Descrição de chapéu Coronavírus

Por que a OMS quase deixou de declarar 'pandemia' há dois anos

Na escala da entidade, o termo não existe; situação foi classificada, em janeiro de 2020, como 'emergência de saúde pública de alcance internacional'

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Genebra (Suíça) e São Paulo | AFP

Há dois anos, em 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) qualificava a Covid-19 como pandemia e instava os Estados a tomar as medidas necessárias.

Esse termo não existe na classificação de etapas de uma epidemia da OMS, porém, seu uso provocou barulho logo no começo da pandemia.

Dois anos e 6 milhões de mortos depois, a OMS afirma que lançou o alerta de emergência de preocupação internacional seis semanas antes da decretação oficial de pandemia, no entanto, poucas pessoas a escutaram, diz a entidade.

Tedros coloca uma mão no peito enquanto discursa
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus - 20.dez.2021 - Denis Balibouse/Reuters

Foi em 30 de janeiro de 2020. A agência sanitária das Nações Unidas declarou que a situação era de "emergência de saúde pública de alcance internacional" (PHEIC, em inglês). Fora da China, ninguém havia morrido pelo coronavírus e havia menos de cem infecções.

Apesar de ser o máximo nível de alerta possível segundo o Regulamento Sanitário Internacional da OMS, PHEIC resultava em um conceito excessivamente técnico. Além do mais, esse acrônimo tem a sonoridade igual a da palavra inglesa "fake" (falso).

Foi então somente no dia 11 de março que muitos países começaram a se dar conta do perigo de verdade. Um atraso que, segundo membros da OMS, causou desconforto.

"O mundo estava obcecado com a palavra pandemia", afirmou o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan. Para ele, "o alerta lançado em janeiro era mais importante que o qualificativo de março".

"O que prefere? Que o alerta o diga que acaba de começar ou que uma tormenta se avizinha?", explicou durante uma seção de perguntas nas redes sociais na quinta-feira (10). "As pessoas não escutavam. Demos o alarme e as pessoas não reagiram."

Os membros da OMS não só se dizem frustrados com a falta de reação dos países, como também afirmam ter tido que lidar com as críticas de terem gerido mal a crise.

"Desde a mídia, e em todas as partes, usam esse argumento, que a OMS teria demorado muito para declarar a pandemia. É falso!", defendeu-se Ryan. "Advertimos todo o mundo da iminência da pandemia."

Em 11 de março de 2020, "estávamos tão frustrados que dissemos: Ok, querem pandemia? Aqui está a sua pandemia!".

Nesse dia, o coronavírus já estava presente em vários países, além da China, e sobretudo, na Itália e no Irã. No total, haviam sido declarados 118 mil casos em 114 países com 4.300 mortos.

Antes, em 9 de março, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanon Ghebreyesus, havia alertado que "a ameaça de uma pandemia" se tornara "muito real".

Dois dias depois, qualificou a situação como uma "pandemia" durante uma coletiva de imprensa transmitida pela internet. A palavra "pandemia" foi utilizada por ele dez vezes naquela ocasião.

"Estamos profundamente preocupados, tanto pelos níveis alarmantes de propagação e gravidade como pelos níveis de inação", discursou. "Assim consideramos que a Covid-19 pode ser qualificada como pandemia."

Dois anos depois, Maria Van Kerkhove, responsável pela luta contra a Covid-19 na OMS, não esconde sua frustração pelo que considera como erro de interpretação dos países.

"Voltará a acontecer! Quando aprenderemos realmente?", afirmou durante a roda de perguntas nas redes sociais.

Apesar das falas, em alguns momentos durante o mês de fevereiro de 2020, os representantes da OMS foram diretamente questionados por jornalistas sobre a proximidade do cenário de uma pandemia e os riscos do momento. Ao mesmo tempo em que afastavam a ideia de decretar a pandemia naquele momento, tentavam alertar que era necessário se preparar.

Em 21 de fevereiro, por exemplo, um repórter da Associated Press questionou os membros da OMS sobre clusters de casos distantes da China e sobre o significado disso para aquela fase do surto da Covid. "Estamos chegando perto de uma pandemia?", questionou.

Sylvie Briand, atualmente diretora do departamento de preparação e prevenção de epidemias e pandemias, afirmou que a situação estava evoluindo e que, de fato, tratava-se de uma fase muito diferente do surto "dependendo de onde você olhar".

"Mas, como disse o dr. Tedros, ainda temos essa janela de oportunidade porque achamos que, mesmo que
em alguns lugares tenhamos um grande número de casos, ainda podemos monitorar de onde eles estão vindo e o que está acontecendo. Portanto, precisamos continuar a monitorar a situação muito de perto até que possamos dizer que uma situação é completamente diferente", disse Briand.

Adhanon completou em seguida: "Então estamos mais perto da pandemia? Eu gostaria de garantir que estamos seguindo esse vírus 24/7".

"Então, continuaremos a acompanhar, mas enquanto falamos, nossa situação é que ainda estamos em uma fase em que a contenção é possível com uma janela de oportunidade estreita. Se houver alguma mudança para outro nível, anunciaremos o mais rápido possível, seremos os primeiros a dizer que estamos mudando para outro nível", afirmou o diretor-geral da OMS.

Três dias depois, em outra coletiva de imprensa, o assunto voltou a ser abordado. Naquele momento, já havia 2.074 casos em 28 países e 23 mortes (sem os dados da China aqui considerados). A Itália, o Irã e a Coreia do Sul viam casos crescentes, o que era considerado preocupante.

Adhanon comentou novamente sobre as especulações quanto ao nível pandêmico teria sido alcançado.

"Entendemos por que as pessoas fazem essa pergunta. A OMS, como você sabe, já declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional", disse, destacando que o maior nível de alerta foi soado quando havia cem casos fora da China e oitos casos de transmissão de pessoa para pessoa documentados.

"Nossa decisão se devemos usar a palavra pandemia para descrever uma epidemia é baseado em uma avaliação contínua da propagação geográfica do vírus, a gravidade da doença e o impacto que tem em toda a sociedade", afirmou o diretor da OMS.

"No momento, não estamos testemunhando a disseminação global incontida desse vírus e não estamos vendo doenças graves ou morte em maior escala. Esse vírus tem potencial pandêmico? Absolutamente tem. Já estamos lá? Pela nossa avaliação, ainda não."

Adhanon disse ainda que o uso da palavra pandemia não se enquadrava nos fatos do momento, mas que poderia provocar medo. Em seguida, afirmou que era o momento de foco e de se preparar para uma possível pandemia.

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