Descrição de chapéu Coronavírus

Em anúncio confuso, Doria aumenta a fiscalização de aglomerações em SP

Chamada de toque de restrição, ação contará com blitze das 23h às 5h e começa a valer na próxima sexta (26)

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São Paulo

O governo de São Paulo declarou que o estado estará sob uma medida chamada toque de restrição, que começa a valer na próxima sexta (26) e vale até 14 de março, buscando coibir aglomerações das 23h às 5h.

Em uma confusa entrevista coletiva, autoridades paulistas tentaram explicar o neologismo, a começar pelo governador João Doria (PSDB).

Com Doria ao centro, autoridades paulistas falam sobre o endurecimento da fiscalização em entrevista no Palácio dos Bandeirantes
Com Doria ao centro, autoridades paulistas falam sobre o endurecimento da fiscalização em entrevista no Palácio dos Bandeirantes - Governo do Estado de São Paulo

Sua declaração inicial, que anunciava restrição de circulação, o slide de Power Point divulgado no Palácio dos Bandeirantes e falas de autoridades como a secretária Patrícia Ellen (Desenvolvimento Econômico) a respeito de coibir a infração das regras indicaram que haveria a medida.

Ellen falou em "autuações" contra pessoas que ferissem as diretrizes do Plano SP, o programa de restrição de atividades econômicas que pinta de verde a vermelho áreas do estado, orientando medidas contra a propagação do novo coronavírus.

O problema do estado é concreto. Nesta semana, foi batido o recorde de internações em UTIs devido à Covid-19 desde o começo da pandemia, em fevereiro do ano passado.

Picos da doença, que especialistas estão associando à maior circulação de variantes mais transmissíveis do novo coronavírus, assustaram autoridades em regiões como as de Araraquara e de Jaú, com decretação de lockdowns —a proibição efetiva de circulação sem justificativa.

Ao longo da entrevista coletiva, não sem antes o tucano pedir para que veículos de comunicações, inclusive a Folha, corrigissem as definições das medidas apresentadas, o cenário aclarou-se um pouco.

Na prática, a reação paulista muda pouco em relação ao que já existe. Ela determina fiscalização, pela Polícia Militar, Vigilância Sanitária e pelo Procon, para coibir aglomerações "de grande porte", talvez cem pessoas, segundo Doria.

"Não vamos multar indivíduos em festas", disse o tucano já ao fim da entrevista, "e sim adverti-los". Até ali, as falas todas indicavam que poderia haver sim multas a pessoas.

Segundo Ellen, a questão é um reforço na implementação de medidas do Plano SP —que já veta o funcionamento de bares e restaurantes, por exemplo, após as 22h mesmo na sua fase mais branda, a amarela (em que a capital está agora).

"Estamos pedindo a colaboração da população", disse a secretária. Não haverá também nenhum óbice à circulação em si pelas ruas, até porque muitos se deslocam indo e vindo do trabalho em horários noturnos.

O foco mesmo são bares e festas irregulares, que aglomeram pessoas.

Segundo o Centro de Contingenciamento da Covid-19, comitê de 20 especialistas e autoridades que aconselha Doria, é à noite que o risco de contaminação sobe —muito por culpa do consumo de álcool, que levaria ao menor uso de máscaras e da prática de distanciamento.

Críticos da ideia apontam para o fato de que pessoas se aglomeram durante o dia também, e que apenas festas irregulares juntam público à noite.

As multas, disse Doria, caberão aos promotores dos eventos, como donos de bares e restaurantes, mas supõe-se também que donos de locais em que haja festas clandestinas.

Com a reverberação na mídia e nas redes sociais em pleno decorrer da entrevista, os membros do governo tiveram de dizer que não havia nem toque de recolher, nem lockdown sendo anunciados. Apenas as medidas de eficácia limitada.

A confusão refletiu a falta de consenso interno no governo acerca do manejo desta etapa da crise sanitária, que assiste à emergência das variantes mais transmissíveis do vírus e o começo ainda tímido da campanha de vacinação.

Em reunião na terça (23), o debate incluiu a possibilidade de haver um lockdown estendido pelo estado, inclusive durante o dia. A posição mais dura era minoritária, de todo modo.

No começo da noite, quando o tema foi debatido em novo encontro, agora no Palácio dos Bandeirantes, a divisão ficou mais patente.

​Houve questionamentos sobre o quão aplicável tal medida radical seria em nível estadual —virtualmente impossível num espaço fluido como a Grande São Paulo, onde circulam talvez 50 milhões de pessoas, 12 milhões delas habitantes da capital.

Outro ponto é político. Há grande pressão de setores econômicos contra as medidas de restrição de funcionamento de comércio, particularmente de lojas, restaurantes e bares, que tem voltado diversos prefeitos contra o governo Doria.

A medida pode acabar ineficaz do ponto de vista da saúde pública, porque não há nem condições objetivas (polícia suficiente) para forçar sua implementação de forma ampla, e desgastante politicamente.

No fim de janeiro, o tucano havia estabelecido a fase vermelha (mais restritiva), fechando bares e restaurantes às 20h, mas voltou atrás na semana seguinte, após pressão dos comerciantes.

Tudo isso foi levado a Doria às 11h desta quarta. Não havia consenso sobre o tudo o que deveria ser anunciado até o momento em que o governador estava iniciando sua entrevista coletiva, às 12h45. As autoridades demoraram bastante para detalhar o plano, o que alimentou a confusão online.

Membros da área política do governo paulista vêm se queixando, em reuniões internas, do tecnicismo associado ao Plano SP.

É uma queda de braço que acompanha a história do Centro de Contingência, criado em 26 de fevereiro do ano passado por Doria.

Por mais que o governador tucano diga seguir apenas a ciência nas decisões, é segredo de polichinelo o peso do impacto político e econômico delas.

Se dependesse só de alguns integrantes do centro, o estado teria feito lockdown generalizado já no fim do ano passado, ou ao menos ampliado mais o uso da fase vermelha do Plano SP.

O argumento mais recente em favor das restrições vem do exterior, Reino Unido e Israel à frente. Lá, lockdowns restritos derrubaram a taxa de infecção, mas estavam associados a campanhas agressivas de vacinação, algo de que o Brasil está bastante distante.

Nada disso muda a gravidade do quadro paulista. O comitê de controle da pandemia notou o aumento de 660 pacientes internados em leitos de UTI nos últimos 10 dias. Da semana passada para a atual, a alta foi de 9,1%.

Segundo seu coordenador, Paulo Menezes, com essa projeção, a disponibilidade de vagas de UTI no estado poderia saturar em três semanas.

Na segunda (22), 69% dos leitos de UTI dedicados à Covid-19 no estado estavam ocupados, assim como 49% das vagas em enfermaria. Na Grande São Paulo, os índices subiam para 69,3% e 55,4%, respectivamente.

Já morreram no estado 58.199 pessoas, entre 1.990.554 infectados desde o começo da pandemia, há quase um ano.

O aumento de internações, de acordo com Menezes, pode estar ligado às aglomerações dos últimos dez dias, incluindo o Carnaval, mas também pode revelar a influência das novas variantes, principalmente a de origem amazônica, chamada de P1.

Segundo o secretário de estado da Saúde, Jean Gorinchteyn, há 39 casos identificados de pacientes com variantes do Sars-CoV-2 no estado, sendo 16 autóctones e 23 contaminados em São Paulo.

O secretário chamou atenção para o fato de a lotação das vagas na região metropolitana ter ultrapassado a média do interior —o que mostra o avanço da doença nesta área.

Gorinchteyn mais uma vez criticou a redução de verba repassada pelo governo federal para o custeio de leitos de UTI no estado. Ele afirmou que São Paulo tem deixado de receber R$ 210 milhões mensais para a operação de leitos intensivos para Covid-19.

O Ministério da Saúde já havia informado que esses recursos eram temporários e os repasses de verba para o enfrentamento da pandemia para o estado estão regulares.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmou erroneamente que a restrição à movimentação das 23h às 5h se tratava de um lockdown.

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