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UBS Fluvial viabiliza vacinação contra a Covid na Ilha de Marajó

Imunizantes que precisam de refrigeração não chegariam aos ribeirinhos sem a embarcação

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Curralinho (PA)

A embarcação equipada com ambiente refrigerado, sala de vacinação, odontologia e pronto-atendimento viabiliza a vacinação contra a Covid-19 em locais que os postos de saúde tradicionais não alcançam.

Com nome de UBS Fluvial, o barco percorre as águas do rio Pará até chegar ao alto do rio Guajará, por exemplo, onde não haveria imunização contra a doença se não fosse assim.

O mesmo acontece no alto dos rios Canaticu e Piriá, também na Ilha de Marajó. O barco que funciona como uma unidade de saúde móvel viaja por horas para chegar às comunidades mais distantes de Curralinho (PA), onde fica ancorada quando não está navegando.

O barco conta com refrigeração, o que garante que vacinas que precisam ser armazenadas em baixas temperaturas, como a da Pfizer, consigam chegar a áreas distantes da cidade.

UBS Fluvial de Curralinho viabiliza vacinação contra a Covid-19 - Karime Xavier/Folhapress

O imunizante é o único recomendado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para crianças de 5 anos. Até a aprovação da Coronavac para crianças e adolescentes, foi também o único utilizado na campanha para o público de 12 a 17 anos. É também o recomendado de forma preferencial pelo Ministério da Saúde para as doses de reforço.

A rota da unidade prioriza os locais que não possuem refrigeração para levar as doses da Pfizer, uma vez que os outros imunizantes podem chegar às comunidades em embarcações convencionais, conta José Raimundo Farias, secretário municipal da Saúde.

"Como a gente está entrando em uma fase em que vai ficar muito com Pfizer, mesmo com toda a dificuldade a gente prefere ficar com ela porque o intervalo é menor", explica.

Para driblar a dependência desse imunizante na vacinação infantil, o município pretende utilizar a Coronavac para vacinar crianças nas regiões distantes da cidade. Assim, os agentes de saúde conseguem levar as vacinas até o alto dos rios sem depender de refrigeração, o que torna a unidade dispensável e aumenta a agilidade da campanha.

A coordenadora de Vigilância em Saúde do município, Danieli Matos, explica que outro fator que influenciou a decisão foi a intensidade das reações adversas que cada vacina pode causar.

Por levarem horas para chegarem ao alto dos rios, os profissionais da saúde não conseguem permanecer nas comunidades para acompanhar possíveis reações e, por isso, precisam dar preferência aos imunizantes que apresentam menos efeitos colaterais.

"Com a Coronavac, a reação adversa é mais branda então nós vamos priorizar [para] as crianças rurais. Se fôssemos continuar apenas com Pfizer, também seria mais difícil pelas reações adversas", explica.

A UBS fica ancorada em escolas e locais aos quais os ribeirinhos conseguem chegar de barco para receber os imunizantes. Às vezes, o município ou a escola fretam embarcações para buscar os moradores.

Antes de sair da cidade, os agentes de saúde entram em contato com professores e líderes comunitários e religiosos e pedem ajuda para avisar os dias em que a vacina estará sendo aplicada. Além disso, a notícia é veiculada na Rádio São João FM, principal meio de comunicação em Curralinho.

A distância entre as casas dos ribeirinhos e as UBS tradicionais se tornou um impeditivo para a busca por atendimento médico. Nos chamados rabudinhos, barcos usados pelos ribeirinhos com um pequeno motor na popa, levam-se pelo menos oito horas de Curralinho até o alto do Rio Guajará, o local mais distante onde a unidade presta atendimento.

A UBS Fluvial faz viagens que duram quatro dias, sendo um de deslocamento e três de atendimento. Cada viagem custa em torno de R$ 30 mil, dinheiro que paga principalmente o combustível do barco e alimentação dos funcionários. Desde o início da vacinação, os esforços estão concentrados na imunização contra a Covid-19, mas a cada saída a equipe leva ao menos uma especialidade para aproveitar melhor a viagem.

A unidade possui um barco menor que atua como um braço nos atendimentos domiciliares. Nos afluentes dos rios onde a UBS não passa devido ao tamanho ou nível da água, a voadeira (uma espécie de lancha) leva os agentes de saúde de saúde para fazer os atendimentos.

Maria Santana Melo de Souza, 98, depende do atendimento domiciliar para tomar as vacinas contra a Covid-19. Cega em decorrência de um glaucoma, não sai mais de sua casa há alguns anos.

Em uma tarde do início de dezembro do último ano, as agentes de saúde Maria Alves Borges e Nathasha Miranda foram até sua residência aplicar o reforço do imunizante. Mesmo com ajuda de familiares, Dona Santana não conseguiria chegar até a UBS em Curralinho, devido sua dificuldade de locomoção.

Idalvina Correia, 86, também precisa da visita dos agentes de saúde para tomar as vacinas e para os atendimentos básicos. Naquela tarde, Borges e Miranda foram até sua casa, às margens do rio Pará, para administrar a terceira dose da vacina.

Como estava tomando um corticoide, ela não pôde receber o imunizante. A viagem, porém, não foi perdida.

Miranda aproveitou para aplicar a vacina contra a gripe, que também estava atrasada. Por não ter embarcação para ir até a cidade e ter dificuldade para andar devido a uma fratura na bacia, sem o atendimento domiciliar Dona Idalvina não conseguiria receber os imunizantes.

Até agora, 73,5% da população de Curralinho já recebeu as duas doses da vacina contra a Covid-19. O imunizante mais aplicado no município é o da Pfizer, com cerca de 5,1 milhões de doses. Entre a população ribeirinha, a porcentagem daqueles que já receberam a segunda dose é de 99,8%, e a dose de reforço é de 2,9%, segundo dados da Secretaria de Saúde Pública do Governo do Estado do Pará.

Michele Rocha El Kadri, pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, afirma que a UBS Fluvial representa uma política pensada exclusivamente para a região amazônica, entendendo que os rios não são uma barreira para o acesso à saúde, mas sim uma conexão.

"A UBS traz essa marca de superarmos o discurso da Amazônia como um lugar muito complexo, como um lugar da falta, como um grande vazio. Mostra que é um território diferente e que precisa de políticas e ações específicas para esse território", diz a pesquisadora.

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