Burnout pode ser tratado com derivado da maconha, diz estudo da USP

Pesquisa do HC de Ribeirão Preto com trabalhadores da linha de frente mostrou redução do desgaste emocional pela pandemia

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São Paulo

O canabidiol (ou CBD) teve sucesso no tratamento de burnout em profissionais da saúde em um estudo conduzido no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

O estudo foi publicado na sexta-feira (13) no periódico científico Jama (Journal of the American Medical Association).

Para avaliar o efeito da droga, os pesquisadores recrutaram 120 profissionais da área da saúde que atuaram na linha da frente da Covid-19, incluindo médicos, enfermeiros e fisioterapeutas ligados ao hospital universitário. Metade deles recebeu um tratamento diário de 300mg de CBD junto ao tratamento convencional de burnout —terapia, vídeos com sugestões de exercícios físicos de baixa intensidade e conteúdo motivacional—​; metade recebeu apenas o tratamento padrão (controle).

Plantação de cannabis da Abrace Esperança, única associação no país com autorização judicial para o cultivo e extração do óleo a base de CBD (canabidiol), em João Pessoa (PB)
Plantação de cannabis da Abrace Esperança, única associação no país com autorização judicial para o cultivo e extração do óleo a base de CBD (canabidiol), em João Pessoa (PB) - Adriano Vizoni - 11.set.19/Folhapress

Os pacientes foram acompanhados por 28 dias. Ao final da quarta semana, aqueles que receberam o derivado da maconha tiveram uma redução média de quatro pontos nos sintomas de burnout em comparação ao início do estudo. Não houve melhora expressiva dos sintomas no grupo controle.

Houve redução de 25% dos sintomas do burnout, depressão em 50% e ansiedade em 60% dos participantes tratados com o CBD. Os sintomas melhoraram 14 dias após o início do tratamento no grupo que recebeu os comprimidos.

O estudo, liderado pelo psiquiatra José Alexandre Crippa, faz parte do grupo de pesquisa Bonsai (Prevenção de Burnout e Estresse com canabidiol em profissionais da linha da frente da Covid-19, na sigla em inglês).

O objetivo inicial da pesquisa era comparar a eficácia do CBD contra burnout usando uma substância placebo no grupo controle, mas, por sugestão do comitê de ética, que considerou arriscado ofertar uma droga ainda sem efeito conhecido para profissionais de saúde da Covid durante a pandemia, optaram por deixar como controle apenas o tratamento convencional. Por esse motivo, o estudo não foi cegado (tanto os pesquisadores quanto os participantes sabiam que estavam recebendo a droga ou apenas o tratamento controle).

Os voluntários foram analisados de duas formas: uma por meio de autoavaliação dos sintomas e outra por meio de respostas a perguntas estruturadas, que depois eram classificadas por avaliadores externos do estudo –estes, sim, cegos em relação ao grupo de participantes, explica Crippa. “Assim, pudemos minimizar a subjetividade das avaliações”, afirma.

A pesquisa utilizou o CBD com alto grau de pureza. O canabidiol é um óleo extraído da planta da maconha e sem propriedades psicoativas —diferente do THC, que é o composto ativo da mesma. O CBD vem sendo testado para diferentes doenças e seu uso medicinal foi aprovado no Brasil recentemente em um projeto de lei pela Câmara dos Deputados.

A segurança da droga já havia sido testada em outros estudos, e também foi comprovada na pesquisa de Ribeirão, embora cinco pacientes do grupo que recebeu o CBD tenham apresentado efeitos colaterais de maior preocupação. Dois dos participantes solicitaram descontinuar o tratamento e foram excluídos do estudo. Todos os cinco pacientes tiveram resolução dos sintomas após o final do tratamento e não apresentaram sequelas.

Os autores afirmam, porém, que a ocorrência de efeitos colaterais, embora tenham sido resolvidos após o fim da pesquisa, aponta para a necessidade de maior monitoramento dos efeitos clínicos do CBD em pacientes que fazem uso da terapia.

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A rotina de trabalho tem deixado os profissionais de saúde extenuados. No HCPA a medica intensivista, Patricia Schwarz, 40, iniciando mais um plantão noturno - Daniel Marenco 12.mar.21/Folhapress

Para Crippa, muitas pessoas ainda acreditam que o CBD, por ser derivado de uma planta, é inócuo, o que claramente não é o caso. “De modo geral, esses efeitos colaterais já eram conhecidos, mas a maior parte dos estudos clínicos realizados até aqui foram em condições no qual o CBD é administrado em conjunto a outras terapias, como medicamentos contra epilepsia ou anticonvulsionantes. Isso foi diferente no caso do nosso estudo, onde quase todos os voluntários não utilizavam outras medicações, e pudemos avaliar os efeitos do CBD como terapia única.”

Apesar dos resultados positivos, mais testes são necessários para poder medir com maior precisão os efeitos da droga na redução do burnout.

O sucesso do estudo foi demonstrar, no período entre junho e outubro de 2020 (que coincidiu com a alta de casos de Covid-19 em Ribeirão Preto), a redução da estafa profissional nos participantes, mas “ensaios controlados por placebo e com duplo-cego são necessários para avaliar se as conclusões tiradas do estudo podem ser aplicadas mais amplamente”, afirmam os autores.

A síndrome do esgotamento, conhecida também pelo termo em inglês burnout, refere-se ao esgotamento resultante de um estresse crônico no trabalho que não foi administrado com êxito e pode se manifestar, principalmente, em crises de ansiedade, depressão, esgotamento intenso e outros sintomas associados à saúde mental.

Em 2020, um estudo realizado pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) mostrou que 87% dos profissionais de enfermagem tiveram sintomas da síndrome de burnout durante a pandemia. As estimativas de pesquisas regionais apontam para oito em cada dez profissionais da área da saúde com impactos negativos na saúde mental, incluindo a síndrome de burnout.

Em março e abril deste ano, que caracterizaram o momento mais grave da pandemia até então, a quantidade de médicos com síndrome de burnout aumentou consideravelmente, embora não haja dados levantados para o cenário nacional.

Isso tem agravado, neste ano, a falta de profissionais em hospitais, com a taxa de absenteísmo subindo de 2,2%, em 2019, para 3,6% no ano passado. Jovens recém-formados em medicina também passaram a lidar com a exigência das longas horas de plantão para atuar na linha de frente, muitas vezes sem descanso.

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