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O que cientistas sabem sobre os casos raros de hepatite em crianças no mundo

Relatos continuam extremamente incomuns, com cerca de 200 crianças afetadas em todo o mundo, segundo relatório

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Emily Anthes
The New York Times

Pelo menos 16 países e dez estados dos Estados Unidos identificaram ou estão investigando relatos de casos incomuns de hepatite em crianças saudáveis.

Os casos continuam extremamente raros, com cerca de 200 crianças afetadas em todo o mundo, segundo um relatório divulgado na semana passada pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.

Mas mesmo esses pequenos núcleos são incomuns. Na Grã-Bretanha, onde a maioria dos casos foi relatada, duas unidades pediátricas já tiveram pelo menos tantas internações por hepatite aguda e inexplicável em 2022 quanto teriam normalmente em um ano inteiro, conforme um informativo da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.

Fachada de hospital infantil em Londres
Fachada de hospital infantil em Londres; Reino Unido registrou casos de hepatite em crianças - Justin Tallis - 10.mar.20/AFP

A maioria das crianças deverá se recuperar totalmente, disseram especialistas, mas alguns casos foram graves. Em quase 10% dos casos relatados, as crianças precisaram de transplantes de fígado, e houve pelo menos uma morte, disse a Organização Mundial da Saúde.

A causa permanece desconhecida, mas os cientistas estão analisando a possibilidade de que um adenovírus seja o responsável. Os adenovírus são comuns, mas geralmente não estão associados à hepatite em crianças saudáveis. E como muitos países só agora começam a procurar casos seriamente, o alcance do problema não é conhecido.

"Ainda é cedo", disse o doutor Richard Malley, especialista em doenças infecciosas no Hospital Infantil de Boston. "É difícil prever se isso se tornará mais comum ou se, de fato, será apenas um pequeno sinal em nosso histórico de doenças infecciosas em 2022."

Aqui está o que os cientistas sabem até agora.

O que é hepatite? A hepatite é uma inflamação do fígado que pode ter uma ampla gama de causas. Infecções virais podem causar a condição; os vírus conhecidos como hepatite A, B, C, D e E são todos gatilhos conhecidos.

O consumo excessivo de álcool, bem como de certos medicamentos e substâncias tóxicas, também pode causar hepatite. Na hepatite autoimune, o próprio sistema imunológico do corpo ataca o fígado.

A hepatite súbita e grave em crianças antes saudáveis é incomum, e é por isso que os novos grupos de casos levantaram preocupação.

Onde os novos casos foram relatados? No início de abril, a Grã-Bretanha se tornou o primeiro país a notificar a OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre um conjunto de casos inexplicáveis de hepatite em crianças. Os casos eram incomuns porque ocorreram em um curto período de tempo em crianças saudáveis e porque os médicos rapidamente descartaram como causa qualquer dos vírus comuns da hepatite. Eles não identificaram nenhum padrão em viagens, dieta, exposições químicas ou outros fatores de risco que pudessem explicar o surto, de acordo com o comunicado da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.

Desde então, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Polônia, Romênia, Espanha e Estados Unidos relataram casos semelhantes, disse o CDC europeu.

Nos Estados Unidos, o Alabama registrou nove casos entre outubro e fevereiro. Três das crianças desenvolveram insuficiência hepática e duas precisaram de transplante de fígado, observaram os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA em um relatório recente. Todas as crianças se recuperaram ou estão se recuperando, observou o órgão.

"As duas que receberam o transplante estão muito bem", disse o doutor Henry Shiau, hepatologista pediátrico de transplantes na Universidade do Alabama em Birmingham e no Hospital Infantil do Alabama.
Os casos levaram o CDC a emitir um alerta nacional, pedindo aos profissionais de saúde que fiquem atentos para casos semelhantes.

Desde então, Illinois e Wisconsin anunciaram possíveis casos. Carolina do Norte, Delaware, Minnesota, Califórnia, Nova York, Geórgia e Louisiana também identificaram ou estão investigando casos potenciais, disseram autoridades estaduais ao The New York Times.

Quais são os sintomas? Em muitos dos casos, as crianças desenvolveram sintomas gastrointestinais, como vômitos, diarreia e dor abdominal, seguidos por um amarelecimento da pele ou dos olhos, conhecido como icterícia. Elas também tinham níveis anormalmente altos de enzimas hepáticas, um sinal de inflamação ou dano no fígado.

Os sintomas gastrointestinais são comuns em crianças e não devem, isoladamente, ser motivo de alarme, disse Shiau. Mas o amarelecimento da pele ou dos olhos é um sinal mais revelador de problemas no fígado, afirmou.

"A probabilidade de seu filho desenvolver hepatite é extremamente baixa", disse a doutora Meera Chand, diretora de infecções clínicas e emergentes da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido, em um comunicado. "No entanto, continuamos a lembrar os pais para que estejam atentos aos sinais de hepatite —particularmente icterícia, que é mais fácil de detectar pelo tom amarelo no branco dos olhos— e entrem em contato com seus médicos se estiverem preocupados."

O que está causando isso? "Essa é a pergunta de um milhão de dólares", disse Shiau. "Quero ser sincero sobre isso: não sabemos."

Mas uma das principais hipóteses é que um adenovírus —um grupo de vírus comuns que muitas vezes causam sintomas de resfriado— seja o responsável. Dos 169 casos incluídos em um relatório recente da OMS, pelo menos 74 tiveram infecção por adenovírus, disse a organização. Dezoito dessas crianças foram infectadas com o que é conhecido como adenovírus tipo 41, que normalmente causa sintomas gastrointestinais e respiratórios.

As infecções por adenovírus estão aumentando na Grã-Bretanha, onde a maioria dos casos de hepatite foi relatada, disse a OMS.

Mas a explicação não se encaixa totalmente. Nem todas as crianças testaram positivo para adenovírus e, embora os vírus possam causar inflamação no fígado, esse sintoma é mais comum em pessoas imunodeprimidas. "Não é uma causa comum de insuficiência hepática em crianças", disse o doutor Aaron Milstone, especialista em doenças infecciosas pediátricas no Centro Infantil Johns Hopkins.

É possível que uma nova cepa de adenovírus tenha surgido ou que infecções por adenovírus estejam ocorrendo em conjunto com algum outro fator de risco —como uma exposição tóxica ou infecção por outro patógeno—, produzindo resultados excepcionalmente graves, disse a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.

Ou as infecções por adenovírus podem ser um fator de distração. Como esses vírus são comuns entre as crianças, é difícil determinar se eles causaram esses casos de hepatite ou se muitas das crianças foram infectadas acidentalmente. "Alguém pode estar infectado com adenovírus e desenvolver hepatite com base em outra coisa", disse Malley. "Para provar a causalidade, você realmente precisa de muitos dados, que simplesmente não temos."

Isso está relacionado à Covid-19? Provavelmente não diretamente, disseram especialistas. Dos 169 pacientes identificados pela OMS, 20 testaram positivo para coronavírus. Isso não é surpreendente, dada a extensão da disseminação do vírus nos últimos meses, explicaram os cientistas.

E não há evidências de que a hepatite esteja ligada às vacinas contra Covid-19; a "grande maioria" das crianças em questão não foi vacinada, disse a OMS.

Ainda assim, uma conexão com o coronavírus não pode ser totalmente descartada, alertaram os especialistas, e os casos de hepatite podem estar ligados à pandemia de maneiras menos diretas. Por exemplo, as medidas de saúde pública implementadas nos últimos dois anos podem ter deixado menos crianças expostas a adenovírus comuns. Isso, por sua vez, pode tê-las tornado mais suscetíveis agora, segundo uma das hipóteses de trabalho da agência britânica.

Mas isso também é especulativo.

"Neste momento", disse Shiau, "ainda não sabemos o que está acontecendo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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