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Carlos Eduardo dos Santos Ferreira e Gustavo Aguiar Campana

Testar, testar e testar; como e quando?

Exame correto é aquele realizado no paciente certo, no momento certo

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Carlos Eduardo dos Santos Ferreira Gustavo Aguiar Campana

A fala do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde) ganhou notoriedade mundialmente: “Nós temos uma mensagem simples para os países: testar, testar, testar. Teste todo caso suspeito.”

Sabemos do imenso benefício de realizar o maior número de testes possíveis durante uma pandemia, mas é importante ressaltar: quem deve ser testado e qual o melhor teste para os diferentes momentos da evolução de uma pandemia? A recomendação de Tedros Ghebreyesus não deve ser usada como desculpa para que a aplicação dos testes não siga as recomendações técnicas.

Os exames laboratoriais devem ser utilizados em dois principais pilares; o diagnóstico de Covid-19 nos pacientes com sintomas de síndrome gripal e a avaliação da imunidade adquirida. São momentos diferentes durante a pandemia e que utilizam ferramentas também distintas.

Kits de testes para o coronavírus em Woodbridge, Virgínia, nos EUA
Kits de testes para o coronavírus em Woodbridge, Virgínia, nos EUA - Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

No primeiro pilar, temos os pacientes sintomáticos, em quais temos o objetivo de realizar o diagnóstico de Covid-19. No início dos sintomas, entre o 1º e o 14º dia, devemos fazer uso de um exame, definido como padrão ouro e que tem o aval de sociedades científicas como a AMB (Associação Médica Brasileira) e a SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial), para identificação de material genético (RNA) do vírus Sars-Cov-2 em amostras respiratórias, denominado RT-PCR (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa).

Essa tecnologia requer laboratórios especializados, e enfrenta hoje uma escassez de equipamentos e insumos globalmente, por uma grande corrida de todos os países para a aquisição dos mesmos tipos de produtos e pelas dificuldades logísticas hoje enfrentadas. Com isso, a sua indicação tem sido priorizada para o diagnóstico de pacientes sintomáticos em fase aguda da doença, especialmente aqueles com quadros mais graves e com critérios de internação, pois orientam a conduta médica.

Há um grande esforço do setor laboratorial no país, público e privado, no aumento da capacidade produtiva destes testes.

Ainda no primeiro pilar, o de diagnóstico de pacientes sintomáticos, mais recentemente o setor passou a disponibilizar uma nova ferramenta complementar para o uso dos testes moleculares: os denominados testes imunológicos, que podem ser feitos de forma automatizada em laboratórios ou pelos testes rápidos.

Esses testes são baseados na avaliação da resposta do organismo à infecção com a produção de anticorpos. Essa produção de anticorpos pelo organismo leva um determinado tempo e pode variar para cada indivíduo. Dessa forma, para que seja efetivo, a indicação do uso deste teste é sua realização após 7 a 10 dias do início dos sintomas, quando temos maior quantidade de anticorpos a ser detectada.

Antes disso, ocorre uma “janela imunológica” na qual ainda não há anticorpos suficientes, e a realização do teste desrespeitando esse período gera um resultado falso negativo na maioria das vezes, não excluindo a presença da doença. Por essa razão, reforçamos que os testes imunológicos não possuem acurácia suficiente para serem utilizados como triagem de quadros respiratórios, nos primeiros dias de sintomas, quanto à etiologia por Sars-CoV-2, mas apenas após 7 a 10 dias de sintomas.

Outra importante utilização dos testes imunológicos é para a gestão de afastamento de profissionais de saúde e de áreas essenciais, para garantir que não ocorra um apagão desta força de trabalho, uma importante ação para a garantia da assistência médica e da segurança pública, entre outras.

No segundo pilar, para a avaliação da imunidade adquirida, temos a oportunidade de realizar a avaliação da presença de anticorpos em pacientes já curados da doença, ou para entender qual o percentual da população teve contato com o Sars-Cov-2, como ferramenta de informação epidemiológica.

Ressaltamos que o momento ideal da pandemia para a realização desse tipo de abordagem é quando já tivermos uma maior proporção da população exposta ao vírus, o que ocorrerá mais a frente, no momento de decadência da curva de pacientes infectados por dia, para termos maior efetividade na vigilância epidemiológica e, também, na gestão de recursos.

Quando chegarmos ao momento ideal, certamente a maior parte da população será testada e saberá se teve contato ou não com esse novo coronavírus. Essas informações serão fundamentais para entendermos a epidemiologia, as necessidades de cobertura vacinal quando disponível, e o retorno seguro ao trabalho.

Qualquer exame laboratorial, assim como o RT-PCR e os testes imunológicos, devem ser feitos e avaliados por profissionais capacitados em Medicina Laboratorial, respeitando todo processo da fase pré-analítica (indicação, cadastro, coleta e transporte adequados), fase analítica (métodos, controles de qualidade, validações) e pós analítico (elaboração de laudo e interpretação).

Testar é importante desde que feito com critérios, respeitando a indicação médica e o período específico da doença ou da epidemia para cada teste e, também, a disponibilidade dos recursos no mercado.

Mas qual o exame laboratorial ideal? O exame correto é aquele realizado no paciente certo, no momento certo, da forma certa e com o resultado certo.

Carlos Eduardo dos Santos Ferreira é presidente da SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial), gerente médico do Departamento de Patologia Clínica do Laboratório Clínico – Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e coordenador médico do Setor de Imunoquímica do Laboratório Central do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo

Gustavo Aguiar Campana é vice-presidente da SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial) e diretor médico da Dasa

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