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Falta de oxigênio matou pacientes também no litoral norte de SP, dizem funcionários de hospital

Profissionais afirmam que rede não dá conta da demanda e denunciam presença de ratos e larvas; Prefeitura de São Sebastião nega mortes por falta de oxigênio

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São Paulo

Profissionais da área da saúde relatam mortes por sufocamento e falta de oxigênio em São Sebastião, cidade do litoral norte de São Paulo.

A reportagem da Folha conversou com pessoas que trabalham no Hospital de Clínicas da cidade, que narraram uma situação similar à do sistema de saúde de Manaus (AM). Na capital amazonense, hospitais se tornaram câmaras de asfixia devido à escassez de oxigênio.

De acordo com os relatos ouvidos pela reportagem, a falta de estrutura no hospital levou à morte de ao menos duas pessoas com Covid-19 em dezembro, na UTI. Os nomes obtidos pela reportagem e as datas de suas mortes foram enviados à Prefeitura de São Sebastião, que afirmou que não expõe "publicamente casos de óbitos na mídia sem autorização da família".

A prefeitura nega que tenham ocorrido mortes por falta de oxigênio hospitalar e afirma que, até o momento e desde o início da pandemia, não há qualquer registro de pacientes que tenham sido prejudicados por falta de oxigenação.

São Sebastião foi um dos municípios litorâneos que não respeitaram o Plano São Paulo nos dias em que vigoraram a fase vermelha, com fechamento de bares e restaurantes. A cidade tem praias badaladas de SP, como Maresias, Camburi e Barra do Sahy.

No hospital da cidade, há relatos de que não há médicos suficientes para fechar a escala do hospital e de que estão sendo usados ventiladores pulmonares só com torpedo (tubo de oxigênio) porque a rede de oxigênio não daria conta da demanda.

Fachada do Hospital de Clínicas de São Sebastião
Fachada do Hospital de Clínicas de São Sebastião - Jorge Mesquita/Divulgação da Prefeitura

No ano passado, esses torpedos deixaram de comprados e começaram a ser enchidos em uma usina do próprio hospital, segundo os relatos, com um nível de aproveitamento pior.

Uma pessoa que trabalha no hospital afirmou que em novembro, quando havia quatro pacientes intubados e precisando de ventilação mecânica, a rede já não estava dando conta. Com a falha no torpedo, dois pacientes morreram por falta de oxigênio, afirmou.

Após o episódio, os tubos de oxigênio voltaram a ser comprados, embora com racionamento, e se esgotam com frequência, dizem os entrevistados pela Folha. Porém, devido à falta de estrutura na rede de oxigênio do hospital, os pacientes têm de ficar constantemente ligados nos torpedos, o que envolve riscos, dizem os profissionais.

Segundo eles, há um risco toda vez que é preciso trocar o oxigênio da rede pelo do tubo. Um dos funcionários explicou que o torpedo normalmente é utilizado para transporte de paciente ou em um posto adaptado, como em um hospital de campanha, mas não em uma UTI.

Segundo as informações repassadas à reportagem, embora oficialmente haja 20 respiradores, apenas dez ficam dentro da unidade. Os outros são levados a outras unidades após fiscalizações, afirmam.

Os funcionários relatam uma série de problemas de estrutura e nas condições do serviço. Eles enviaram à reportagem fotos que mostram um rato e larvas dentro da unidade.

A situação também é ruim no Hospital da Costa Sul, em Boiçucanga, dizem. A unidade atende muitos turistas e, devido à demora, há relatos de agressividade por parte de pacientes, gerando uma situação de medo entre os funcionários.

Os funcionários estão elaborando uma nota aberta para tratar dos assuntos.

OUTRO LADO

Em nota, a Prefeitura de São Sebastião, gerida por Felipe Augusto (PSDB), afirmou que não há registro de pacientes prejudicados por falta de oxigenação no hospital gerido pelo município e que possui estrutura para atender pacientes mesmo em caso de panes.

De acordo com a nota , há 20 respiradores na UTI. "Além disso, o HCSS possui duas usinas de oxigênio próprias, além de uma terceira na unidade hospitalar de Boiçucanga, na costa sul do município. Ainda há a oferta de dois sistemas de backup, para que nenhum paciente possa ter seu tratamento prejudicado por falta de oxigenação", diz o comunicado.

A cidade afirma que o sistema de oxigenação "assegura até cinco dias de oxigênio em caso de pane absoluta em todos os demais sistemas".

Sobre a questão de larvas e ratos, a prefeitura afirmou que o hospital passa por dedetizações periódicas. "Inclusive nessa terça-feira (12), houve vistoria da Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo na UTI do Hospital de Clínicas, na qual tivemos elogios quanto à estrutura atual e todos os requisitos atendidos."

A respeito da demora no hospital, a prefeitura afirma que "isso ocorre em razão da dificuldade de preencher o quadro de médicos em escala, a considerar ainda o número populacional na região sul da cidade que praticamente triplica durante a alta temporada".

"Não somente na estrutura hospitalar, o governo municipal tem se empenhado também para sanar todas as dificuldades diante de uma escassez de médicos no mercado de trabalho em diversos estados e regiões do país", diz a nota.

Também afirmou que "jamais houve superlotação no sistema municipal de saúde, resultado de todas as ações de combate ao novo coronavírus realizadas pela prefeitura".

A prefeitura afirma que não há registro de casos de agressão no hospital de Boiçucanga, que tem uma base da Guarda Civil Municipal.

O governo estadual, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Governo do Estado de São Paulo, afirma que é de responsabilidade dos municípios o abastecimento e o gerenciamento local das demandas quanto a insumos.

"Mesmo sendo esta uma atribuição local, o Governo do Estado, uma vez acionado, não deixa, em hipótese alguma, o município desassistido. Ocorre que, em nenhum momento, São Sebastião solicitou apoio à esfera estadual quanto ao tema", disse em nota.

"Vale destacar, inclusive, que uma equipe da Diretoria Regional de Saúde (DRS) e da Vigilância Sanitária Estadual estiveram no hospital citado pelo reportagem, em visita técnica. Na oportunidade, não foi compartilhada nenhuma queixa relacionada à ausência de oxigênio nem identificados problemas na assistência, que conta com leitos de enfermaria e com Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para coronavírus. Na ocasião, foram apresentados documentos de controle de insetos, verificada a situação de limpeza regular, e a obediência a todas às normas sanitárias vigentes, inclusive com a existência de uma Comissão de Controle de Infecção atuante", disse em nota.

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