Governo Bolsonaro pagou R$ 193 mi antecipados a empresa e não comprovou recebimento de máscaras

Apontamentos são de auditoria da CGU; Saúde não comenta, e intermediária diz que entregou material

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Brasília

O Ministério da Saúde pagou R$ 193,4 milhões antecipados a uma empresa intermediária responsável por fornecer máscaras chinesas no auge da pandemia da Covid e não conseguiu comprovar o recebimento dos produtos.

O pagamento e a falta de comprovação foram apontados em um relatório de auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União). O documento foi concluído em 4 de agosto e inserido no sistema de consulta pública de auditorias em 22 de setembro deste ano.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente Jair Bolsonaro deixam encontro no Palácio da Alvorada de máscara
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente Jair Bolsonaro deixam encontro no Palácio da Alvorada de máscara - Raul Spinassé - 24.mar.21/Folhapress

É o mesmo relatório que apontou ausência de comprovação de entrega pelo Ministério de Saúde de 4.816 respiradores a estados e municípios, como a Folha mostrou no dia 5. Os equipamentos custaram R$ 273,3 milhões ao governo Jair Bolsonaro.

No caso dos respiradores, os comprovantes de entrega eram uma responsabilidade da VTCLog, empresa com contratos com o ministério e que é investigada pela CPI da Covid no Senado. A companhia disse ter entregue mais de 18 mil respiradores, com comprovantes.

As máscaras, por sua vez, foram compradas pelo governo Bolsonaro em abril de 2020, em um momento em que a pandemia ganhava contornos cada vez mais letais no país, em uma primeira fase crítica das infecções e mortes.

O contrato teve o valor total de R$ 691,7 milhões e foi assinado com a Global Base Development HK Limited, de Hong Kong, e com a 356 Distribuidora, Importadora e Exportadora, empresa brasileira que fez a representação da Global Base. As máscaras eram de fabricantes da China.

A compra envolveu 200 milhões de unidades de máscaras cirúrgicas e 40 milhões de máscaras KN95. Cada um dos dois lotes custou o mesmo valor, R$ 345,85 milhões.

Foi por meio deste contrato que o governo Bolsonaro distribuiu máscaras KN95 impróprias a profissionais de saúde, como a Folha revelou em uma série de reportagens. O material acabou estocado nos estados e, posteriormente, foi destinado para o uso comum, fora dos ambientes hospitalares.

Cada máscara imprópria custou R$ 8,65 aos cofres públicos. No mesmo momento da pandemia, o Ministério da Saúde pagou R$ 3,59 por máscara do tipo PFF2, comprada diretamente da fabricante 3M do Brasil.

A PFF2 é considerada um dos melhores modelos para a proteção contra o coronavírus. A compra da 3M foi omitida em ofícios do Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, que investiga irregularidades nas aquisições de máscaras impróprias.

Procurada por duas vezes, a pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os apontamentos da CGU em relação às máscaras. Também não respondeu às perguntas relacionadas aos respiradores. Neste sábado (9), após a publicação da reportagem, enviou nota afirmando apenas que responderá às recomendações da CGU no prazo determinado.

Todos esses contratos foram assinados por Roberto Ferreira Dias, que ocupava o cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde. Ele foi demitido do ministério após a revelação de suspeitas de cobrança de propina em um mercado paralelo de vacinas contra a Covid-19.

Em uma auditoria sobre as demonstrações contábeis dos gastos do Ministério da Saúde em 2020, a CGU constatou 15 lançamentos sem documentos que confirmam o recebimento das máscaras pela pasta. Isso impede uma conclusão sobre baixas contábeis no valor de R$ 193,4 milhões.

O relatório não explica se o produto é a KN95 ou a máscara cirúrgica.

Os pagamentos pela importação das máscaras foram adiantados ao fornecedor, segundo o relatório. Isso ocorreu após o recebimento dos produtos por empresa transportadora na China, afirmaram os auditores.

O processo analisado "não possui qualquer documentação comprobatória do recebimento das mercadorias pela unidade, sendo composto apenas das ordens bancárias ao fornecedor", conforme a auditoria.

A CGU disse que o Ministério da Saúde não apresentou os documentos que evidenciem a regularidade de adiantamentos feitos ao fornecedor. Não foram apresentados documentos que comprovem os "efetivos recebimentos dos insumos pelo ministério".

A 356 Distribuidora, representante da Global Base, afirmou em nota, “com segurança”, que todas as máscaras contratadas foram entregues e que nenhum pagamento foi feito antes de confirmada a entrega da mercadoria.

"Todos os procedimentos foram realizados de acordo com critérios definidos pelo próprio Ministério da Saúde. A documentação comprovando a entrega da mercadoria segundo as exigências do ministério está devidamente armazenada pela 356 Distribuidora", disse a empresa.

Antes da liberação dos pagamentos, havia a necessidade de apresentação de quatro documentos à área financeira da pasta, conforme a nota: comprovante de recebimento da transportadora e logística, comprovante de recebimento da companhia aérea, invoice (fatura) da Global Base e relatório de certificação internacional a cargo de empresa suíça.

"Somente após receberem e conferirem esses quatro documentos que o ministério realizava o pagamento. Nada era pago antes de a companhia aérea Latam confirmar ao ministério o recebimento da mercadoria em seu armazém na China, bem como após o recebimento dos demais documentos", afirmou a 356 Distribuidora.

A Global Base cumpriu o contrato na íntegra, "com os produtos de qualidade conforme pedidos pelo Ministério da Saúde". "A entrega de 100% dos materiais ocorreu dentro do prazo acordado, sem receber um centavo antecipado."

O dono da 356 Distribuidora é Freddy Rabbat, um empresário que atua no mercado de relógios de luxo suíços. Rabbat assinou o contrato como representante do fornecedor, e Roberto Dias como representante do Ministério da Saúde.

Máscaras KN95 distribuídas aos estados continham na embalagem a inscrição "non-medical". Um parecer da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) foi contrário ao uso dessas máscaras por profissionais de saúde.

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