Estudo da Lancet não levou estados e municípios a deixarem de receitar cloroquina

Médico faz afirmações falsas em vídeo que viralizou nas redes

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São Paulo

São falsas as afirmações feitas pelo médico Wagner Malheiros em um vídeo postado no Facebook e republicado no YouTube em que ele atrela um estudo publicado pela revista científica The Lancet a mortes pela Covid-19. No vídeo, Malheiros destaca a publicação do fim de maio que, 11 dias depois, foi removida, para defender o uso da cloroquina no tratamento da doença. O médico argumenta que governos deixaram de receitar a droga por causa desse texto e isso teria causado mortes. Não há nenhuma comprovação de que governos estaduais ou prefeituras, no Brasil, tenham restringido o uso de cloroquina durante esse período. Além disso, não existe comprovação científica de que a cloroquina tenha eficácia contra o novo coronavírus.

No vídeo, verificado pelo Comprova, Malheiros também cita um estudo publicado no início de julho pela instituição norte-americana Henry Ford Health System para defender a cloroquina. A pesquisa, como o Comprova já mostrou, é insuficiente para provar a eficácia da droga.

Malheiros ainda acusa a Sociedade Brasileira de Infectologia de ter relações com o PT. A afirmação também não é verdadeira.

Médico com estetoscópio no pescoço fala em vídeo; é o médico Wagner Malheiros, no vídeo em que faz afirmações falsas
O médico Wagner Malheiros, no vídeo em que faz afirmações falsas - No Facebook

Estudo

A Lancet é uma renomada revista científica. No dia 22 de maio, uma publicação feita nela dizia que um estudo com 96 mil pacientes apontou que a hidroxicloroquina e a cloroquina não apresentavam benefícios no tratamento do novo coronavírus. O texto ainda alertava para um risco maior de morte e piora cardíaca durante a hospitalização.

Onze dias depois da divulgação, a própria Lancet manifestou preocupações em relação ao estudo. A publicação informou que “importantes questões científicas foram levantadas sobre os dados relatados” e faria uma auditoria independente dos dados.

No dia seguinte, a Lancet publicou uma nota de retratação dos autores do estudo. Eles diziam não poder mais garantir a veracidade dos dados usados para fundamentar a pesquisa.

Na nota, os responsáveis pelos estudos afirmaram que nem todos os autores tiveram acesso aos dados brutos envolvidos na pesquisa. Por causa disso, não poderiam validar as principais fontes que compuseram o artigo.

Os dados analisados pertenciam à Surgisphere, empresa de um dos autores. Ela, porém, não liberou as informações completas para uma auditoria independente afirmando que violaria o acordo de confidencialidade feito com os clientes.

Ao contrário do que afirma o vídeo verificado, o pedido de desculpas não se trata de uma novidade. Todo o processo de retração ocorreu no início de junho, há mais de dois meses, portanto.

O estudo publicado pela Lancet fez com que a OMS (Organização Mundial da Saúde) suspendesse os estudos com as drogas, mas as pesquisas foram retomadas assim que a retratação da revista foi divulgada.

Em 17 de junho, a OMS anunciou que estava encerrando definitivamente os estudos com a cloroquina e a hidroxicloroquina. Desta vez, a decisão foi baseada nos resultados obtidos pelas pesquisas Recovery, do Reino Unido, e Solidariedade, que englobou 3,5 mil pacientes em 35 países.

No vídeo, Malheiros ainda cita um editorial feito pela Lancet com críticas a Jair Bolsonaro. O texto, publicado em 9 de maio, apontava o presidente como a maior ameaça à luta contra a Covid-19 no Brasil. Na época, o país somava pouco mais de 9 mil mortes pela doença, e Bolsonaro foi criticado por responder um questionamento sobre o aumento de casos dizendo: “E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?”.

Verificação

A terceira fase do Comprova investiga conteúdos relacionados às políticas públicas e à pandemia do novo coronavírus. No caso da Covid-19, mentiras e boatos que se espalham pelas redes sociais são ainda mais perigosos porque podem custar vidas.

A publicação feita por Malheiros no YouTube atingiu mais de 77 mil pessoas até o dia 17 de agosto. O mesmo vídeo teve mais de 14 mil compartilhamentos no Facebook.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis em 17 de agosto de 2020.

A investigação desse conteúdo foi feita por UOL e Jornal do Commercio e publicada na segunda-feira (17) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, GaúchaZH, BandNews e Piauí.

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