Qual é a gravidade da varíola dos macacos?

Especialistas dizem que é improvável que a doença crie um cenário semelhante ao da Covid

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Knvul Sheikh
The New York Times

Autoridades de saúde estão acompanhando mais de cem casos confirmados ou suspeitos de varíola dos macacos que apareceram em países onde a doença normalmente não ocorre, como Austrália, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.

No domingo, o presidente Joe Biden, dos EUA, abordou os casos altamente inusitados, afirmando que "é uma preocupação no sentido de que caso se dissemine terá sérias consequências". Depois de mais de dois anos vivendo uma pandemia, é compreensível que a notícia de um novo vírus se espalhando pelo mundo possa causar alarme, mas especialistas em saúde dizem que é improvável que a varíola dos macacos crie um cenário semelhante ao do coronavírus, mesmo que mais casos sejam encontrados.

"À medida que a vigilância se expande, deverão aparecer mais casos. Mas precisamos colocar isso em contexto, porque não é Covid", disse a doutora Maria Van Kerkhove, líder técnica da Organização Mundial da Saúde sobre Covid-19, em uma sessão de perguntas e respostas online ao vivo na segunda-feira (23).

Imagem feita por um microscópio eletrônico de um vírus da varíola dos macacos obtida em 2003 de um cachorro contaminado
Imagem feita por um microscópio eletrônico de um vírus da varíola dos macacos obtida em 2003 de um cachorro contaminado - Cynthia S. Goldsmith e Russell Regnery/CDCP/NYT

A varíola dos macacos não é um vírus novo e não se espalha da mesma maneira que o coronavírus, por isso pedimos a especialistas uma melhor explicação sobre o patógeno —e como a doença que causa é diferente da Covid-19.

Quão contagiosa é a varíola dos macacos?

As pessoas normalmente pegam varíola dos macacos ao entrar em contato próximo com animais infectados. Isso pode ser através de uma mordida ou arranhão de animal, fluidos corporais, fezes ou pelo consumo de carne que não foi suficientemente cozida, disse Ellen Carlin, pesquisadora da Universidade de Georgetown que estuda doenças zoonóticas, ou zoonoses, que são transmitidas de animais para seres humanos.

Embora ela tenha sido descoberta em macacos de laboratório em 1958, o que deu nome ao vírus, os cientistas acreditam que os roedores são os principais portadores da varíola dos macacos na natureza. É encontrada principalmente na África Central e Ocidental, particularmente em áreas próximas às florestas tropicais. Esquilos, ratos e arganazes foram identificados como potenciais portadores.

"O vírus provavelmente está circulando nesses animais há muito tempo", disse Carlin. "E, na maior parte, permaneceu em populações de animais."

O primeiro caso humano de varíola dos macacos foi detectado em 1970 na República Democrática do Congo. Desde então, o vírus periodicamente causou pequenos surtos, embora tenha se limitado a algumas centenas de casos em 11 países africanos.

Um punhado de casos chegou a outros continentes, trazidos por viajantes ou pela importação de animais exóticos, que passaram o vírus para animais domésticos e depois a seus donos.

Mas a transmissão de humano para humano do vírus da varíola dos macacos é bastante rara, disse Van Kerkhove. "A transmissão está realmente acontecendo por contato físico próximo, pele a pele. Portanto, é bem diferente da Covid nesse sentido."

O vírus também pode se espalhar tocando ou compartilhando itens infectados, como roupas e roupas de cama, ou pelas gotículas respiratórias produzidas por espirros ou tosse, de acordo com a OMS.

Imagem de microscópio mostra vírus da varíola dos macacos
Vírus da varíola dos macacos: variante da África Ocidental é menos contagiosa e mais branda que a da África Central - Cynthia S. Goldsmith/Russell Regner/CDC/AP/dpa/picture alliance

Isso pode soar estranhamente familiar porque nos primeiros dias da pandemia muitos especialistas disseram que o coronavírus também tinha pouca transmissão de humano para humano a não ser em gotículas respiratórias e superfícies contaminadas. Pesquisas posteriores mostraram que o coronavírus pode se espalhar através de partículas muito menores chamadas aerossóis, capazes de percorrer distâncias superiores a 2 metros.

Mas isso não significa que o mesmo acontecerá com o vírus da varíola dos macacos, disse Luis Sigal, especialista em poxvírus na Universidade Thomas Jefferson, na Filadélfia. O coronavírus é um pequeno vírus de RNA de fita simples, o que pode ter aumentado sua capacidade de se espalhar pelo ar. O vírus da varíola dos macacos, no entanto, é feito de DNA de fita dupla, o que significa que o próprio vírus é muito maior e mais pesado e incapaz de viajar tão longe, disse o doutor Sigal.

Outras rotas de transmissão da varíola dos macacos incluem da mãe para o feto através da placenta ou por contato próximo durante e após o parto.

A maioria dos casos deste ano ocorreu em homens jovens, muitos dos quais se identificaram como homens que fazem sexo com homens, embora os especialistas sejam cautelosos ao sugerir que a transmissão da varíola dos macacos pode ocorrer por meio do sêmen ou outros fluidos corporais trocados durante o sexo. Em vez disso, o contato com lesões infectadas durante o sexo pode ser uma via mais plausível.

"Esta não é uma doença gay, como algumas pessoas nas mídias sociais tentaram rotulá-la", disse o doutor Andy Seale, consultor do Programa de HIV, hepatite e DSTs da OMS, durante a sessão de perguntas e respostas de segunda-feira. "Qualquer um pode contrair varíola dos macacos através de contato próximo."

Quais são os sintomas e que gravidade pode ter uma infecção de varíola dos macacos?

A varíola dos macacos faz parte da família de vírus da varíola, mas normalmente é uma condição muito mais leve, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). Em média, os sintomas aparecem dentro de seis a 13 dias após a exposição, mas podem levar até três semanas. As pessoas que adoecem geralmente apresentam febre, dor de cabeça, dor nas costas e nos músculos, inchaço dos gânglios linfáticos e exaustão geral.

Cerca de um a três dias após a febre, a maioria das pessoas também desenvolve uma erupção cutânea dolorosa característica dos poxvírus. Começa com marcas vermelhas planas que se tornam elevadas e cheias de pus ao longo de cinco a sete dias. A erupção pode começar no rosto, nas mãos, nos pés, no interior da boca ou nos órgãos genitais do paciente e progredir para o resto do corpo. (Embora a varicela cause uma erupção cutânea de aparência semelhante, não é um poxvírus verdadeiro, mas é causada por um vírus não relacionado, o varicela-zoster).

Uma vez que as pústulas de um indivíduo cicatrizam, em duas a quatro semanas, elas não são mais infecciosas, disse Angela Rasmussen, virologista na Organização de Vacinas e Doenças Infecciosas da Universidade de Saskatchewan, no Canadá.

Heinz Weidenthaler, vice-presidente do laboratório Bavarian Nordic, posa no laboratório de vacina em Martinsried (ALE). A empresa é a única no mundo que teve aprovação para uma vacina efetiva contra a varíola dos macacos
Heinz Weidenthaler, vice-presidente do laboratório Bavarian Nordic, posa no laboratório de vacina em Martinsried (ALE). A empresa é a única no mundo que teve aprovação para uma vacina efetiva contra a varíola dos macacos - Lukas Barth - 24.mai.22/Reuters

Crianças e pessoas com deficiências imunológicas subjacentes podem ter casos mais graves, mas a varíola dos macacos raramente é fatal. Embora uma cepa encontrada na África Central possa matar até 10% dos indivíduos infectados, as estimativas sugerem que a versão do vírus atualmente em circulação tem uma taxa de mortalidade inferior a 1%.

E a erupção facilmente identificável da varíola dos macacos, bem como seus primeiros sintomas, pode ser considerada benéfica. "Uma das coisas mais desafiadoras sobre a Covid é que ela pode ser transmitida de forma assintomática ou pré-sintomática, por pessoas que não têm ideia de que estão infectadas", disse Rasmussen. "Mas com a varíola do macaco não parece haver qualquer transmissão pré-sintomática."

Ainda assim, como mostrou o surto recente de casos, há muitas oportunidades para transmitir a varíola dos macacos nos primeiros dias de uma infecção, quando os sintomas não são específicos, disse a doutora Rasmussen.

Preciso me preocupar com uma ameaça maior?

A boa notícia é que ainda não há evidências de que o vírus da varíola dos macacos tenha evoluído ou se tornado mais infeccioso. Vírus de DNA como o da varíola dos macacos geralmente são muito estáveis e evoluem muito lentamente, comparados aos vírus de RNA, disse o doutor Sigal. Os cientistas estão sequenciando os vírus de casos recentes para verificar possíveis mutações e saberão em breve se a infecciosidade, gravidade ou outras características mudaram, disse ele. "Mas minha expectativa é que não sejam diferentes."

No entanto, os especialistas têm algumas explicações para o recente aumento dos casos de varíola dos macacos. Segundo pesquisas, as incidências de humanos contraindo vírus por contato com animais —também conhecidos como transbordamentos zoonóticos— tornaram-se mais comuns nas últimas décadas. O aumento da urbanização e do desmatamento significa que humanos e animais selvagens estão entrando em contato com mais frequência. Alguns animais que carregam vírus zoonóticos, como morcegos e roedores, tornam-se mais abundantes, enquanto outros expandiram ou adaptaram seus habitats devido ao desenvolvimento urbano e às mudanças climáticas.

Foto da mão de uma criança com uma lesão provocada pela varíola dos macacos, nos Estados Unidos, em 2003
Foto da mão de uma criança com uma lesão provocada pela varíola dos macacos, nos Estados Unidos, em 2003 - Center For Disease Control/Reuters

"Há mais oportunidades para patógenos relativamente raros entrarem em novas comunidades, encontrarem novos hospedeiros e viajarem para novos lugares", disse a doutora Rasmussen.

Apesar de uma breve pausa pandêmica, as pessoas também estão viajando com maior frequência e para mais partes do mundo do que faziam uma década atrás. E embora muitos dos novos casos de varíola dos macacos sejam intrigantes porque os pacientes não têm histórico de viagens diretas a países endêmicos da África, os epidemiologistas poderão descobrir uma conexão indireta de viagem até concluírem o rastreamento de contatos nas próximas semanas.

"O principal risco para as pessoas hoje em dia com relação aos vírus continua sendo a Covid", disse Rasmussen. "A boa notícia é que muitas das mesmas medidas que reduzirão o risco de Covid —distanciamento social, uso de máscaras em espaços públicos, boa higiene das mãos e desinfecção de superfícies— também reduzirão o risco de contrair varíola dos macacos."

Qual é o tratamento para varíola dos macacos?

Se você ficar doente, o tratamento da doença geralmente envolve o controle dos sintomas. Dois medicamentos antivirais —cidofovir e tecovirimat— e um tratamento com anticorpos intravenosos originalmente desenvolvido para a varíola também poderão ser usados para controlar a varíola dos macacos, embora só tenham sido estudados em laboratório e em modelos animais.

Há também uma vacina que a Agência de Alimentos e Drogas aprovou em 2019 para maiores de 18 anos, que protege contra varíola e varíola dos macacos. Mas as autoridades de saúde pararam de vacinar rotineiramente os americanos contra a varíola em 1972, quando a doença foi erradicada nos Estados Unidos, e as vacinas e tratamentos contra a varíola hoje estão armazenados principalmente para fins de segurança nacional.

"Os surtos esporádicos de varíola dos macacos que ocorreram no passado não foram suficientes para justificar o reinício do programa de vacinação contra varíola", disse a doutora Rasmussen. Autoridades de saúde dos EUA e de outros países podem considerar o uso de algumas das vacinas armazenadas numa estratégia de "vacinação em anel" para evitar a propagação da varíola de um paciente para seus profissionais de saúde e contatos próximos, disse ela.

Se você tiver uma nova erupção cutânea ou estiver preocupado com a varíola dos macacos, deve entrar em contato com seu médico. O CDC dos Estados Unidos pediu que os médicos estejam em alerta para sinais da erupção, e disse que casos potenciais de varíola dos macacos devem ser isolados e indicados ao órgão. Os médicos também não devem limitar suas preocupações a homens que se identificam como gays ou bissexuais, ou pacientes que viajaram recentemente para países da África Central ou Ocidental.

"É realmente difícil definir um prazo para que ela seja contida, ou quão difícil será isso", disse Rasmussen. "Mas temos as ferramentas farmacológicas, juntamente com os procedimentos clássicos de isolamento e quarentena, que ajudaram a conter surtos de varíola dos macacos no passado. Podemos contê-la novamente. A chave será identificar todos os casos."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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