Descrição de chapéu Coronavírus

Vacinar crianças é necessário, ainda que riscos da Covid sejam baixos, alertam médicos

Estudos sobre complicações e sequelas apontam que tratamento melhorou durante a pandemia, mas problemas não estão descartados

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Maayan Lubell
Jerusalém | Reuters

Um mês depois que seu filho, Eran, se recuperou de um caso moderado de Covid, Sara Bittan levou o menino de três anos às pressas ao pronto-socorro. Ele tinha febre alta, urticária, os olhos e o abdômen inchados e vermelhos, dor de estômago e chorava de dor.

Finalmente diagnosticado com a rara síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), Eran foi hospitalizado em outubro durante uma semana e se recuperou totalmente, segundo Bittan.

"É importante para mim dizer aos pais e mães do mundo todo que existe um risco. Eles devem saber", disse a mãe. "Eran sofreu muito, e eu sofri com ele."

Eran é um garoto israelense que foi diagnosticado com a rara síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) - Corinna Kern/Reuters

Com dois anos de pandemia de Covid-19, os médicos do mundo todo estão aprendendo mais sobre como a doença impacta as crianças.

Enquanto casos de doença severa e morte continuam muito mais raros entre pacientes pediátricos do que em adultos, dezenas de milhares de crianças podem ter de lutar com suas consequências. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês) dos Estados Unidos cita a Covid-19 como uma das dez principais causas de mortes entre crianças de 5 a 11 anos.

Uma porcentagem muito pequena pode sofrer complicações graves, como a SIM-P, que afeta menos de 0,1% das crianças infectadas. A Covid longa –a persistência de sintomas semanas ou meses após a infecção– afeta crianças assim como adultos.

Um número crescente de países está oferecendo a crianças pequenas a vacina contra Covid. A União Europeia iniciará uma campanha para inocular crianças de 5 a 11 anos na próxima semana, enquanto um movimento de vacinação semelhante nos EUA, que começou em novembro, parece estar perdendo o ímpeto.

No Brasil, a imunização desse grupo ainda não foi autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A agência reguladora recebeu, em novembro, pedido da Pfizer para a liberação da vacina para crianças de 5 a 11 anos. Até o momento, o produto só está permitido no país para o grupo de 12 a 17 anos.

Os médicos esperam que o conhecimento que adquiriram não apenas aperfeiçoe o tratamento, mas também ajude os pais a compreenderem os riscos da Covid quando pensarem se vão vacinar seus filhos.

"A Covid longa e a SIM-P são uma consideração importante para se vacinar", disse Liat Ashkenazi-Hoffnung, que dirige a clínica pós-coronavírus no Centro Médico Infantil Schneider, de Israel.

A SIM-P, que normalmente ocorre algumas semanas após a infecção pelo coronavírus, é causada pelo sistema imunológico que de repente entra em super-reação, criando uma inflamação no coração, nos pulmões, nos rins, no cérebro e nos órgãos gastrointestinais. As crianças afetadas podem passar até duas semanas no hospital, algumas exigindo cuidados intensivos.

O CDC registrou cerca de 6.000 casos de SIM-P nos EUA, incluindo 52 mortes. A síndrome tem prevalência estimada em aproximadamente 3 casos em cada 10.000 crianças, de acordo com Audrey Dionne, do Hospital Infantil de Boston, quase o mesmo número de certas estatísticas europeias e da estimativa israelense, de 1 em cada 3.500 crianças infectadas e uma taxa de mortalidade de 1% a 2%.

O Ministério da Saúde de Singapura cita 6 casos de SIM-P entre mais de 8.000 casos pediátricos de Covid-19.

'MUITO DESANIMADOS'

Os médicos dizem que aprenderam a tratar melhor a doença, e a maioria das crianças se recupera. Estudos do Reino Unido que observaram crianças seis meses e um ano após a SIM-P mostram que a maioria dos problemas foi resolvida.

"As crianças da segunda onda e agora da terceira onda [da Covid-19] estão se beneficiando com as informações da primeira onda", disse Karyn Moshal, especialista em doenças infecciosas pediátricas do Great Ormond Street Hospital, de Londres.

Uma avaliação de seis meses por Moshal e colegas publicada na Lancet encontrou raros danos a órgãos em crianças que foram hospitalizadas com SIM-P. Sintomas incluindo fadiga mental e fraqueza física geralmente persistiam, mas se resolviam com o tempo.

"Elas se cansam mais rapidamente. Portanto, a atividade escolar é afetada, porque só conseguem se concentrar por um período menor de tempo", disse Moshal. "Entender isso é importante tanto para as famílias quanto para os jovens, porque eles podem ficar muito desanimados, e também para as escolas e professores entenderem como lidar com isso."

Profissional da saúde conversa com mãe de menina que sofre com Covid longa em hospital israelense - Corinna Kern/Reuters

Vários estudos no Reino Unido e nos Estados Unidos descobriram que a SIM-P tem maior probabilidade de afetar crianças negras, hispânicas e asiáticas, embora as razões disso ainda sejam desconhecidas.

Identificar a Covid longa em crianças apresenta mais um desafio. Determinar sua prevalência depende de quais sintomas são observados e de quem as informações são coletadas –médicos, pais ou as próprias crianças–, disse Ashkenazi-Hoffnung.

Estimativas cautelosas indicam que cerca de 1% das crianças com coronavírus sofrerão Covid longa, disse Zachi Grossman, presidente da Associação Pediátrica de Israel.

Ashkenazi-Hoffnung afirmou que sua clínica tratou cerca de 200 crianças com Covid longa.

Ela acredita que isso seja provavelmente apenas a "ponta do iceberg" entre crianças e adolescentes previamente saudáveis, que meses após serem infectados apresentam sintomas como falta de ar, fadiga, dor no peito, dor de cabeça, tremor e tontura.

"Isso pode afetar drasticamente a qualidade de vida", disse ainda ela.

Ações simples como subir escadas, correr para pegar um ônibus ou simplesmente ficar em pé ou caminhar são intoleráveis, destacou Ashkenazi-Hoffnung. Algumas crianças desenvolveram sintomas semelhantes aos da asma ou perda auditiva, e algumas que andavam voltaram a engatinhar porque estavam muito cansadas e com dores.

A maioria das crianças se recupera com o tempo com a ajuda de fisioterapia e medicamentos, contou ela. Cerca de 20% ainda têm dificuldades.

Ashkenazi-Hoffnung e Moshal notaram um problema a mais em crianças que sofreram SIM-P ou Covid longa –uma sensação de estigma e vergonha.

"Fiquei bastante chocada com isso", disse Moshal. "Você não pode atribuir culpa ou vergonha por alguém estar infectado com uma doença."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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