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PIB

O cuidado está fora do PIB

Cuidar de pessoas ou tarefas domésticas equivalem a R$ 580 bilhões, indica Pnad

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Vivianne Naigeborin

Superintendente da Fundação Arymax.

Nadya Araujo Guimarães

Socióloga, professora sênior do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Cebrap integrada à Rede CuiDDe e membro da Academia Brasileira de Ciências

Matheus Magalhães

Analista da Fundação Arymax

É comum conhecermos histórias de quem dedica boa parte ou todo o seu tempo para cuidar de pessoas (crianças, idosos, com necessidades especiais) ou de tarefas domésticas, assumindo, assim, atividades essenciais à garantia do bem-estar de outrem ou da família. Quase sempre, nós mesmos vivemos essa jornada.

É fato o quanto essas atividades são invisíveis, embora gerem impacto enorme não só na vida de quem é cuidado mas também na economia. Entretanto, o seu potencial de inclusão produtiva e garantia de renda segue sendo descartado. Com isso, embora sendo essencial para a roda da vida girar, ela não está no PIB (Produto Interno Bruto) e precisa estar.

Mulher jovem segura as mãos de uma pessoa idosa que está sentada em uma cadeira de rodas
Cuidados de pessoas movimentam R$ 580 bilhões, aponta Pnad - Adobe Stock

A falta de dados sobre o uso do tempo para o cuidado gera um apagão de informações que impede dimensionar o quanto esse trabalho é negligenciado. Em 2018, Jordana de Jesus, pesquisadora na área de cuidados, tratou de enfrentar a pergunta que não quer calar: e se atribuíssemos um valor monetário para esse trabalho que ninguém percebe e que as mulheres (sempre elas!) estão realizando?

A sua resposta —usando dados da Pnad— revelou o notável montante de R$ 580 bilhões, o que significava à época nada menos que 10% do PIB do Brasil. Já o estudo "O Futuro do Mundo do Trabalho para as Juventudes Brasileiras", das Fundações Arymax, Itaú Educação e Trabalho, Roberto Marinho, Telefônica Vivo e Juventudes Potentes trouxe, em 2023, outra evidência desafiadora. Mostrou que as carreiras do futuro estão nas chamadas economias emergentes, sendo uma delas a do cuidado.

Não sem razão, afinal, há um envelhecimento acelerado da população. Recentes projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimam que, em 2070, 37,8% da população será formada por idosos, um dos motores do cuidar.

Mais que isso: os serviços de cuidados diretos e indiretos têm capacidade de prover oportunidades ocupacionais, representando 25% do mercado de trabalho brasileiro, como mostra a publicação "Cuidar, verbo transitivo", do Ipea.

Entretanto, parcela significativa desse trabalho é muitas vezes desenvolvida à margem de regulamentação e dos direitos trabalhistas. Soma-se a esse cenário, ainda, um perverso e combinado viés de gênero, classe e raça, que faz pesar sobre os ombros de mulheres negras o ônus de uma atividade desprotegida.

Resultado? Uma soma de horas de trabalho de cuidado, para os outros e para os seus, que faz com que a vida cotidiana dessas mulheres se transforme num constante cuidar. Tal atividade pesa de forma diferente entre as classes sociais, já que aquelas com maior poder aquisitivo têm condições de terceirizar esse serviço.

Não há solução fácil para colocar a economia do cuidado no patamar de potencial que ela tem, mas é preciso garantir que essa seja uma escolha do país. E nisso já estamos chegando com atraso. Uruguai, Costa Rica, Colômbia e Chile, por exemplo, têm investido em políticas de valorização e regulação do trabalho remunerado de cuidado e ações integradas para ampliar o suporte às famílias. Lembremos também o exemplo de Portugal, cujo Parlamento legislou pioneiramente sobre os direitos das cuidadoras familiares não remuneradas.

Temos hoje no Brasil uma oportunidade valiosa a partir da institucionalização do debate em torno de uma Política Nacional de Cuidados, capitaneado pela Secretaria Nacional de Cuidado e Família. Urge ir adiante no esforço de conceber e adotar ações intersetoriais para avançar na garantia do direito ao cuidado e ao trabalho decente nessa área.

Há muito a ser feito: desenvolver formações adequadas, garantir direitos, regularizar as múltiplas formas dessa atividade, seja nos domicílios ou nas instituições. Urge tirar da penumbra da invisibilidade as cuidadoras familiares não remuneradas e as que garantem o cuidado comunitário, tão relevante em nossos países.

Reconhecer e valorizar a economia do cuidado é, portanto, mais que uma necessidade econômica; é um desafio de justiça social. Há uma oportunidade latente de reconhecermos e retribuirmos dignamente uma potente atividade que assegura não só o bem-estar dentro dos lares, mas que sustenta a nossa sociedade. Negar essa realidade é manter em operação uma lógica de reprodução insustentável e autodestrutiva.

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