Descrição de chapéu Coronavírus

Ministério da Saúde corta R$ 12 milhões de recursos para diálise e trava tratamentos

Ao menos 3.000 pacientes aguardam na fila por uma vaga para tratamento

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São Paulo

O Ministério da Saúde cortou ao menos R$ 12 milhões dos recursos para diálise em março e abril. Com menos verba e mais demanda, clínicas conveniadas ao SUS, que dependem do repasse, não conseguem atender todos os pacientes e faltam equipamentos de proteção contra o coronavírus. Cerca de 3.000 pessoas aguardam na fila por uma vaga para realizar o tratamento.

O procedimento funciona como uma substituição artificial dos rins: o equipamento recebe o sangue do paciente por um acesso vascular, que é exposto à solução de diálise (dialisato) através de uma membrana semipermeável que retira o líquido e as toxinas em excesso e devolve o sangue limpo ao paciente. O setor funciona majoritariamente com clínicas financiadas pelo Sistema Único de Saúde.

O corte foi feito porque uma portaria do Ministério da Saúde, de 1º de abril, estabeleceu que durante 90 dias a transferência de recursos para os estabelecimentos de saúde seria feita com base na média dos gastos dos últimos 12 meses. Isso porque alguns hospitais passaram a gastar menos durante a pandemia, já que deixaram de fazer cirurgias eletivas, por exemplo.

Protesto, em 2016, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília (DF), contra a falta de vagas nos hospitais do país para tratamento de hemodiálise
Protesto, em 2016, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília (DF), contra a falta de vagas nos hospitais do país para tratamento de hemodiálise - Renato Costa/Folhapress

Não é o caso das clínicas de diálise. Algumas, ao contrário, chegaram a dobrar a capacidade de atendimento para dar conta da demanda. No Paraná, por exemplo, em apenas duas clínicas, os cortes já chegam a quase R$ 1 milhão. Em São Paulo, apenas três clínicas somam mais de R$ 300 mil de cortes.

Há quatro anos esses estabelecimentos já não tinham reajuste no valor da tabela do SUS. A situação se torna mais urgente porque o novo coronavírus pode causar comprometimento dos rins.

De acordo com a Sociedade Americana de Nefrologia, a estimativa é de que 20% a 40% dos pacientes internados —e, portanto, em estado grave— sofram com alguma alteração no órgão.

Parte dos pacientes que se recuperam da Covid-19 segue com insuficiência renal aguda ou crônica grave, quando a hemodiálise é necessária. No Brasil, são mais de 140 mil pacientes renais crônicos, além dos casos suspeitos ou de pessoas contaminadas com o novo coronavírus.

"As clínicas foram gravemente atingidas pela crise do coronavírus. Além do reajuste dos insumos e EPIs [equipamentos de proteção individual], foram feitas contratações para atender os pacientes com suspeição ou confirmação da doença, que precisam ficar isolados”, explica o presidente da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Marcos Alexandre Vieira.

Vieira reforça que a população dialítica, já considerada de alto risco e constituída em grande parte por pacientes diabéticos e com comorbidades, precisa manter o tratamento, que é feito três vezes por semana, durante cerca de quatro horas.

"São pessoas que não podem estar em isolamento na pandemia, porque precisam ir à clínica. Se não fizerem a hemodiálise, morrem. É uma questão de sobrevivência", diz Humberto Floriano Mendes, diretor da Fenapar (Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil).

De acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, só 8,75% dos municípios têm a tecnologia que "imita" a função dos rins. Além da parcela significativa de cidades sem aparelhos, há também uma má distribuição deles: quase metade (47,5%) das 29.849 máquinas está no Sudeste.

Um projeto de lei na Câmara dos Deputados propõe que o governo federal pague uma fatura extra mensal para custear o aumento dos custos dos insumos da diálise, no valor de R$ 257 milhões para o conjunto das clínicas que oferecem serviços para o SUS. O montante, que considera em torno de R$ 2.250 por paciente, faria frente aos custos dos quatro primeiros meses da pandemia —o período de 15 março de 2020 a 15 de julho de 2020.

Renata Carvalho, 41, faz hemodiálise e representa a Associação dos Renais Crônicos do Amazonas (Arcam). Ela conta que há pacientes de cidades menores que precisam buscar tratamento em Manaus, uma viagem de 4 horas, e que não têm máscaras para cumprir o procotolo de saúde —o item não foi fornecido a eles.

O estado, que enfrenta uma grave crise sanitária, tem apenas 273 máquinas de hemodiálise, sendo que 272 delas estão na capital.

"As clínicas já estavam superlotadas e não estavam preparadas. A contaminação foi muito rápida e perderam muitos pacientes. Um turno de médicos chegou a perder todos os sete pacientes. Hoje eu soube de mais três [vítimas da Covid-19]", conta.

Ela diz que precisou trocar o transporte público por uma van da prefeitura para ir à clínica. "Eu não facilito, passo álcool em gel, uso máscara sempre. Tenho muito medo. Manaus está em colapso e temos a imunidade muito baixa. Quando um paciente renal se contamina, as chances de volta da UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] são mínimas."

OUTRO LADO

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que busca garantir a assistência adequada aos pacientes que precisam continuar o tratamento com diálise e hemodiálise.

A pasta informa que, em abril, repassou R$ 37 milhões em recursos adicionais aos gestores estaduais e municipais para complementarem os custos pelo descarte de linhas de diálise e dialisadores após uso único em pessoas com suspeita ou confirmação da Covid-19.

Sobre a lei que diminuiu a verba para estabelecimentos de saúde, a pasta afirma que com a pandemia "os atendimentos poderiam ter alguma queda, o que impactaria no valor a ser recebido pelas instituições. Ou seja, a medida visa evitar perdas e garantir a continuidade do tratamento".

O ministério afirma ainda ter transferido R$ 5 bilhões para apoiar estados e municípios no enfrentamento à Covid-19 e diz que a verba pode ser repassada para cobrir o montante extrapolado de setores específicos que aumentaram os gastos, como as clínicas de diálise.​

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