle sobre como crio meus filhos'", disse Swinth, que estuda a história das mulheres e da economia. "Mas na prática, significava que os sistemas que ajudariam os pais, especialmente à medida que as mulheres entravam no mercado de trabalho, não foram financiados. "Conservadores ainda geralmente preferem que, em vez de programas governamentais financiados pelos contribuintes, pessoas nas comunidades das famílias —parentes, vizinhos, membros da igreja— preencham as lacunas.

Mas houve uma queda nas redes comunitárias informais que ajudam a criar crianças. Grande parte da conversa sobre parentalidade nos últimos anos tem sido sobre se a parentalidade intensiva prejudica ou ajuda as crianças. Há receios de que possa ir longe demais, privando as crianças de chances de desenvolver independência e resiliência, embora especialistas em desenvolvimento infantil digam que as crianças geralmente se beneficiam de mais envolvimento dos pais.

Mas o alerta do cirurgião-geral muda o foco para o bem-estar dos pais —o que, por sua vez, afeta a saúde mental das crianças. As demandas crescentes de criar filhos, combinadas com responsabilidades como trabalho remunerado e cuidados com idosos, têm sido à custa da saúde mental, do tempo de lazer, do sono e do tempo sozinho ou com o cônjuge.

"Estamos sobrecarregando os pais com um fardo enorme, em benefício da sociedade, e estamos meio que 'pegando carona' neles", disse Swinth.

O aviso pediu que formuladores de políticas, empregadores e prestadores de cuidados de saúde apoiem melhor os pais, inclusive por meio de políticas familiares como licença remunerada e créditos fiscais para crianças. Essas são ideias que historicamente foram apoiadas pelos democratas, incluindo a vice-presidente Kamala Harris, embora certos republicanos tenham apoiado algumas delas. Donald Trump disse que, como presidente, expandiria o crédito fiscal para crianças.

Mas Murthy disse que uma América pró-família também exigiria uma mudança cultural —uma que visse a parentalidade como um bem social e, portanto, responsabilidade de toda a sociedade, tão importante quanto os empregos remunerados. Ele descreveu a parentalidade como "trabalho sagrado".

Isso poderia significar criar os filhos um pouco menos intensivamente, sugeriu ele. Amigos, parentes e programas extracurriculares poderiam ajudar a cuidar das crianças. Os pais devem reservar um tempo para si mesmos, disse ele, para fazer atividades que lhes tragam alegria ou melhorem sua saúde, sem sentir culpa por passar tempo longe dos filhos.

E, ele disse, falar mais abertamente sobre as demandas da parentalidade poderia eventualmente mudar as expectativas culturais sobre se todo esse tempo e dinheiro são necessários para que as crianças tenham sucesso.

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