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Funcionários da Saúde de SP, incluindo jovens, têm prioridade em vacinação contra Covid

Dentre os 450 vacinados, há casos de pessoas em cargos administrativos; governo estadual diz não haver ilegalidade

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São Paulo

Pelo menos 450 funcionários públicos ligados à Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, muitos deles na faixa dos 20 a 30 anos, foram vacinados contra a Covid-19 a partir de 17 de fevereiro, passando na frente de grupos prioritários como idosos e profissionais de saúde.

Segundo listas de centenas de nomes obtidas pela Folha, a maioria dos servidores que furou a fila da vacinação trabalha em setores administrativos (muitos deles em home office), sem nenhum contato com o público ou exposição a hospitais e postos de saúde.

Profissionais na faixa dos 25 a 30 anos, das áreas financeira, de contratos, administrativa e planejamento receberam a primeira vacina contra a Covid-19 entre os dias 17 e 25 de fevereiro. Ao menos 70 funcionários ligados ao gabinete do secretário Jean Gorinchteyn e a assessorias foram vacinados em fevereiro.

Pouco mais de 40% das pessoas da lista nasceu no ano de 1970 em diante; muitos servidores são das décadas de 1980 e 1990 e até dos anos 2000.

Pessoas como D.M.D.S. (iniciais trocadas para proteger a privacidade do funcionário), de 39 anos, que trabalha no setor financeiro da secretaria; L.M., 26, do planejamento, M.C.L., 25, que dá expediente administrativo, foram vacinadas no fim de fevereiro.

Segundo a orientação da Secretaria Municipal de Saúde, profissionais que trabalham em diferentes divisões da pasta e que incluem tanto os que atuam na área da saúde como os do setores administrativos podiam se vacinar a partir de 17 de fevereiro.

A vacinação não infringiu as regras. No entanto, levou centenas de pessoas abaixo dos 40 anos, sem nenhuma exposição ao público ou áreas médicas, a serem vacinadas antes de grupos prioritários.

O esquema de vacinação foi distribuído em duas unidades: a UBS Jardim Vera Cruz, em Perdizes, e na avenida Doutor Arnaldo, 925, no prédio onde funciona o Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, da Faculdade de Saúde Pública da USP, no Sumaré (ambos na zona oeste), conveniado com a Prefeitura de São Paulo.

Na quinta-feira (25), a reportagem esteve nas duas unidades e, sem se identificar, conversou com funcionárias.

A primeira dose da vacina é aplicada na UBS Jardim Vera Cruz. É a Secretaria de Estado da Saúde que separa os servidores por dia de vacinação.

A reportagem da Folha questionou uma funcionária sobre o local onde era realizada a imunização do pessoal da secretaria estadual da Saúde contra a Covid-19. A servidora perguntou para a colega ao lado: "tem uma lista aí, não tem, do pessoal da secretaria?". "Sim, está aqui", disse a moça, que segurava a relação na mão.

Informada de que a repórter voltaria no dia seguinte, a funcionária afirmou: "Se o seu nome estiver aqui hoje, amanhã pode não estar. Não é isso? [dirigindo-se à outra servidora]. Eles mandam todo dia uma lista. São determinadas pessoas que podem vir naquele dia", afirmou.

Com o nome na lista, o trâmite é o mesmo do que é seguido pelas demais pessoas que estão nos grupos prioritários por faixa etária, ou seja, pegar uma senha e aguardar ser chamado.

Na outra unidade, é aplicada apenas a segunda dose da vacina contra a Covid-19. Indagada se o posto era específico da secretaria e se a repórter poderia levar alguém, a funcionária afirmou: "Se for da secretaria, sim", disse a servidora. O local também vacina profissionais da saúde.

Em nenhum dos dois postos houve questionamento sobre o fato de a repórter, que tem 49 anos, não pertencer às faixas etárias priorizadas para a imunização. Na sexta (26), a capital paulista começou a vacinar o público entre 69 e 71 anos.

Enquanto isso, uma policlínica privada na zona norte da cidade de são Paulo não consegue vacinar 14 funcionários da equipe que presta os primeiros atendimentos aos pacientes que chegam lá, inclusive com sintomas de Covid-19.

Uma parte dos 54 médicos que atuam no local também não conseguiu se vacinar por não estar contemplada em grupo prioritário. O local realiza cerca de 7.000 atendimentos por mês.

Uma das funcionárias, que pediu para não ter o seu nome e o da clínica revelados, disse que buscou orientação na Secretaria Municipal da Saúde.

"Eles disseram que não fazemos parte da categoria e orientaram a acompanhar o site da secretaria e as datas de vacinação. Fomos diversas vezes na UBS da avenida Nova Cantareira e nos barraram. Disseram que não estamos no perfil e devemos aguardar. Dos 14 funcionários, dois receberam resultado positivo para Covid-19 e foram afastados. Desde março [de 2020] não deixamos um dia de atender pacientes e a justificativa é que não fazemos parte do grupo? Não conseguimos entender o critério", afirmou.

"Na rede privada, jovens profissionais multidisciplinares que lidam direto com pacientes, como médicos, enfermeiros e demais ligados à assistência, não foram vacinados e continuam no atendimento a pacientes, independentemente de ser Covid-19 ou não. Eles não são prioritários. Se eles não têm o direito de serem vacinados, um funcionário administrativo de órgão público também não deveria ter. Como se explica? Qual o critério adotado pela secretaria?", questiona Domingos Costa Hernandez Júnior, médico especialista em gestão de serviços públicos de saúde pela Fundação Getúlio Vargas.

A princípio, a secretaria de Saúde afirmou que não poderia dizer quais funcionários são vacinados, porque cada um vai de forma autônoma. Depois, informada sobre as listas na UBS, mudou a versão.

Em nota, a secretaria afirmou que "os colaboradores que atuam na Secretaria de Estado da Saúde podem ser imunizados contra Covid-19 por integrarem o grupo prioritário de trabalhadores da saúde, segundo definido pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações)".

A assessoria de imprensa informou que foram vacinados 1.992 profissionais até o momento, sendo que os colaboradores do Instituto Adolfo Lutz e dos centros de vigilância epidemiológica e sanitária estaduais, diretamente expostos a situações de risco, foram priorizados conforme documentos técnicos.

"A reportagem equivoca-se ao afirmar que 'não se expõem à doença nem ao público', uma vez que tais colaboradores mantêm contato contínuo e direto com equipes da linha de frente nas suas tarefas cotidianas."

Nas listagens obtidas pela Folha, no entanto, há centenas de funcionários com funções administrativas, muitos em home office.

"É desolador ter que escrever uma matéria sobre este assunto", diz o sanitarista e professor de saúde pública da USP Gonzalo Vecina Neto. "Não tem cabimento. Os funcionários [administrativos] da Secretaria da Saúde não se encontram com pacientes, porque não estão na linha de frente. Não pode ter dúvida sobre quem vacinar. Além do mais, apesar de atenderem a população diferenciada, o funcionário da área privada tem o mesmo direito da público".

O especialista lamenta a falta de coordenação federal. "Não tenho dúvida de que é um exemplo da balbúrdia. Se tivéssemos a comissão de assessoria do PNI [Programa Nacional de Imunização] funcionando, as regras teriam sido mais claras. Essas coisas são frutos de má informação e um pouco de má vontade também. O projeto de vacinação foi desenhado mal e porcamente, porque não tinha comissão de apoio, porque o Bolsonaro extinguiu as comissões. O pessoal do Ministério da Saúde copiou o que foi feito no hemisfério Norte e, com as realidades diferentes no país, deu essa confusão", afirma.

Em Minas Gerais, esquema semelhante levou à demissão do secretário de Saúde. O governador Romeu Zema (Novo) afastou, em 11 de março, o secretário Carlos Eduardo Amaral, acusado de ter furado a fila da vacinação contra a Covid-19.

Amaral admitiu que ele e outros 806 servidores de sua pasta haviam sido vacinados, mas negou que o ato representasse uma ilegalidade.

Só de seu gabinete 27 pessoas foram vacinadas, entre elas o secretário-adjunto, Marcelo Cabral; de áreas como assessorias, controladoria, comunicação e cerimonial, entre outros, 38 pessoas receberam os imunizantes. A lista com nomes foi encaminhada à Assembleia mas não foi divulgada publicamente, de acordo com Amaral, devido à Lei Geral de Proteção de Dados.

Amaral afirmou que a vacinação ocorreu depois que 70% das doses voltadas a profissionais de saúde já haviam sido encaminhadas. Ele reafirmou ainda que a vacinação desses trabalhadores seguiu o que foi acordado em 9 de fevereiro entre gestores municipais e estaduais, na CIB (Comissão Intergestores Bipartite do SUS de MG), seguindo o PNI.

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