Descrição de chapéu Coronavírus

Problemas no olfato e no paladar por Covid afetam pessoas ao redor do país

Em estudo, 30% das pessoas que foram infectadas relataram problemas mesmo 60 dias após o diagnóstico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A farmacêutica Vanessa Santos está com problemas no olfato e no paladar há mais de um ano, desde quando contraiu a Covid-19 pela primeira vez. "É muito [difícil] você não sentir cheiro de nada ou comer e não sentir gosto", afirma.

Para pessoas como ela, a medicina ainda não encontrou caminhos eficazes para reverter esse problema de saúde. No Brasil, pesquisadores realizam estudos para entender quanto esses sentidos são afetados pelo coronavírus e também desenvolvem tratamentos.

Uma mulher com um incenso próximo ao seu rosto.
Silvana Monteiro em sua casa na cidade de Sertãozinho, interior de São Paulo. Ela utiliza incenso como treinameto de olfato, uma das técnicas para recuperar o sentido perdido depois de pegar Covid-19 - Joel Silva - 10.dez.21/Folhapress

"A alteração de olfato ou paladar é um dos sintomas mais comuns relatados pelas pessoas que testaram positivo para Covid", afirma Marilia Mesenburg, pesquisadora do programa de pós-graduação em epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas.

Ela é uma das autoras de um estudo que analisou dados nacionais sobre a prevalência dos principais sintomas causados pela doença. Sobre modificações nas capacidades de sentir aromas ou sabores, foi visto que 56 a cada 100 pessoas cujo teste deu resultado positivo para coronavírus relataram alguma alteração.

Existem diferentes diagnósticos para mudanças no olfato. A anosmia é a perda total do sentido, e a hiposmia, a parcial. Quando o paciente troca os cheiros dos elementos, dá-se o nome de parosmia.

Problemas no paladar também têm algumas variações. A ageusia consiste em não ter mais o sentido gustativo, e a disgeusia é a complicação parcial do paladar.

Normalmente, alguém que é infectado pelo Sars-CoV-2 recupera os sentidos entre 2 e 3 semanas depois do início dos sintomas. Mas, às vezes, o caso se prolonga por mais tempo.

Um desses exemplos é o da aposentada Silvana Monteiro, que contraiu a Covid-19 em março do ano passado, apresentou problemas para sentir cheiro e sabor e não conseguiu retomar completamente os sentidos.

"O olfato até sinto alguma coisa, mas o paladar acho que está pior", afirma. Em relação ao sabor, ela diz que consegue diferenciar somente entre doce ou salgado de forma genérica. Quanto a cheiros, sente somente um pouco dos mais fortes, como vinagre.

Monteiro já recorreu a três tipos de tratamento: medicamentos, treinamento olfativo e aplicação de laser nas narinas e na língua feita por uma fonoaudióloga. No entanto, diz que ainda "está muito longe para [recuperar no mínimo] 80%" dos dois sentidos.

Normalmente, o uso de remédios e o treinamento já são suficientes para recuperar o olfato e o paladar, afirma Fabiana Cardoso, professora do departamento de oftalmologia, otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

O uso de drogas é indicado principalmente para diminuir uma inflamação chamada edema, que impede a chegada das moléculas que causam os cheiros à região dos neurônios olfativos. "Se eu tiver um nariz bloqueado por causa de uma infecção, eu não consigo fazer o odor chegar até [os nervos]", explica.

Já o treinamento tem a finalidade de exercitar a compreensão dos cheiros para que "o nariz se habitue novamente com as essências que ele já estava acostumado e tinha a referência".

Cardoso foi uma das pesquisadoras de um estudo que envolveu diferentes cidades do país para entender quanto tempo demorava para uma pessoa retomar o olfato, acompanhando sobretudo pacientes com problema depois de contraírem o Sars-CoV-2.

No total, 150 pacientes completaram a pesquisa que teve uma primeira triagem para avaliar a perda do sentido. Depois de 30 e 60 dias, os participantes eram submetidos a testes para identificar cheiros de substâncias com olhos vendados.

"Mais de 30% [dos participantes do estudo] ainda mantinham algum grau de alteração do olfato mesmo 60 dias depois do diagnóstico e dos tratamentos que tinham sido instituídos para Covid", afirma.

A situação de pessoas que perdem o olfato por mais de seis meses também chamou a atenção de Ronaldo Carvalho, médico otorrinolaringologista e professor do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe. Ele planeja uma cirurgia que pode ajudar esses pacientes a ter uma vida normal de volta.

Carvalho explica que esses indivíduos estão com o nervo olfatório danificado e, por isso, seria necessário uma intervenção para regenerá-lo.

"[Em outras áreas da medicina] existe uma técnica cirúrgica chamada transferência nervosa, onde se pegam fascículos [conjunto de células nervosas] de um nervo funcionando e nós desviamos esses fascículos para as regiões de nervos doentes. Esses fascículos [...] fazem com que o nervo que está doente se regenere e volte a funcionar", afirma.

Para o procedimento que ele planeja, será feita uma transferência nervosa do nervo supraorbitário, que fica acima da órbita do olho. "Fazemos uma pequena incisão desse nervo e vamos tentar ‘jogá-lo’ para dentro da base do crânio, que é onde está o neuroepitélio olfatório [onde se localizam os nervos responsáveis por interpretar os aromas e suas células de suporte]".

A expectativa é que essa transferência ajude a regenerar o nervo olfatório danificado ou que esses fascículos realocados cumpram a função dele.

No momento, existem mais de 20 pessoas escaladas para a cirurgia. Uma dessas é a farmacêutica Vanessa Santos, que contraiu pela primeira vez o coronavírus em junho de 2020.

Ela relata que, ao comer um lanche, percebeu que não estava sentindo o gosto. Então, fez um teste e o exame acusou que ela tinha tido o Sars-CoV-2.

Depois de um mês com falhas no olfato e no paladar, ela buscou ajuda médica. A farmacêutica passou por três otorrinolaringologistas que indicaram tratamentos com diferentes remédios, treinamento olfatório e até uma terapia com ozônio que não tem eficácia comprovada.

Sentiu uma melhora com o treino feito com aromas, mas ainda foi um resultado bem pequeno. Sendo assim, buscou a ajuda de Carvalho. "Ele me explicou sobre o procedimento e perguntou se eu tinha interesse, e eu falei que sim", diz.

No aguardo da cirurgia, Santos foi novamente infectada pelo coronavírus. "Antes, eu conseguia ainda [...] diferenciar, às vezes, a questão do sabor, mas depois que tive pela segunda vez ficou bem mais complicado."

​A farmacêutica vê na cirurgia a última oportunidade para recuperar os sentidos. "É uma luz no fim do túnel, porque eu estava no escuro e isso é uma luz que surgiu para tirar essa angústia que sinto."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.