Descrição de chapéu The New York Times

Por que o álcool atrapalha meu sono?

Bebida perturba a chamada arquitetura do sono, fazendo a pessoa acordar diversas vezes

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Amelia Nierenberg
The New York Times

Um par de taças de vinho ou alguns coquetéis à noite provavelmente farão com que você caia no sono mais rápido do que costuma. Quem é que nunca deixou a louça para lavar na manhã seguinte ou decidiu negligenciar a rotina de cuidar da pele depois de um jantar com amigos ou uma noitada festiva?

Mas mesmo que você seja uma das pessoas que embarcam facilmente para o mundo dos sonhos, há uma boa probabilidade de que consumir álcool demais venha a causar uma noite de sono irrequieto. Isso acontece porque o álcool perturba a chamada arquitetura do sono, as fases normais de sono mais profundo e mais leve pelas quais passamos a cada noite. Uma noite de bebedeira pode "fragmentar" ou interromper esses padrões, dizem os especialistas, e levar uma pessoa a acordar diversas vezes durante a noite, ao ricochetear entre os estágios do sono.

"Na segunda metade da noite você paga por ter bebido", disse a médica Jennifer Martin, professora de medicina e psicóloga na Universidade da Califórnia em Los Angeles. O álcool "inicialmente tem efeito sedativo, mas ao ser metabolizado se torna um forte ativador".

Há uma boa probabilidade de que consumir álcool demais venha a causar uma noite de sono irrequieto - Hannah Beier - 23.mar.2020/Reuters

Eis como o ciclo acontece. Na primeira metade da noite, quando níveis ainda elevados de álcool estão circulando na corrente sanguínea, a pessoa provavelmente dormirá de modo profundo e sem sonhos. Um motivo é que, no cérebro, o álcool age sobre o ácido gama-aminobutírico, ou GABA, um neurotransmissor que inibe os impulsos entre as células nervosas e tem efeito calmante. O álcool também pode suprimir o somo REM (Movimento Rápido dos Olhos), o período do sono em que a maior parte dos sonhos ocorre.

Mais tarde na noite, à medida que o teor de álcool cai, o cérebro entra em operação acelerada. A pessoa pode se debater na cama, e seu corpo passa por uma excitação causada pela queda do teor alcoólico. "À medida que o nível [de álcool] cai, a pessoa enfrenta mais problemas de fragmentação", disse a médica R. Nisha Aurora, que faz parte do conselho de diretores da Academia Americana de Medicina do Sono. É provável também que a pessoa tenha sonhos mais vívidos ou estressantes, e –porque um sono agitado significa que ela acorda mais vezes durante a noite– a probabilidade de que se lembre do que sonhou é maior.

O álcool também é um diurético, ou seja, aumenta a produção de urina, o que significa que cresce a probabilidade de que a pessoa precise se levantar para ir ao banheiro. "Vai ser preciso urinar mais vezes", disse o médico Bhanu Prakash Kolla, professor associado de psiquiatria e consultor do Centro de Medicina do Sono na Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota. "Quantidades moderadas de álcool, especialmente vinho e bebidas destiladas, têm efeito diurético rápido, especialmente sobre os idosos", ele acrescentou. Não está claro se é a necessidade de urinar que faz com que a pessoa acorde ou se ela está simplesmente mais sincronizada com seu corpo na segunda metade da noite por estar dormindo de modo mais agitado.

As pessoas também podem roncar mais quando bebem. O álcool é um relaxante muscular e relaxa os músculos da porção superior das vias respiratórias, perturbando a respiração normal. Beber pode ser especialmente perigoso para pessoas com apneia do sono obstrutiva, que acordam muitas vezes durante a noite porque suas vias respiratórias passam por colapsos momentâneos.

A maioria dos especialistas concordam que o álcool desordena o sono não importa a idade ou sexo da pessoa que o tenha consumido. E porque o álcool deprime o sistema nervoso central, os especialistas acautelam contra usá-lo quando a pessoa também usa medicamentos para ajudar a dormir como Ambien, Tylenol PM e Benadryl, ou até suplementos como a melatonina.

"O álcool é um sedativo", disse a médica Ilene Rosen, especialista em medicina do sono e professora associada de medicina na Escola Perelman de Medicina, Universidade da Pensilvânia. "Eu não recomendaria usar qualquer sedativo hipnótico, vendido com ou sem receita, quando a pessoa está consumindo álcool."

Algumas pessoas escolhem beber perto da hora de dormir porque isso as ajuda a cair no sono. Mas a prática pode dar início a um ciclo perigoso de sono mais fragmentado, seguido por consumo de álcool mais pesado. "Vejo muita gente que se automedica para combater a insônia, e essa certamente não é uma boa prática", disse a médica Sabra Abbott, professora assistente de neurologia aplicada à medicina do sono na Escola Feinberg de Medicina, Universidade Northwestern. Beber regularmente a cada noite pode estabelecer padrões preocupantes e existe a possibilidade de que estes persistam mesmo depois que a pessoa pare de beber, dizem Abbott e outros especialistas.

Para ajudar a avaliar de que maneira o álcool pode estar afetando o seu sono, especialistas recomendam um período de reajuste com consumo zero de álcool ou, nas palavras de Martin, um período de "férias do álcool", com duração de pelo menos duas semanas. "Observar até que ponto o álcool afeta o seu sono pode ser uma revelação", ela disse. Muita gente que acredita ter insônia, afirmou Martin, na verdade pode simplesmente estar bebendo demais perto da hora de dormir.

"O que acontece é que, se não beberem, as pessoas dormem muito melhor", disse Martin, que também é porta-voz da da Academia Americana de Medicina do Sono. Depois das "férias", ela disse, "a pessoa pode tomar uma decisão mais informada sobre com que frequência –e em que quantidade– consumir álcool".

Especialistas também sugerem criar um intervalo de pelo menos algumas horas entre beber álcool e ir dormir. Um drinque antes de dormir não ajuda. "Tomar uma taça de vinho no jantar, quatro horas antes de ir dormir, provavelmente não atrapalha", disse Abbott. Mas o melhor talvez seja limitar o consumo de álcool ao happy hour, ou bebê-lo para acompanhar os aperitivos antes do jantar.

O álcool também pode interferir com a rotina matinal. "As pessoas podem recorrer a estimulantes", como a cafeína, e beber café até o meio da tarde, disse Armeen Poor, médico especializado em emergências e problemas pulmonares no Metropolitan Hospital Center de Nova York e professor assistente de medicina clínica no New York Medical College.

"Isso torna mais difícil pegar no sono à noite", ele disse, "e faz com que a pessoa precise mais daquele sedativo, o que cria um ciclo que se repete interminavelmente".

Tradução de Paulo Migliacci

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