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Coronavírus

Testagem e educação da população se mostram mais eficazes que lockdown

'Não se pode esperar resultados diferentes agindo sempre da mesma forma' (autor desconhecido)

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Pércio de Souza

Engenheiro e fundador do Instituto Estáter

Expedito Luna

PhD, médico epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP

Completamos mais de um ano sob a pandemia e a única certeza que temos é que a situação do país piorou. Ainda atrás, mas seguindo os passos da Europa e EUA no ranking sombrio, ultrapassamos as 300 mil mortes, faltam leitos e os profissionais de saúde estão esgotados. Com a vacinação lenta, a previsão de dias melhores está distante. Crianças fora da escola sofrerão um trauma irreparável e a desigualdade social recrudescerá, com o fechamento de pequenos negócios e a alta do desemprego.

O isolamento social é, em tese, uma maneira óbvia de reduzir a transmissão. Parece claro: se as restrições levam à redução de mobilidade, cai exposição ao vírus e, portanto, o Rt (taxa de contágio no tempo). Mas, na prática, à medida que o tempo passa, mais distante estamos do isolamento eficaz.

Levantamento do Instituto Estáter mostra que, assim como na Europa, o Brasil viu uma queda próxima de 50% na redução da mobilidade a partir do 2º semestre de 2020, comparado com o 1º. Antropólogos, psiquiatras e epidemiologistas que acompanharam o HIV há muito discorrem sobre a dificuldade de mudar o comportamento instintivo do ser humano. A sociabilização é um deles.

Por outro lado, atualmente há um consenso de que o primeiro ataque da transmissão (FAR) está nas pequenas confraternizações em lugares fechados. Tais infectados transmitem para familiares, caracterizando o segundo ataque (SAR). Este ciclo, em conjunto aos eventos “superdisseminadores” (cultos religiosos fechados e grandes baladas), representam perto de 80% da transmissão.

Passamos um ano falando sobre aglomerações nas ruas mas o inimigo está em casa, quer seja nas festas ou na convivência familiar com aqueles que se contaminaram nas festas. É por aí que a infecção se alastra.

Lugares abertos, por sua vez, têm mostrado que não interferem na curva pandêmica. Quem não se lembra da multidão nas ruas argentinas para o enterro de Maradona ou das imagens de praias aglomeradas em 7 de setembro no Brasil? Estão entre os exemplos que não impactaram a curva. Ambientes controlados como restaurantes, shoppings, comércio em geral, trabalho e escolas não têm sido grandes catalisadores. Os protocolos implementados ali parecem ter dado resultado.

O transporte público, por paradoxal que pareça, também não tem se mostrado grande alastrador da infecção. O comportamento retraído das pessoas que usam máscaras e falam pouco durante o percurso, além da ventilação pelas paradas recorrentes e abertura das portas, podem explicar o baixo índice.

A combinação da fadiga com a dinâmica heterogênea da transmissão tem comprometido a eficácia das restrições, e as medidas não têm sido suficientes para o controle da pandemia, nem sustentáveis no médio e logo prazos. Daí vem a necessidade de medidas menos traumáticas e sustentáveis. É passada a hora de inovar.

Propomos duas alternativas:

Campanha educativa para o comportamento: a Mobilidade Consciente, como atribuiu o infectologista Bernardo de Almeida do HC de Curitiba em um dos nossos debates. De nada tem adiantado os apelos dramáticos para a população se isolar. O fechamento das praias e parques leva a aglomerações em lugares improvisados clandestinos. Quem deixa de ir a restaurantes e shoppings, se aglomera dentro das casas. Impõe-se feriados para diminuir mobilidade, e as confraternizações se espalham.

Nossa proposta é mudar radicalmente a abordagem:

1) substituir o “fique em casa” por uma nova fase de comunicação;

2) instruir a população sobre onde estão os principais riscos de transmissão;

3) eleger as proteções prioritárias;

4) recomendar ajustes de comportamento social para escolhas conscientes;

5) nas comunidades vulneráveis envolver a Atenção Primária e líderes comunitários para que a informação chegue de forma simples e objetiva às comunidades.

Atuação sobre os infectados: a segunda iniciativa é criar medidas para conter o Rt atuando sobre os casos positivos. Em tese, é uma atuação muito mais focada uma vez que, no período de pico, representam no máximo 0,5% da população. A Alemanha contabiliza metade dos casos por milhão de habitantes dos demais europeus e a principal iniciativa que a difere é o rastreamento e atuação de contenção nos infectados.

Os desafios são grandes, não temos a infraestrutura da Alemanha. Mas se investirmos e estimularmos debates, podemos superá-los. Celso Granato, infectologista e professor da Escola Paulista de Medicina defende que este investimento passe por um planejamento detalhado.

Também acreditamos no envolvimento da Atenção Primária (AP) para elaborar a tática de atuação nas comunidades. Além de uma testagem intensa, os principais passos para implementação seriam:

1) para os casos positivos, discutir redução do prazo de isolamento para sete dias e assim aumentar a chance de adesão. Estudos mostram que 95% da transmissão ocorre até o 5º dia após o início dos sintomas;

2) discutir alternativas, em conjunto com líderes comunitários e AP, de incentivos e apoio para os que precisam se isolar;

3) por meio dos casos, buscar identificação dos eventuais contatos, usando tecnologia e a própria estrutura da AP;

4) criar alternativas de quarentena por cinco dias, que é o período médio de incubação, segundo estudos recentes. Quando a quarentena não for possível, cuidados especiais para contenção do potencial infectado com acompanhamento via telemedicina pela AP ou médicos;

5) complementar renda para os isolados e uma campanha educativa intensa também são componentes críticos para o sucesso desta alternativa.

A reação precisa ser urgente. O tempo está contra todos nós.

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