Estudo do Henry Ford Health System é insuficiente para provar eficácia da hidroxicloroquina

Site engana ao afirmar que pesquisa sobre o uso da droga no combate à Covid-19 é conclusiva

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São Paulo

Um texto publicado em 18 de julho, no site Pleno.News, distorce as informações de um estudo sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 ao afirmar que está comprovada a eficácia do medicamento.

A publicação, verificada pelo Comprova, cita um estudo do Henry Ford Health System, do começo de julho, que afirma que o tratamento com a droga reduziu significativamente a taxa de mortalidade em pacientes hospitalizados com Covid-19, sem causar efeitos colaterais ao coração. A própria conclusão do artigo, porém, ressalta que os resultados precisam ser confirmados por outros testes que permitam avaliar “rigorosamente” a eficácia do tratamento.

Além disso, especialistas entrevistados pelo Comprova apontam que o método e as conclusões tiradas pelos pesquisadores são precipitadas e muito frágeis.

Caixa de remédio azul, de hidroxicloroquina, sobre mesa branca
Caixa do medicamento hidroxicloroquina - Dirceu Portugal/Fotoarena/Agência O Globo

Carlos Orsi, diretor do Instituto Questão de Ciência, avalia que existem dois problemas nos argumentos apresentados pela pesquisa; um de caráter geral e outro específico do trabalho em questão. Segundo Orsi, trata-se de um estudo observacional, em que os autores apenas observaram os resultados dos pacientes, sem interferir ou controlar os tratamentos. “Estudos observacionais são logicamente incapazes de provar qualquer coisa. Eles apenas sugerem associações (no caso, entre hidroxicloroquina e menor mortalidade) que depois precisam ser validadas em estudos de intervenção, onde os tratamentos são devidamente controlados”, explica ele. Como o Comprova já explicou em outras verificações, o método científico mais confiável é o chamado de ensaio clínico randomizado controlado, em que um grupo de voluntários é recrutado e acompanhado pelos pesquisadores ao longo de vários meses. Nesse modelo, também é sorteado aleatoriamente quem receberá a medicação, para evitar que fatores externos, como idade e condição de saúde, interfiram no resultado.

Ainda de acordo com ele, uma das tabelas apresentadas no estudo informa que apenas 38% dos pacientes do grupo que não receberam hidroxicloroquina ou azitromicina tinham menos de 65 anos, enquanto a taxa de pacientes mais jovens medicados, nos outros grupos, era superior a 50%. “A comparação não é justa. É impossível atribuir o progressos dos pacientes que receberam hidroxicloroquina à medicação, já que eles eram mais jovens, estavam recebendo também outros remédios. Os autores do estudo tentam corrigir essas distorções aplicando técnicas estatísticas para estimar o peso relativo de cada fator (como a idade), mas estatísticas não fazem milagres”, avalia Orsi.

Segundo Estevão Urbano Silva, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, o fato de os pacientes analisados não terem apresentado efeitos colaterais relacionados à medicação não é definitivo. “Não dá para trazer essa conclusão para todos os outros pacientes e para as situações do dia a dia, porque é um estudo com metodologia científica inadequada”, aponta o médico.

Para o infectologista, no momento em que a ciência caminha para aperfeiçoar seus estudos sobre o novo coronavírus, é delicado e perigoso acreditar em apenas uma fonte de informação. “Temos que fazer uma avaliação sobre o tema. Tem estudos mais conclusivos falando contra o uso da cloroquina que não adiantou, então temos que nos firmar naqueles estudos que tiveram uma metodologia mais adequada, mais correta.”

Reportagem da emissora norte-americana CNN afirma que a pesquisa recebeu críticas da comunidade científica e cita que outros dois estudos de ampla divulgação foram interrompidos porque os resultados sugeriram que a hidroxicloroquina não trazia benefícios aos pacientes.

Apesar do entusiasmo que acompanhou a publicação da pesquisa, e da ênfase do site Pleno.News sobre a comprovação dos benefícios, os próprios pesquisadores destacaram na conclusão do artigo que “os resultados devem ser interpretados com cautela e o tratamento não deve ser aplicado em pacientes fora do ambiente hospitalar. Os resultados também requerem confirmação através de testes randomizados que permitam avaliar rigorosamente a segurança e a eficácia do tratamento com hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com a Covid-19”.

O texto foi verificado porque o Projeto Comprova investiga conteúdos sobre a Covid-19 que tenham grande alcance em redes sociais e grupos de mensagem. A checagem de fatos durante a pandemia adquiriu uma importância ainda maior, uma vez que a desinformação afeta diretamente a saúde das pessoas. Nesse caso, a relevância da verificação justifica-se pelo fato de envolver um tratamento que, além de não possuir eficácia cientificamente comprovada, pode ocasionar efeitos colaterais graves aos pacientes que a ele são submetidos.

Além disso, no Brasil, o medicamento vem sendo apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como uma possível cura para a doença. Após afirmar ter sido diagnosticado com a doença no início de julho, o presidente disse estar tomando o remédio e defende o uso para pacientes com sintomas leves.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 22 de julho de 2020.

A investigação desse conteúdo foi feita por Nexo, Estadão e BandNews e publicada na quinta-feira (23) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, UOL, SBT e Jornal do Commercio.

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