Descrição de chapéu The New York Times

EUA aprovam 1º remédio novo para Alzheimer em quase 20 anos apesar de dúvidas sobre seus benefícios

Painel de especialistas independentes considerou, em novembro, que as evidências do benefício do Aduhelm eram insuficientes

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Pam Belluck Rebecca Robbins
The New York Times

A FDA (Food and Drug Administration, a agência regulatória de medicamentos dos EUA) aprovou o primeiro novo medicamento para tratar pacientes com doença de Alzheimer em quase duas décadas –uma decisão polêmica, tomada apesar da oposição do comitê assessor independente do órgão e das afirmações de especialistas de que não havia evidência suficiente de que a droga pode ajudar os pacientes.

A droga, chamada aducanumabe e que terá o nome comercial de Aduhelm, é uma infusão intravenosa mensal destinada a reduzir o ritmo do declínio cognitivo em pessoas com memória fraca e problemas de raciocínio. É o primeiro tratamento aprovado que ataca o processo da doença, em vez de apenas abordar os sintomas de demência.

A Biogen, seu fabricante, anunciou na segunda-feira (7) que o preço de tabela será de US$ 56 mil por ano (R$ 282 mil).

Sede da Biogen em Boston (EUA) - Reuters

Reconhecendo que os testes clínicos da droga tinham oferecido evidências incompletas para demonstrar sua eficácia, a FDA concedeu a aprovação para que ela seja usada, mas exigiu que a Biogen conduza um novo teste clínico.

Se o novo teste, chamado de Fase 4, não demonstrar que a droga é eficaz, a FDA pode –mas não é obrigada a– rescindir sua aprovação.

Cerca de 6 milhões de pessoas nos EUA e aproximadamente 30 milhões no mundo têm doença de Alzheimer –número que deverá dobrar até 2050. Atualmente, cinco medicações aprovadas nos EUA podem retardar o declínio cognitivo por vários meses em diversas fases da doença.

Grupos de defesa de pacientes tinham feito forte lobby para a aprovação devido à escassez de tratamentos disponíveis para essa doença debilitante. Algumas outras drogas em testes clínicos são mais promissoras, mas estão a provavelmente três ou quatro anos de uma possível aprovação.

O comitê assessor da FDA, juntamente com um grupo de pensadores independentes e vários especialistas proeminentes –incluindo alguns médicos que trabalharam nos testes clínicos da aducanumabe– disseram que a evidência levantou dúvidas importantes sobre a eficácia da droga.

Eles também disseram que mesmo que ela possa desacelerar o declínio cognitivo em alguns pacientes o benefício sugerido pela evidência seria tão pequeno que não superaria o risco de inchaço ou sangramento no cérebro que a droga causou nos testes.

"Os dados incluídos no pedido do candidato eram altamente complexos e deixaram incertezas residuais quanto ao benefício clínico", disse a diretora do Centro de Avaliação e Pesquisa de Drogas da FDA, Patrizia Cavazzoni.

Mas, disse ela, a agência decidiu aprovar a droga através de um programa chamado aprovação acelerada, que se destina a "oferecer acesso precoce a terapias potencialmente valiosas para pacientes com doenças sérias em que há uma necessidade não suprida e uma expectativa de benefício clínico apesar de alguma incerteza residual sobre esse benefício".

Michel Vounatsos, executivo-chefe da Biogen, disse que a companhia acredita que a droga "transformará o tratamento de pessoas que vivem com doença de Alzheimer e produzirá constante inovação nos próximos anos".

Embora os testes clínicos tenham sido conduzidos em populações específicas de pacientes –os com prejuízo cognitivo brando ou Alzheimer em estágio inicial, cujos cérebros continham níveis acima do normal de amiloide–, o rótulo da FDA para a droga não contém essas restrições. O rótulo simplesmente diz que a droga é "para tratamento de doença de Alzheimer".

Os testes de Alzheimer já são difíceis de realizar porque muitas vezes é difícil recrutar participantes suficientes. Como a condição pode evoluir muito gradualmente, os testes devem ser grandes e continuar durante vários meses para concluir que uma droga está reduzindo o declínio cognitivo.

Vários especialistas manifestaram ceticismo de que a Biogen conseguirá recrutar muitos participantes nos EUA para um teste após a comercialização, porque os pacientes que podem obter a droga de seus médicos muitas vezes relutam em se arriscar a receber um placebo no teste.

"Quando o produto for aprovado, o gato sai do saco, o cavalo sai da cocheira", disse G. Caleb Alexander, membro do comitê assessor da FDA e epidemiologista e especialista em segurança e eficácia de medicamentos na Escola Bloomberg de Saúde Pública na Universidade Johns Hopkins. "Não há como recuperar a oportunidade de compreender se o produto realmente funciona ou não no ambiente pós aprovação."

As companhias podem conduzir testes pós-mercado com participantes de outros países, mas poderão enfrentar desafios semelhantes para recrutar participantes se esses países aprovarem a droga antes que os testes estejam concluídos. A droga ainda não foi aprovada fora dos EUA, mas a Biogen pediu revisão dos órgãos reguladores da União Europeia, do Japão, do Brasil e outros países.

O Aduhelm é um anticorpo monoclonal e visa a proteína amiloide, que se agrupa em placas no cérebro de pacientes de Alzheimer e é considerada um biomarcador da doença. Uma coisa em que críticos e defensores da aprovação concordam é que a droga reduz substancialmente o nível de amiloide.

"Embora os dados do Aduhelm sejam complicados com relação a seus benefícios clínicos, a FDA determinou que há evidência substancial de que a redução dessas placas tem probabilidade razoável de prever benefícios importantes aos pacientes", disse Cavazzoni.

O cerne da polêmica sobre a droga envolveu dois testes de Fase 3 com resultados contraditórios: um sugeriu que a droga desacelerava ligeiramente o declínio cognitivo, enquanto o outro não mostrou benefício. Os testes foram interrompidos no início por um comitê de monitoração que concluiu que a droga não parecia estar mostrando qualquer benefício. Consequentemente, mais de um terço dos 3.285 participantes desses testes não pôde concluí-los.

A Biogen disse ter analisado posteriormente dados adicionais e concluiu que em um dos testes uma alta dose podia retardar o declínio cognitivo em 22%, ou cerca de quatro meses em um prazo de 18 meses. Na medição primária, a alta dose parecia reduzir o declínio em 0,39 em uma escala de 18 pontos de classificação de memória, técnicas de solução de problemas e funcionamento. Uma dose mais baixa nesse teste e doses altas e baixas no outro não mostraram benefício estatisticamente significativo em relação a um placebo.

"Há muito pouca evidência de eficácia", disse Lon Schneider, diretor do Centro da Doença de Alzheimer da Califórnia na Universidade do Sul da Califórnia, que ajudou a conduzir um dos testes da aducanumabe. Ele acrescentou: "Não sei o que atraiu a imaginação da FDA aqui".

Na reunião do comitê assessor, em novembro de 2020, não houve unanimidade na própria FDA. Um analista clínico da agência disse que havia razão suficiente para a aprovação, mas um estatístico escreveu que havia necessidade de outro teste porque "não há evidência substancial e poderosa do efeito do tratamento ou desaceleração da doença".

Stephen Salloway, que recebeu honorários por pesquisa e consultoria da Biogen, mas não foi pago por ser um investigador principal no local do teste da aducanumabe, disse que, embora entenda as preocupações sobre os dados, "a totalidade da evidência favorece a aprovação, e a aprovação da FDA abrirá a porta para uma nova era de tratamento da doença de Alzheimer que poderemos construir".

Alguns cientistas temem que a aprovação da aducanumabe possa reduzir os padrões para futuras drogas, permitindo que entrem no mercado antes que especialistas da área estejam convencidos de que os benefícios superam qualquer risco de segurança.

Os riscos da aducanumabe envolvem inchaço ou sangramento no cérebro, experimentados por cerca de 40% dos participantes do teste na Fase 3 que receberam a dose alta. A maioria era assintomática ou tinha dor de cabeça, tontura ou náusea. Mas tais efeitos levaram 6% dos receptores de altas doses a desistir.

Nenhum participante da Fase 3 morreu pelos efeitos, mas um participante do teste de segurança sim.

Efeitos colaterais semelhantes ocorreram em testes de drogas anteriores para redução da amiloide, mas os médicos consideram isso administrável se um paciente é avaliado regularmente com exames de imagens cerebrais. Ainda assim, mesmo os apoiadores da aprovação disseram que fazer esse monitoramento é mais difícil quando não é feita no regime cuidadosamente controlado de um estudo.

"Vai ser desafiador quando for aplicado mais amplamente, fora de um teste clínico", disse Salloway, diretor de neurologia e do Programa de Memória e Envelhecimento no Butler Hospital em Providence, em Rhode Island.

A Biogen espera lançar o remédio rapidamente, com mais de 600 locais em todo o país para administrá-lo. Clínicas para pacientes com problemas cognitivos estão se preparando às pressas.

Vários médicos de Alzheimer que acham muito fraca a tese para a aprovação da aducanumabe disseram que agora se sentem eticamente obrigados a disponibilizá-la. Eles acreditam que muitos pacientes, mesmo quando souberem da evidência problemática, experimentarão a droga porque acharão que houve um motivo sério para ela ter sido aprovada.

"Eu tive essa conversa com uma paciente real que estava muito interessada nele", disse David Knopman, neurologista clínico na Clínica Mayo, investigador principal no local de um teste e coautor de um artigo dizendo que não havia evidência suficiente de benefícios. "Apresentei os dados à paciente e a seu marido, e eles não ouviram uma palavra do que eu disse sobre minhas preocupações. Tudo o que eles ouviram é que poderia haver benefícios."​

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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