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Michael Freitas Mohallem e Gregory Michener

O governo contra a transparência

Constituição deixa claro que a regra é a transparência e o sigilo, a exceção

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Michael Freitas Mohallem Gregory Michener

O governo Bolsonaro tem buscado —aberta e frontalmente— diminuir a transparência do governo federal. Foram muitas as iniciativas contra o direito de acessar informações públicas. A maior parte delas, até este momento, barrada pelo Judiciário ou pelo Legislativo.

Coube ao Legislativo revogar, ainda em 2019, o decreto do governo que expandia o número de agentes públicos com poderes para classificar informações como ultrassecretas, secretas ou reservadas. Nos últimos meses, as derrotas do governo na tentativa de limitar o acesso à informação partiram de decisões do Supremo. O Tribunal suspendeu o trecho da medida provisória 928/2020 que atrasava a resposta aos pedidos de acesso à informação nos órgãos cujos servidores estivessem em regime de teletrabalho.

O revés mais recente veio de decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes para que o governo reestabeleça a divulgação dos dados nacionais agregados sobre infectados, recuperados e mortos pela Covid-19. A decisão do ministro foi acompanhada de elevada pressão da sociedade, meios de comunicação e dos governadores dos estados.

Embora a decisão ainda dependa de confirmação, é provável que seja ratificada pelos demais ministros. A decisão de estabelecer o “apagão” de dados da Covid-19 colide com inúmeras proteções e regras estabelecidas pela Constituição e pela Lei de Acesso à Informação (LAI). São tantos os dispositivos e direitos contrariados pela medida que não surpreenderá se o governo recuar, uma vez mais, antes mesmo que o plenário do Supremo possa decidir sobre o caso.

O direito de conhecer os dados públicos parte com a força da própria Constituição, que assegura a todos o acesso à informação. No plano constitucional e na própria Lei de Acesso fica estabelecida a ideia matricial de que a regra é a transparência e o sigilo, a exceção.

Como apenas alguns tipos de informações públicas podem ser classificados como secretos, a LAI desempenha um papel importante no estabelecimento de quais dados e em que circunstâncias podem ser reservados.

Mas as hipóteses são extremas. A LAI permite o sigilo de dados apenas quando a medida for essencial à segurança da sociedade ou do Estado; por exemplo nos casos em que seja claro o risco à soberania do país ou mesmo quando a divulgação da informação coloque em risco a vida ou a saúde da população. Vivemos exatamente o contrário: a ocultação dos dados coloca a população em perigo.

Se é claro que as hipóteses de sigilo na lei não estão alinhadas com a decisão do governo, há ainda expressa proibição da supressão de acesso à informação necessária à proteção de direitos fundamentais. Como se sabe, as decisões de saúde pública e o controle da pandemia dependem fundamentalmente de informações confiáveis, completas e constantes.

A LAI cria duas macro obrigações para os órgãos públicos brasileiros: devem oferecer acesso permanente às informações de interesse público —informação primária, íntegra, autêntica e atualizada— em seus portais (transparência ativa) e também, quando isso não tiver acontecido de forma espontânea, conceder acesso às informações solicitadas por qualquer pessoa através de pedido específico (transparência passiva).

Quando essas regras não são observadas, o agente público em descumprimento da lei deve ser responsabilizado administrativamente ou responder por improbidade administrativa. No caso atual, o agente que tomou a decisão de retardar, esconder ou destruir deliberadamente informação ou a divulgou intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa, está sujeito à responsabilização.

Mas, e se o agente responsável pela decisão for o Presidente da República? Neste caso, a quebra da transparência pública pode servir de base a um processo de impeachment. A decisão de não divulgar os dados sobre a Covid-19 —se for uma decisão sua— enquadra-se na proibição de “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição” trazida pela lei de crimes de responsabilidade. O direito de acesso à informação está expresso na Constituição.

Como é flagrante o descumprimento da Constituição e da LAI, é de se esperar que o presidente reveja a decisão de ocultar os dados. Mas, ainda que positiva tal correção, o eventual recuo não suprirá a necessidade da devida responsabilização.

As ofensivas fracassadas contra a transparência já fornecem duas importantes evidências: primeiro, acesso à informação não é uma prioridade deste governo. Segundo, não é fácil suprimir a transparência pública no Brasil.

Michael Freitas Mohallem

Professor da FGV Direito Rio

Gregory Michener

Professor da FGV-Ebape e fundador do Programa de Transparência Pública

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