Descrição de chapéu Coronavírus

Cidade com maior lote de cloroquina de Trump tenta devolver estoque à Saúde

Joinville (SC) guarda 130,5 mil de 160 mil comprimidos recebidos; outras cidades também querem se livrar de lotes que vencem em outubro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O município de Joinville (SC) recebeu em setembro de 2020 a maior parcela da carga de hidroxicloroquina doada ao Brasil por Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos.

O plano era abastecer o "centro de tratamento precoce" local, mas 130,5 mil dos 160 mil comprimidos entregues em setembro de 2020 seguem encalhados. A prefeitura tenta devolver o estoque ao Ministério da Saúde.

Bolsonaro segura caixa no alto da cabeça com braços esticados, ao fundo, atrás de grade de proteção, população acompanha a cena
Jair Bolsonaro mostra caixa de cloroquina a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, em 19 de julho de 2020 - Reprodução Facebook /Jair Bolsonaro

Apesar dos esforços do governo Jair Bolsonaro (PL) para promover o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid, Joinville não é a única cidade que pediu para receber a hidroxicloroquina e agora encara lotes sem uso, com validade até outubro.

Em janeiro de 2021, o recém-empossado prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), anunciou a flexibilização de restrições contra a Covid e decidiu apostar no kit Covid.

A capital gaúcha pediu e recebeu do governo Bolsonaro 24 mil unidades de cloroquina, entregou 10 comprimidos e suspendeu a oferta após uma decisão da Justiça. Mais de um ano depois, a prefeitura segue com o estoque e afirma tentar devolver a droga à Saúde.

O Ministério da Saúde disse à reportagem que orienta municípios a procurarem os governos estaduais para repassar a hidroxicloroquina para o tratamento de doenças previstas na bula, como lúpus e artrite reumatoide.

O governo dos EUA enviou 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina ao Brasil após esforço diplomático da gestão Bolsonaro. A droga começou a chegar em junho de 2020 e se tornou aposta do presidente para combater a pandemia até o fim daquele ano.

No período anterior da crise sanitária, o governo havia despejado no SUS a cloroquina (medicamento de efeito parecido, mas composição diferente) feita no Laboratório do Exército ou desviada do programa de malária.

O Ministério da Saúde ficou com 2 milhões de doses da carga doada pelos EUA. Deste volume, entregou 600 mil a estados e municípios que pediram a droga contra a Covid e, sem novas demandas ligadas à pandemia, teve de destinar 1,4 milhão para doenças previstas em bula.

Como mostrou a Folha, o Exército, que teve 1 milhão de doses, ainda guarda 745 mil unidades. O resto havia sido enviado a hospitais militares para combater a Covid-19.

Depois de Joinville, o governo do Amazonas (120 mil unidades) e a cidade paulista Presidente Prudente (100 mil) receberam os maiores lotes da hidroxicloroquina doada por Trump. Procurados, os governos locais não informaram se ainda há estoque da droga.

O quarto maior lote, de 63 mil unidades, foi dado a Lages (SC), que disse ainda ter 57 mil doses. "Já solicitamos a devolução ao ministério, porém ainda não obtivemos um retorno", disse a Secretaria de Saúde do município, em nota.

O Grupo Hospitalar Conceição recebeu 19,5 mil unidades desta hidroxicloroquina, em setembro de 2020. O órgão ligado ao Ministério da Saúde que administra hospitais no RS afirma que não guarda mais este estoque: 8.000 unidades foram enviadas para o governo da Paraíba e 8.500 ao Rio de Janeiro.

Em janeiro de 2021, após ser criticado por levar drogas sem eficácia ao Amazonas, quando o estado entrava em colapso por falta de oxigênio, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello passou a afirmar que jamais estimulou o uso desses medicamentos.

O governo de Joinville afirma desde março de 2021 que tenta devolver a droga à Saúde.

O último lote da hidroxicloroquina doada pelos EUA foi distribuído pelo ministério contra a Covid-19 em abril de 2021, para Presidente Prudente (SP). Depois, a pasta apenas entregou a droga para outras doenças.

Mesmo encerrando a disseminação do kit Covid no SUS, o governo posterga a aprovação de diretrizes de tratamento da pandemia que contraindicam estes medicamentos.

Em janeiro, a Saúde barrou a proposta de diretriz elaborada por especialistas e aprovada pela (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), ainda argumentou, em nota técnica, que a hidroxicloroquina funciona e a vacina, não.

Está nas mãos do ministro Marcelo Queiroga um pedido para rever esta decisão e aprovar a diretriz. O governo teme ainda abrir margem para contestações sobre as ações adotadas na pandemia, caso este texto seja aceito.

A carga enviada pelos EUA chegou ao Brasil dividida em tubos com 100 comprimidos. O governo precisou de aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para fracionar a droga em caixas menores e repassou o custo da operação aos estados e municípios que pedissem os medicamentos.

A distribuição dos medicamentos ainda virou alvo de apurações de órgãos de controle, MPF (Ministério Público Federal) e de ações no STF (Supremo Tribunal Federal). O estímulo ao kit Covid foi citado em pedidos de indiciamento feitos pela CPI da Covid no Senado. Para fugir de punições, o governo Bolsonaro também modulou o discurso.

HIDROXICLOROQUINA DE TRUMP ENCALHA NO BRASIL

EUA doaram 3 milhões de unidades; municípios tentam devolver lotes e Saúde passou a entregar drogas a outras doenças

  • Ministério da Saúde recebeu 2 milhões de unidades e entregou 600 mil para Covid. Sem novas demandas, destinou 1,4 milhão de doses a doenças como lúpus e artrite reumatoide
  • Joinville (SC), recebeu 160,5 mil doses, maior lote enviado pela Saúde para combate à Covid, e ainda guarda 130,5 mil; outros municípios, como Porto Alegre (RS) e Lages (SC) também tentam devolver o estoque que vence em outubro
  • Exército recebeu 1 milhão de comprimidos, mandou cerca de 225 mil a hospitais militares para a pandemia e estoca outras 775 mil unidades
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.