Descrição de chapéu The New York Times AIDS

Mulher se cura do HIV após tratamento inovador com células-tronco

Cientistas usaram método inédito de transplante envolvendo sangue do cordão umbilical

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The New York Times

Uma mulher não branca parece ser a terceira pessoa no mundo a ter sido curada do HIV. Isso foi conseguido com um novo método de transplante envolvendo sangue do cordão umbilical, algo que abre a possibilidade de curar mais pessoas de origem racial diversa do que era possível até agora, anunciaram cientistas nesta terça-feira (15).

O sangue umbilical é mais amplamente disponível que as células-tronco adultas usadas nos transplantes de medula óssea que curaram os dois pacientes anteriores.

Além disso, não requer uma compatibilidade tão exata com o receptor. A maioria dos doadores nos registros é de origem caucasiana. Assim, disseram cientistas, o fato de que o transplante pode funcionar mesmo com uma compatibilidade apenas parcial traz o potencial de curar dezenas de americanos por ano que têm tanto HIV quanto câncer.

A paciente, que também tinha leucemia, recebeu sangue umbilical para tratar seu câncer. O sangue veio de um doador parcialmente compatível, em lugar da prática mais comum de usar um doador de medula óssea de raça e etnia semelhantes aos do paciente.

Ela também recebeu sangue de uma parente próxima, para conferir defesas imunes temporárias a seu corpo enquanto o transplante fazia efeito.

Profissional da saúde faz testes para detectar HIV em Caracas, na Venezuela - Yuri Cortez - 3.dez.2021/AFP

Pesquisadores apresentaram alguns dos detalhes do novo caso na terça na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, em Denver.

O sexo e a origem racial da nova paciente assinalam um avanço importante no desenvolvimento de uma cura do HIV, disseram os cientistas.

"O fato de ela ser mestiça e de ser mulher é realmente importante em termos científicos e do impacto sobre a comunidade", disse Steven Deeks, especialista em Aids na Universidade da Califórnia em San Francisco, que não participou do trabalho.

Acredita-se que a infecção com HIV progrida diferentemente nas mulheres que nos homens. Contudo, apesar de mulheres representarem mais de metade dos casos de HIV no mundo, apenas 11% dos participantes em ensaios de curas são mulheres.

Deeks disse, porém, que não prevê que a nova abordagem se torne comum. "Trata-se de oferecer inspiração e possivelmente um mapa do caminho", ele observou.

Drogas antirretrovirais fortes podem controlar o HIV, mas uma cura é crucial para encerrar a pandemia que já dura décadas. Quase 38 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV e cerca de 73% delas recebem tratamento.

Um transplante de medula óssea não é uma opção realista para a maioria dos pacientes. Esses transplantes são altamente invasivos e arriscados, razão porque normalmente só são oferecidos a pessoas com câncer que já esgotaram todas as outras opções.

Imagem de glóbulo branco infectado com o HIV
Imagem de glóbulo branco infectado com o HIV - National Institutes of Health/AFP

Até hoje houve apenas dois casos conhecidos de pessoas que se curaram do HIV. Timothy Ray Brown, descrito como "o paciente de Berlim", passou 12 anos livre do vírus, até morrer de câncer em 2020. Em 2019 outro paciente, identificado posteriormente como Adam Castillejo, teria sido curado de HIV, confirmando que o caso de Brown não foi um simples golpe de sorte.

Os dois homens receberam transplantes de medula óssea de doadores portadores de uma mutação que bloqueia a infecção por HIV. A mutação foi identificada até hoje em apenas cerca de 20 mil doadores, a maioria dos quais de origem norte-europeia.

Nos casos anteriores, como os transplantes de medula óssea substituíram seu sistema imunológico inteiro, os dois pacientes sofreram efeitos colaterais pesados, incluindo uma reação do enxerto contra o hospedeiro, em que as células do doador atacam o corpo do receptor. Brown quase morreu depois do transplante. O tratamento de Castillejo foi menos intenso, mas no ano seguinte ao transplante ele perdeu quase 32 quilos, desenvolveu perda auditiva e sobreviveu a infecções múltiplas, segundo seus médicos.

Contrastando com isso, a mulher no caso mais recente recebeu alta hospitalar 17 dias após o transplante e não apresentou uma reação do enxerto contra o hospedeiro, segundo a dra. JingMei Hsu, sua médica na Weill Cornell Medicine. Segundo Hsu, a combinação de sangue umbilical e as células de sua parente pode lhe ter poupado de muitos dos efeitos colaterais brutais de um transplante comum de medula óssea.

"Pensava-se antes que a reação do enxerto contra o hospedeiro pudesse ser uma razão importante da cura do HIV nos casos anteriores", comentou a dra. Sharon Lewin, presidente eleita da International Aids Society e não envolvida no trabalho. Para ela, os novos resultados derrubam essa ideia.

A paciente, que já passou da meia-idade (ela não quis revelar sua idade exata para proteger sua privacidade), recebeu o diagnóstico de HIV em junho de 2013. Medicamentos antirretrovirais mantiveram seus níveis do vírus baixos. Em março de 2017 ela recebeu o diagnóstico de leucemia mieloide aguda.

Em agosto do mesmo ano ela recebeu sangue umbilical de um doador com a mutação que bloqueia a entrada do HIV nas células. Mas as células de sangue umbilical podem levar cerca de seis semanas para se fixarem, razão por que ela também recebeu células-tronco sanguíneas parcialmente compatíveis de um parente de primeiro grau.

As células haplóides –células de um parente que coincidem com a metade dos seus cromossomos– reforçaram o sistema imunológico da paciente até que as células sanguíneas umbilicais se tornaram dominantes, reduzindo em muito o risco do transplante, disse Marshall Glesby, especialista em doenças infecciosas da Weill Cornell Medicine, em Nova York, e membro da equipe de pesquisadores.

"O transplante recebido da parente é como uma ponte que levou a paciente até o ponto em que o sangue umbilical pôde assumir o controle", ele disse.

A paciente optou por suspender o tratamento antirretroviral 37 meses após o transplante. Hoje, mais de 14 meses mais tarde, seus exames de sangue ainda não revelam sinais de HIV, e ela não parece possuir anticorpos detectáveis ao vírus.

Garota participa de campanha pela prevenção contra a Aids, em Calcutá, na Índia - Rupak De Chowdhuri - 1º.dez.2021/Reuters

Os especialistas disseram que não está claro exatamente por que as células-tronco do sangue umbilical parecem funcionar tão bem. Uma possibilidade é que seriam mais capazes de adaptar-se a um ambiente novo, disse Koen Van Besien, diretor do serviço de transplantes na Weill Cornell.

"São recém-nascidos –são mais adaptáveis", afirmou.

É possível também que o sangue umbilical contenha elementos além das células-tronco que ajudam o transplante a funcionar.

"As células-tronco umbilicais são atraentes", disse Deeks. "Há algo mágico nessas células e possivelmente algo mágico no sangue umbilical em geral que traz um benefício adicional."

Tradução de Clara Allain

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