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Plano SP é ficção nas periferias, afirmam líderes comunitários

Iniciativa do governo estadual completou um ano, mas falta de renda e de fiscalização prejudica sua eficácia

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Luana Nunes Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

O pedreiro José Ailton, 55, nunca ouviu falar no Plano São Paulo. Onde ele mora, no bairro de Barragem, distrito de Parelheiros, extremo sul de São Paulo, mesmo a quarentena no começo da pandemia foi algo que ficou distante.

Ao saber que se trata das medidas do governo do estado por causa da Covid-19, lembrou que alguns comércios fecharam por alguns dias, o que ajudou no combate ao coronavírus, mas que “não funcionou 100%”.

Para ele, a falta de fiscalização colaborou para o descumprimento da regras. “Aqui não tinha esse tipo de fiscalização. Muitos lugares ficaram abertos, mesmo sem serem estabelecimentos essenciais, bares principalmente”, diz.

O bairro de Barragem fica a quase 50 km do centro da capital e é um exemplo de como o combate à Covid-19 não chegou às periferias ou era impraticável para quem tinha de manter o trabalho informal.

Feira em Guaianases, na zona leste de São Paulo - Lucas Veloso/Agencia Mural

O Plano SP completou um ano neste mês. Vigente desde 1º de junho de 2020, a norma foi criada com o objetivo de controlar a reabertura de setores da economia durante o combate à Covid-19.

A meta era organizar a flexibilização das atividades econômicas e manter o controle da pandemia. Desde então, a cidade conviveu com fases vermelha, laranja, amarela e verde (da mais restritiva para a menos). Depois o governo ainda criou mais duas: emergencial e de transição.

Boa parte dessas medidas ficou distante de moradores no extremo da cidade e em favelas da capital ouvidos pela Agência Mural.

“Esse plano deu certo para lá, para os ricos. Aqui não deu não”, diz Luciene Duarte, 46, moradora de Barragem.

Ela afirma que as determinações e restrições não deram certo e que um dos principais motivos é a desigualdade entre a periferia e os bairros “dos bacanas”, em suas palavras.

Líder comunitária do Bairro do Pescador, em Parelheiros, Lu Senna crê que a desigualdade social impediu cumprimento do Plano SP - Arquivo Pessoal

“Muita gente só tem o comércio para dar de comer à família. Se fecha, não tem de onde tirar o dinheiro”, afirma Luciene. “É diferente dos shoppings, onde os donos das lojas são ricos e se fecharem por alguns dias ou diminuírem o tempo aberto não vão morrer de fome. Aqui, ou você abre ou morre de fome.”

Desempregada há três meses, Luciene não conta com a ajuda do auxílio emergencial, benefício distribuído pelo governo federal. A falta de renda também prejudicou.

“Nós sempre fomos e sempre seremos o povo que vai sofrer com qualquer tipo de imposição do governo”, diz a líder comunitária Lu Senna, do bairro Bar do Pescador, em Parelheiros.

Atualmente, o Plano SP está na fase de transição, criada depois da fase emergencial no pior momento da pandemia. Atividades econômicas são permitidas até as 21h com no máximo 40% de ocupação nos estabelecimentos.

Contudo, na maior favela da capital, Heliópolis, a ocupação tem sido normal, apontam moradores. Não é incomum eles não saberem em que fase do Plano SP a cidade está.

Irani da Silva Guedes, líder comunitária da favela da Tribo, na Brasilândia - Leu Britto/Agencia Mural

“Mais de um ano de idas e voltas [do Plano SP], avança para faixa tal, retrocede para tal. As pessoas acabam deixando pra lá e [as regras vão] caindo no descrédito”, diz Antonia Cleide Alves, 58, líder comunitária na região.

“Aqui não funciona. Quem trabalha precisa estar presente no local. São vendedoras de loja, manicures, cabeleireiras”, afirma.

Antônia também diz que a fiscalização por lá não aconteceu, mas afirma que a comunidade buscou se mobilizar. Campanhas de conscientização e prevenção com carros de som, faixas e cartazes, além da rádio comunitária, foram os responsáveis por traduzir de forma mais direta os perigos da pandemia à população local.

Em Cidade Tiradentes, na zona leste, Fernanda Sampaio da Motta, 34, atua como líder comunitária na região e cita as desigualdades sociais que existem. “A periferia não parou, não fechou”, afirma.

O fato de que muitos comerciantes dependem disso para sobreviver foi uma das causas de abertura permanente, na análise da líder.

No caso do líder comunitário na região da Pedreira, zona sul, Wesley Silvestre, 34, diz que as estratégias deviam levar em conta dados regionais para organizar a abertura ou fechamento das atividades. “Minimamente poderíamos ter dados estatísticos corretos para que solidariamente pudéssemos ser mais eficientes em nossas campanhas sociais”, afirma.

“A pandemia repete a lógica do sistema, quanto mais distante da região central, mais invisível ao mapa das estatísticas”, diz.

Há 16 anos, a líder comunitária Irani da Silva Guedes, 46, mora na favela da Tribo, na Brasilândia, zona norte. Por lá, diz que o Plano SP não chegou. “Falta muita informação, além de ajuda aos moradores durante essa crise.”

Vista de Heliópolis, maior favela da cidade de São Paulo, com cerca de 200 mil moradores - Leu Britto/Agencia Mural

Desde o começo da pandemia, Irani e outros moradores têm recorrido ao poder público em busca de itens que ajudem os mais pobres a enfrentarem a pandemia. Alimentos, álcool em gel e máscaras são essenciais, mas que nem sempre estão disponíveis para quem mora por ali.

Como a líder da zona norte, Gilson Rodrigues, 36, presidente do G10 Favelas e da associação de moradores em Paraisópolis, foi uma das pessoas mais atuantes durante a crise sanitária nas periferias.

Em sua opinião, a maior parte dos moradores não entende o Plano SP. “A população está bem distante das ações do governo. Existe uma política de afastamento. O governo está longe da população, apesar do palácio do governo estar aqui do lado”, diz.

Gilson afirma que resta aos mais pobres conviver com as consequências negativas de duas crises: a sanitária e a econômica. Ele diz que a estratégia do governo em retomar a economia do estado não funciona em Paraisópolis e na maioria das favelas.

“Precisamos criar alternativas para que a população possa empreender, com características específicas. A população de favela que não consegue tirar um alvará, não tem acesso a créditos e bancos, por falta de documentação, por estar negativado”, diz.

O governo do estado afirma que a Vigilância Sanitária realizou, de 1º de julho de 2020 a 31 de maio de 2021, 312.444 inspeções e 7.340 autuações.

“O Estado presta apoio permanente a todos os municípios nestas ações, mas cabe às prefeituras a definição e aplicação de estratégias de fiscalização e dispersão de pessoas em seu território”, diz um trecho da nota.

A gestão afirma que não existe um afrouxamento das regras neste momento da pandemia e que o governo estadual segue analisando a situação da pandemia para adoção de medidas adicionais, se necessário, para frear a disseminação da doença.

Também diz que o governo conta com a população tanto para respeitar as normas quanto para colaborar no combate a irregularidades e que recebe denúncias 24 horas por dia pelo telefone 0800 771 3541 ou pelo email secretarias@cvs.saude.sp.gov.br.

Questionada sobre o Plano SP nas periferias, a Prefeitura de São Paulo afirma que desde o início da pandemia tem realizado diversas ações para atendimento à população mais vulnerável da cidade. Mas não explicou como tem adotado as medidas de restrição.

A gestão afirma que mais de mil equipamentos têm prestado atendimento para todos os casos, independentemente de diagnóstico confirmado ou suspeita da Covid-19, o que tem contribuído para o controle da pandemia.

Sobre a falta de dados, a Prefeitura diz que o município realiza ações de rastreamento e monitoramento de sintomáticos respiratórios desde o início da pandemia, a fim de identificar casos de Covid. Em relação à fome, cita o Programa Cidade Solidária, que distribuiu mais de 4 milhões de cestas básicas e cerca de 1,2 mil kits de higiene e limpeza às famílias em situação de extrema vulnerabilidade na cidade.

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