Máscara é eficiente contra o coronavírus, ao contrário do que diz influenciador

Rodrigo Polesso também tenta relativizar a gravidade da pandemia em vídeo

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São Paulo

É falso que o uso de máscaras, sejam elas caseiras ou profissionais, não ajude a diminuir a transmissão do novo coronavírus. Em vídeo publicado no Instagram e verificado pelo Comprova, o influenciador e escritor Rodrigo Polesso afirma que a peça de proteção não teria eficácia porque as partículas de saliva expelidas por pessoas infectadas seriam menores do que os poros das máscaras.

Ele diz que a transmissão do Sars-CoV-2, o novo coronavírus, se dá por meio de aerossóis —que são partículas com tamanho menor que 5 micrômetros (μm). Porém, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a principal forma de transmissão do vírus é por meio de gotículas de saliva, maiores que 5 μm.

Mesmo assim, independentemente do tamanho das partículas, o processo de filtragem das máscaras não depende unicamente do tamanho dos poros –existem vários processos físicos envolvidos. Partículas maiores, de pelo menos 1 μm, viajam em linha reta e, mesmo que passem pelos poros, irão se chocar com as fibras das máscaras, que possuem várias camadas. Partículas menores que 1 μm estão sujeitas ao movimento browniano –princípio físico que faz com que a trajetória das partículas seja aleatória e não em linha reta–, responsável por fazer com que elas se choquem com as fibras das máscaras. Por fim, partículas ainda menores são atraídas por campos eletrostáticos presentes nos materiais das máscaras. Por isso, é importante que elas tenham, pelo menos, três camadas e sejam feitas com diferentes materiais –a recomendação é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O vídeo engana também ao tentar relativizar a gravidade da pandemia afirmando que o Sars-CoV-2 está sendo estudado desde, pelo menos, 2015 e que todo ano o planeta enfrenta pandemias do vírus influenza e de outros coronavírus.

Homem mostra máscara azul ao gravar vídeo em frente a computador
Imagem do vídeo de Rodrigo Polesso - Rodrigo Polesso no Instagram

Procurado pelo Comprova, Polesso afirmou que seu vídeo se baseia em evidências e não em sua opinião sobre o assunto. Segundo ele, o fato de a “OMS dizer algo não significa que este algo é verdadeiro ou baseado em evidências”, o que é falso. O trabalho da organização é baseado em expertise técnica e científica, referência para pesquisadores de todo o mundo. O órgão conta, inclusive, com uma Divisão Científica para subsidiar as normas elaboradas pela organização e que produz pesquisa na área da saúde pública .

A OMS possui alto caráter técnico-científico, diferentemente de outras organizações internacionais, que têm, principalmente, a participação de diplomatas. Na Constituição da OMS —capítulo 5, artigo 11—, é explicitado que as delegações na Assembleia Mundial da Saúde, o órgão máximo de deliberação da organização, devem ser escolhidas entre as personalidades mais qualificadas pela sua competência técnica no domínio da saúde.

Quem é Rodrigo Polesso?

Rodrigo Polesso se apresenta no Instagram como “especialista em ciência nutricional” e “autor bestseller”. Ele tem 245 mil seguidores no Instagram e 1,37 milhões de inscritos em seu canal no YouTube. Em seu Facebook, diz que estudou Ciências da Computação na UFPR (Universidade Federal do Paraná) –o que foi confirmado pela instituição, por e-mail– e também afirma, na biografia, que estudou nutrition (nutrição, em português) na Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.

Porém, na mesma rede social, exibe um certificado do curso “Nutrition for Optimal Health and Wellness” (Nutrição para Saúde Ideal e Bem-estar, em português). O curso é on-line, tem duração de cinco meses e não exige formação prévia na área de nutrição ou saúde. O CFN (Conselho Federal de Nutricionistas) afirmou, por e-mail, que não existe nenhum registro de Polesso no órgão. Ainda disseram que “a formação em Nutrição é ampla e tem duração de cinco anos” e que “para se tornar nutricionista é preciso ter um registro profissional no respectivo conselho regional”, caso contrário “o indivíduo estará exercendo a profissão de forma irregular, passível de sanções no âmbito civil e até criminal”.

Em seu perfil no Facebook, Polesso ainda exibe o endereço de quatro sites distintos, que oferecem cursos variados: como gerar renda na internet, como fotografar e como emagrecer. Ao acessar as plataformas, é possível ver o nome de Polesso como fundador de todos eles. Todos são cursos on-line e pagos.

Em um dos sites relacionados à nutrição e dieta, o Tribo da Forte, Polesso adicionou uma nota evitando o termo “nutricionista” e afirmando que ele “enquanto especialista certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar pela San Diego State University [Universidade Estadual de San Diego], na Califórnia, é um expert por mérito próprio, tendo construído seu conhecimento na área de nutrição através de suas próprias pesquisas ao redor do mundo, não sendo formado em nutrição nem em qualquer outra área da saúde. Todos os conhecimentos, dicas e métodos compartilhados são de propósito meramente educacional. Nenhuma informação desta página ou do portal Tribo Forte substitui uma consulta com seu médico ou nutricionista. Jamais faça nenhuma mudança na sua alimentação ou estilo de vida alimentar sem antes consultar seu médico ou profissional de saúde. É só ele quem poderá avaliar de perto a sua situação atual e decidir se você está apto ou não á essas alterações”.

Procurada por e-mail para comentar sobre o curso, a Universidade Estadual de San Diego não retornou os contatos do Comprova. Polesso também afirma ter estudado administração na Fundação Getulio Vargas. Por e-mail, a instituição afirmou que os funcionários “estão trabalhando remotamente, por isso, não será possível a checagem solicitada”.

Procurado por e-mail, Polesso afirmou que por possui formação na área de ciências e exatas teria “grande poder analítico e crítico livre de ideologia para análise de evidência científicos e falácias lógicas em argumento”. Também disse que hoje em dia as pessoas têm acesso às “mesmas evidências que órgãos oficiais têm acesso” e que se estes “têm uma mensagem avessa as evidências, eles são passíveis de serem questionados”.

Questionado sobre não ter uma formação na área da saúde, disse que o trabalho se resume “em informar e educar as pessoas sempre baseado em evidências e nunca em minhas opiniões” e afirmou que não prescreve e não consulta e que, por isso, “a questão de formação acadêmica é totalmente irrelevante neste cenário”. Ele voltou a reforçar que possui um certificado em nutrição otimizada para saúde e bem-estar na Universidade Estadual de San Diego, mas disse que o curso o decepcionou. Afirmou, ainda, que tem duas graduações em universidade federais, uma pós-graduação na Fundação Getulio Vargas e outra pós-graduação na Universidade da Califórnia Berkeley. “Nenhuma delas na área de nutrição ou da saúde. Meu conhecimento na área de emagrecimento e ciência nutricional vem das minhas próprias pesquisas baseadas em evidências ao longo dos últimos dez anos ao redor do mundo, coisa que toda e qualquer pessoa pode fazer independente de formação acadêmica na área”, afirmou.

Verificação

O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado na Internet. Quando esses conteúdos tratam da pandemia do novo coronavírus, a checagem é ainda mais relevante, já que pode colocar a saúde das pessoas em risco. É o caso do vídeo em questão, que pode induzir as pessoas a não utilizarem máscara, recurso recomendado por médicos e pelas autoridades de saúde para funcionar como uma barreira física contra a transmissão da Covid-19.

Falso, para o Comprova, é um conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A investigação desse conteúdo foi feita por Nexo, Piauí, Estadão e Jornal do Commercio e publicada no sábado (18) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por UOL, O Povo, SBT e BandNews.

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