Burnout por preocupação cresce com variante ômicron; veja dicas para enfrentar o problema

Estresse agudo causado pela pandemia leva a exaustão e desesperança após quase dois anos de crise sanitária

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Dani Blum
The New York Times

Há quase dois anos vivemos uma pandemia penosa e arrastada, e hoje cada pequena notícia nova sobre a variante ômicron pode parecer ser demais para processarmos.

O "burnout", termo psicológico para designar exaustão e distanciamento avassalador, fez parte do léxico popular durante anos, usado com relação ao trabalho. Mas tornou-se ainda mais comum quando infiltrou todas as partes da vida das pessoas durante a pandemia.

"Quando você enfrenta incerteza e trauma prolongados e intermináveis, há um limite ao que consegue suportar", comentou Thea Gallagher, psicóloga clínica e professora adjunta na N.Y.U Langone Health.

O burnout tornou-se ainda mais comum quando infiltrou todas as partes da vida das pessoas durante a pandemia - Kurhan/AdobeStock

Gallagher disse que depois de desastres naturais e provocados pelo homem, o estresse agudo muitas vezes resulta em exaustão e desesperança ao longo do tempo.

Esse tipo de exaustão profunda em tempos de estresse extremo é normal e previsível, disse o dr. Srijan Sen, diretor do Centro de Depressão Frances and Kenneth Eisenberg and Family, da Universidade do Michigan. Nos dois primeiros meses da pandemia, ele pessoalmente observou uma queda inesperada e importante na depressão entre profissionais de saúde, algo que atribuiu a um sentimento de união e propósito comum. Mas à medida que a pandemia vem se arrastando, disse Sen, os profissionais de saúde estão ficando cada vez mais angustiados e exaustos, enfrentando "um grau de preocupação e vigilância que poderia ser sustentável por talvez duas semanas ou dois meses, mas não por dois anos".

Conversamos com especialistas sobre os sinais e sintomas do "burnout por preocupação" e maneiras de combater o problema.

O que causa o 'burnout por preocupação'?

Há uma razão por que sentimos emoções, disse Jeffrey Cohen, psicólogo clínico e professor de psiquiatria na Universidade Columbia. O medo é uma ferramenta evolutiva para reagir a perigos; a ansiedade transmite um sinal de alarme ao cérebro, alertando-nos de que precisamos nos proteger.

Mas nesta fase da pandemia, ele disse, já estamos enfrentando a ameaça constante da Covid há tanto tempo que não confiamos mais no cérebro quando ele nos diz que estamos sendo atacados. "Chegamos a questionar se o alarme ainda é real", disse Cohen.

Os sintomas fisiológicos do estresse vão nos deixando exauridos, ele explicou. Nosso sistema nervoso reage à preocupação: os níveis de cortisol sobem muito, os batimentos cardíacos se aceleram. Acabamos entrando num estado de exaustão crônica e intensa.

"O corpo não consegue manter níveis elevados de ansiedade por muito tempo sem ficar fatigado", disse Michelle Newman, professora de psicologia na Pennsylvania State University e pesquisadora sobre depressão e ansiedade.

Essa fadiga e o modo como nos impele a nos distanciarmos da preocupação podem ter um efeito positivo sobre as pessoas –podem assinalar uma aceitação radical da nova realidade.

A ansiedade nos impele a solucionar problemas, disse Cohen. Mas não podemos traçar estratégias para sair da pandemia, por mais energia mental gastemos com isso.

"Com a aceitação radical, não estamos fazendo mais do que reconhecer que os fatos do mundo são o que são", ele disse. Ficamos mais à vontade com a incerteza interminável. Mas a partir de que momento a aceitação vira complacência? E ela ainda é uma condição positiva se você está exausto e esgotado?

Por que é aconselhável romper o ciclo do burnout por preocupação

Recusar-se a se preocupar pode ser um impulso protetor, disseram especialistas –um mecanismo de enfrentamento para proteger nossa mente contra estresse adicional. Mas quando estamos tão exaustos que deixamos de dar importância às medidas que podem afastar o vírus, nós nos colocamos em risco.

As pessoas em estado de estresse crônico ficam desanimadas e adotam atitude contestadora, disse Angela Neal-Barnett, professora de psicologia na Kent State University e autora de "Soothe Your Nerves: The Black Woman’s Guide to Understanding and Overcoming Anxiety, Panic and Fear" (Acalme seus nervos: guia da mulher negra à compreensão e superação da ansiedade, do pânico e do medo).

"As pessoas dizem: ‘Não tem mais importância para mim’. Quando você chega a esse nível é sinal de que está sobrecarregada, de que se sente impotente, desesperançada. Você diz: ‘Faça o que você quiser, para mim tanto faz.’"

Essa apatia pode afetar a saúde pública em escala global. A Organização Mundial de Saúde divulgou no ano passado um documento em que citou a "fadiga da pandemia" como um dos grandes obstáculos a que as pessoas cumpram as medidas de precaução contra a Covid.

Em janeiro deste ano, pesquisadores descobriram que, à medida que a pandemia se prolongava, diminuía a adesão das pessoas às medidas de distanciamento social.

Identifique os sinais de burnout por preocupação:

Você evita o noticiário: Segundo a dra. Gallagher, você talvez sinta que não aguenta ler mais uma única manchete tenebrosa ou ouvir mais uma notícia recente sobre o vírus. Ela própria sentiu isso há pouco quando se deparou com um jornal na TV e mudou de canal imediatamente. "Pensei: ‘Prefiro ver alguma reprise de Seinfeld’."

Você se sente entorpecido: O burnout por preocupação pode estar associado ao que os psicólogos descrevem como "impotência aprendida" –um senso de impotência avassaladora depois de a pessoa sofrer um trauma, disse o dr. Judson Brewer, professor adjunto na Brown University e autor de "Unwinding Anxiety: New Science Shows How to Break the Cycles of Worry and Fear to Heal Your Mind" (Desfazendo a ansiedade: descobertas científicas novas mostram como romper o ciclo de preocupação e medo para curar sua mente).

Nos primeiros tempos da pandemia o estresse pode nos ter impelido a buscar soluções para tornar o lockdown mais tolerável, mas agora, disse ele, muitos de nós já descobrimos que não conseguimos controlar muita coisa exceto nosso comportamento individual.

A necessidade de enfrentar essa incerteza incessante nos leva a questionar, consciente ou subconscientemente, de que adianta se importar e por que deveríamos nos dar ao trabalho de prestar atenção às notícias, para começo de conversa. Esse entorpecimento emocional também é visto em vítimas de desastres naturais e em profissionais de saúde.

Você está cansado o tempo todo: Após um período intenso de ansiedade, disse a dra. Newman, as pessoas frequentemente se sentem deprimidas e exauridas. Quer a origem da preocupação seja um desastre global ou o estresse cotidiano em relação ao trabalho ou à família, a ansiedade nos leva a ficar constantemente atentos para possíveis ameaças, até chegarmos ao ponto da exaustão.

Você está sem esperança: As pessoas acham que fizeram "tudo corretamente" na pandemia, disse a dra. Neal-Barnett –praticaram distanciamento social durante meses, se vacinaram, seguiram as orientações oficiais–, mas mesmo assim se veem presas em um desastre que transcorre lentamente. "Você se flagra pensando cada vez mais negativamente", ela disse.

Você sente mais raiva que de costume: A raiva também pode aparecer quando estamos emocionalmente exaustos, disse Neal-Barnett. Podemos nos irritar mais facilmente ou ficar mais impacientes.

Montar um plano de ação pode ajudar para ficarmos descansados e restaurados. O plano pode envolver conversar com um terapeuta, encontrar amigos em situações seguras ou reservar momentos para buscar paz e atenção plena.

"Acabou-se o tempo em que ficávamos apenas tentando suportar o cansaço", disse Neal-Barnett. "Continuar assim não nos beneficia mais."

Especialistas sugerem iniciar uma prática de meditação, mesmo que seja apenas alguns minutos por dia, para voltar a entrar em contato com nossas emoções e nos sentirmos presentes no momento.

Se você está com burnout por preocupação, procure seguir os passos básicos de uma rotina diária saudável, sugeriu Sen –uma boa noite de sono, um plano alimentar balanceado, exercício físico regular— e preste atenção aos elementos de sua vida que recarregam sua energia.

Se você ainda assim volta a se preocupar sempre, disse ela, a melhor coisa a fazer é tentar romper esse ciclo assim que possível e buscar atividades e rotinas que o ajudem a se descontrair.

"Muitas pessoas acreditam num mito de que preocupar-se é benéfico de alguma maneira, mas não é", ela disse.

Tradução de Clara Allain

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