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Mesmo sem eficácia, polivitamínico tem procura maior na pandemia e some das farmácias

Complexos têm sido procurados como tratamento preventivo, mas estudos apontam que não só não funcionam como não são indicados em caso de Covid-19

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São Paulo

Usados por quem busca “aumentar a imunidade” ingerindo doses a mais de vitaminas ou até receitados por médicos como parte da prevenção ou do tratamento em casos de Covid-19, os complexos vitamínicos sumiram das prateleiras, dos sites e das farmácias.

No entanto, como as melhores evidências científicas mostram, vitaminas só são benéficas em casos específicos, como gravidez, problemas intestinais e deficiência de nutrientes, e nenhum estudo científico até hoje realizado foi capaz de demonstrar qualquer benefício das vitaminas em prevenir doenças em pessoas bem nutridas.

Também não há evidências de que vitaminas funcionem especificamente para a Covid-19, que não tem prevenção além das medidas de distanciamento social e do uso de máscara nem tratamento precoce.

Ainda assim, desde o fim do ano passado, com a alta de casos e óbitos da doença, multivitamínicos como o Centrum ficaram cada vez mais raros de serem encontrados. Nos sites de grandes redes farmacêuticas só estão disponíveis versões mais segmentadas, como para mulheres ou homens com mais de 50 anos, além de gomas mastigáveis.

A Folha entrou em contato com 20 farmácias da Grande São Paulo desde o último dia 20 e nenhuma delas tinha a versão mais completa do Centrum.

Segundo funcionários, desde o ano passado houve um aumento na venda de vitaminas em geral, por causa da pandemia, mas a busca pelo produto disparou desde o fim de novembro. Os compradores são, em sua maioria, pacientes com Covid-19 que foram orientados pelos médicos a tomar a vitamina para acelerar a recuperação do olfato e do paladar perdidos —sintoma bem característico de quem tem a doença.

Não há evidências na literatura científica que indiquem benefícios da suplementação de vitamina D contra o coronavírus
Não há evidências na literatura científica que indiquem benefícios da suplementação de vitaminas contra o coronavírus - Wentao Li/Freepik

O arquiteto paulistano Felipe Faria, 32, foi um desses. Ele foi contaminado pela Covid-19 no fim de dezembro e, ao passar pelo pronto-socorro, o médico o orientou a tomar anti-inflamatório por sete dias, além de fazer uso de Centrum por dois meses.

“Ele disse que ia dar uma boa ajuda para voltar o paladar e o olfato, além de aumentar a minha imunidade, que poderia estar baixa com a doença. Rodei várias farmácias e só consegui comprar pela internet, em uma farmácia do Rio de Janeiro”, conta Faria.

Já o vendedor Fabrício Rodrigues, 26, de Santo André (ABC), que teve Covid-19 no início do ano, começou a tomar Centrum depois que um amigo, também contaminado pelo coronavírus, recebeu prescrição médica para fazer uso da vitamina. “Mal não vai fazer, né”, diz.

O otorrinolaringologista Gilberto Pizarro, do Ambulatório do Olfato do Hospital Paulista, explica que a indicação da vitamina para tratar casos de perda de olfato deve ser feita em casos específicos e aliada a outras medicações.

“Em 80% dos casos, a perda de olfato e paladar é revertida após os primeiros 10, 15 dias da doença. Então, tomar esses multivitamínicos no início da doença acaba não fazendo diferença alguma.”

Passado esse período, orienta Pizarro, se o paciente ainda não recuperou o olfato, ele deve procurar um otorrino para indicar o tratamento mais adequado —que vai incluir uso de corticoides, vasodilatadores, lavagem nasal de alto fluxo e suplementação de vitamina B12 e zinco.

A perda de olfato mostra que o nervo olfatório foi lesionado em razão da inflamação das vias respiratórias causada por Covid-19. Assim, explica o médico, é necessário fazer uso de corticoide para cessar a inflamação, aliado a lavagem das narinas com soro fisiológico, para limpeza da parte superior do nariz, onde fica o nervo lesionado.

“A gente dobra a ingestão de zinco e vitamina B12 durante o tratamento para ajudar na recuperação das estruturas lesionadas. A vitamina B12 entra na formação da capa do nervo olfatório e o zinco, na recuperação do axônio, o fio do nervo”, detalha o otorrino.

O médico, que antes atendia no ambulatório somente profissionais que necessitavam do olfato apurado, como enólogos e chefs de cozinha, conta que desde o ano passado o local trabalha quase que exclusivamente com pacientes com sequelas de Covid-19.

“Ainda não chegamos a publicar nossos estudos, mas cerca de 4% dos pacientes não recuperam o olfato e outros 15% têm alterações, com sentir um cheiro diferente do que realmente é, mesmo após seis meses de tratamento. Ainda estamos aprendendo a extensão dos danos causados pela Covid, por isso é muito importante buscar um especialista caso a perda de olfato permaneça”, alerta.

O infectologista Renato Grinbaum reforça que nenhum estudo até hoje provou que qualquer tipo de vitamina aumente a proteção contra o vírus. Ele ainda diz que o Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA emitiu um alerta contraindicando o uso de polivitamínicos no tratamento de pacientes com Covid-19.

“As pessoas querem ter a sensação de que estão fazendo algo para se proteger. Aí tomam medicamentos sem qualquer eficácia. E para atender a essa vontade dos pacientes, há médicos prescrevendo medicamentos sem comprovação alguma. Tudo isso, do ponto de vista infectológico, não tem nenhum benefício”, diz. “A nossa opção hoje é manter o uso de máscara e as medidas de higiene e tomar a vacina."

Desde junho do ano passado, a atendente de telemarketing Regiane Oliveira, 22, tem tomado Centrum com objetivo de melhorar a imunidade e “evitar a contaminação pelo coronavírus”.

“O meu pote já está acabando e não consigo comprar mais, porque está em falta em todos os lugares”, reclama.

A GSK Consumer Healthcare (CH) Brasil, fabricante do Centrum, informou, por meio de nota, que em razão da alta demanda, algumas versões da vitamina têm intermitência no abastecimento.

"Em 2020, por conta de uma maior conscientização das práticas de autocuidado e da importância das vitaminas e minerais para apoiar a imunidade por parte da população em geral, houve sim um aquecimento dentro da categoria de multivitamínicos", diz trecho da nota.

A farmacêutica ainda afirma que tem trabalhado no reabastecimento dos locais de venda para "que nossos consumidores possam consumir os produtos que mais se adequam ao seu estilo e momento de vida".

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