Covid pode encolher o cérebro, mostra novo estudo

Pesquisa constatou danos aos tecidos principalmente em áreas ligadas ao olfato

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pam Belluck
The New York Times

A Covid-19 pode provocar uma perda maior de matéria cinzenta e mais danos aos tecidos cerebrais do que os que ocorrem naturalmente em pessoas que não foram infectadas com o vírus, revelou um estudo novo e grande.

Publicado na segunda-feira (7) na revista Nature, acredita-se que o estudo seja o primeiro envolvendo pessoas que passaram por exames cerebrais tanto antes de contrair o Covid quanto meses depois.

Neurologistas não envolvidos na pesquisa a consideraram valiosa e singular, mas alertaram que as implicações das alterações observadas não são claras e não sugerem necessariamente que as pessoas possam sofrer danos duradouros nem que as alterações afetem profundamente o pensamento, a memória ou outras funções.

Imagem de cérebro humano feito com post-its rosa e amarelo
O Covid-19 pode provocar uma perda maior de matéria cinzenta e mais danos aos tecidos cerebrais - Folhapress

Realizado com pessoas de 51 a 81 anos de idade, o estudo constatou encolhimento e danos aos tecidos principalmente em áreas do cérebro ligadas ao olfato. Algumas dessas áreas, segundo os cientistas, também estão envolvidas em outras funções cerebrais.

"Para mim, isto é uma prova bastante convincente de que alguma coisa muda no cérebro deste grupo de pessoas devido à Covid", disse Serena Spudich, diretora de infecções neurológicas e neurologia global na Escola Yale de Medicina, que não participou do estudo.

Mas ela fez uma ressalva: "Acho que concluir que isso tem consequências clínicas de longo prazo para os pacientes seria ir longe demais. Não queremos assustar o público e levar as pessoas a pensar: 'Ó não, isto daqui comprova que todo o mundo vai sofrer danos cerebrais e não vai poder funcionar normalmente'".

O estudo envolveu 785 participantes do UK Biobank, um repositório de dados médicos e outros de meio milhão de pessoas no Reino Unido. Cada um dos participantes fez dois exames cerebrais de diagnóstico por imagem com cerca de três anos de intervalo, mais alguns testes cognitivos básicos. Entre os dois exames cerebrais, 401 dos participantes testaram positivo para o coronavírus. Todos foram infectados entre março de 2020 e abril de 2021.

Os outros 384 participantes formaram um grupo de controle porque não foram infectados pelo coronavírus e tinham características semelhantes aos pacientes infectados, em quesitos como idade, sexo, histórico médico e status socioeconômico.

No processo de envelhecimento normal, as pessoas perdem uma parcela minúscula de matéria cinzenta a cada ano. Por exemplo, nas regiões relacionadas à memória, a perda anual típica é de entre 0,2% e 0,3%, disseram os pesquisadores.

Mas os pacientes do estudo que tiveram Covid e fizeram o segundo exame cerebral de diagnóstico por imagem perderam mais que os não infectados, sofrendo entre 0,2% e 2% de perda adicional de matéria cinzenta em diferentes regiões cerebrais ao longo dos três anos entre um exame e outro. Também perderam mais volume cerebral total e mostraram mais danos aos tecidos em certas áreas.

"Achei surpreendente quanto foi perdido e quão generalizado isso é", disse Spudich, que estuda os efeitos neurológicos do Covid. "Eu não teria previsto uma alteração percentual tão grande."

Os efeitos podem ser especialmente notáveis porque o estudo envolveu principalmente pessoas que —como a maioria dos pacientes com Covid na população geral— foram apenas levemente afetadas pela infecção inicial com Covid, tanto que não precisam ser hospitalizadas.

A autora principal do estudo, Gwenaëlle Douaud, professora do departamento de neurociência clínica da Universidade de Oxford, disse que embora o número de pacientes do estudo que foram hospitalizados, 15, seja pequeno demais para proporcionar dados conclusivos, os resultados sugeriram que a atrofia cerebral que sofreram foi pior do que os pacientes que tiveram sintomas leves.

As pessoas que tiveram Covid também mostraram um declínio maior do que pessoas não infectadas em um teste cognitivo ligado à atenção e eficiência na realização de uma tarefa complexa.

Mas especialistas externos e Douaud notaram que os testes cognitivos aplicados foram rudimentares, de modo que o estudo é muito limitado quanto ao que pode apontar sobre se a perda de matéria cinzenta e os danos aos tecidos sofridos por pacientes de Covid afetaram suas habilidades cognitivas.

"Nenhum dos participantes fez testes cognitivos suficientemente completos para descobrir se apresentavam déficits significativos nas muitas regiões cerebrais onde foram encontradas essas mudanças de volume", disse o Dr. Benedict Michael, professor adjunto de infecções neurológicas na Universidade de Liverpool, que estuda os efeitos neuropsiquiátricos da Covid e não participou do estudo.

"Não sabemos se isso realmente significa alguma coisa para a qualidade de vida ou a função do paciente."

Tradução de Clara Allain.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.