Descrição de chapéu The New York Times

Laboratórios estão desenvolvendo vacinas atualizadas contra Covid, mas elas podem chegar muito tarde

Pfizer e a Moderna disseram que não conseguirão entregar doses contra as subvariantes da ômicron antes de outubro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Benjamin Mueller
The New York Times

Roseann Renouf, 77, já se cansou da geração atual de vacinas anticovid. Depois de ver amigos imunizados contraindo Covid-19, ela, que afirma nunca ter gostado de tomar muitas vacinas, decidiu não tomar a dose mais recente de reforço, mesmo sabendo que elas oferecem uma proteção adicional importante.

"Seria simplesmente tomar a mesma dose de reforço outra vez", disse Renouf, enfermeira aposentada de Fort Worth, Texas. "Não fizeram nada de diferente para cobrir as variantes novas."

Mas sua queixa sobre as vacinas pode ser resolvida em breve. Na semana passada, agências reguladoras nos EUA se comprometeram a atualizar as receitas das vacinas de 2020 para a campanha de vacinação de reforço prevista para o outono deste ano [no hemisfério norte], com novas fórmulas que visam a defender as pessoas contra as subvariantes ultracontagiosas da ômicron. Com isso, Renouf e outras pessoas arredias podem ter um motivo para mudar de ideia.

Frascos de vacinas contra Covid das fabricantes Pfizer e Moderna
As fabricantes Pfizer e Moderna estão preparando uma vacina para as subvariantes da ômicron, mas ela não deve ficar pronta antes de outubro - Dado Ruvic/Ilustração/Reuters

A administração Biden está apostando que as novas fórmulas, que constituem o elemento central de um esforço para acelerar drasticamente o desenvolvimento de vacinas, poderão atrair a metade dos americanos vacinados que rejeitou as doses de reforço. Esse setor da população é um grupo crucial na luta contra ondas futuras de Covid-19.

De acordo com muitos cientistas, a necessidade de vacinas atualizadas ganha mais urgência a cada dia que passa. As formas de ômicron mais evasivas até agora, conhecidas como BA.4 e BA.5, parecem estar impulsionando uma nova onda de casos de Covid em boa parte dos Estados Unidos. As mesmas subvariantes já levaram ao aumento das internações hospitalares no Reino Unido, França, Portugal, Bélgica e Israel.

As mortes por Covid-19 nos Estados Unidos, que havia meses estavam perto dos níveis mais baixos da pandemia, vêm aumentando outra vez. Pesquisadores de saúde pública preveem que, no pior cenário, os EUA possam ter algo como 200 mil mortes por Covid-19 nos próximos 12 meses.

"Esperamos conseguir convencer as pessoas a receber o reforço", disse o Dr. Peter Marks, responsável pelo departamento de vacinas da Food and Drug Administration (FDA), "ajudando sua resposta imunológica a amadurecer e ajudar a prevenir uma outra onda de Covid."

Muitos cientistas consideram que vacinas de reforço atualizadas serão críticas para diversificar a defesa imunológica das pessoas, à medida que as subvariantes atacam a proteção oferecida pelas vacinas. Segundo eles, pode ser impossível alcançar um vírus que passa por mutações tão rapidamente. Mas é muito melhor estar atrasados apenas alguns meses em relação ao patógeno, e não alguns anos.

"A ômicron é tão diferente que me parece bastante claro que estamos começando a perder terreno em termos da proteção dada por essas vacinas contra infecções sintomáticas", disse o imunologista Deepta Bahattacharya, da Universidade do Arizona. "É importantíssimo atualizar as vacinas."

Para tentar conter o avanço do coronavírus no país, os Estados Unidos  já estão vacinando crianças com menos de cinco anos de idade
Para tentar conter o avanço do coronavírus no país, os Estados Unidos já estão vacinando crianças com menos de cinco anos de idade - Hannah Beier - 23.jun.22/Reuters

A questão agora é se as doses de reforço modificadas vão chegar a tempo. Para tentar fazer frente às formas mais recentes do vírus, a FDA pediu aos fabricantes de vacinas que adaptem suas novas vacinas às subvariantes BA.4 e BA.5, não à versão original da ômicron do inverno passado.

Virologistas disseram que uma vacina contra as subvariantes não apenas vai gerar as defesas imunológicas mais fortes contra versões atuais do vírus como também o tipo de resposta ampla de anticorpos que ajudará a proteger contra qualquer forma do vírus que venha a emergir nos próximos meses.

Mas montar uma campanha de vacinação de reforço no outono centrada em vacinas na vanguarda da evolução do vírus pode ter um custo. A Pfizer e a Moderna disseram que não conseguirão entregar doses contra as subvariantes antes de outubro. Em reunião pública na semana passada, alguns assessores da FDA avisaram que o cronograma pode atrasar ainda mais em função de atrasos rotineiros diversos.

Enquanto isso, uma vacina criada especificamente contra a versão original da ômicron estará disponível antes: a Moderna e a Pfizer já começaram a produzir vacinas projetadas para atacar a forma original da ômicron, e a Moderna disse que poderá começar a fornecê-las ainda neste verão [no hemisfério norte]. Se os benefícios de uma vacina que protege especialmente contra as subvariantes mais novas pesam mais que as desvantagens de precisar esperar mais tempo vai depender de exatamente quando ela chegar ao mercado e quanto estrago o vírus vai provocar antes disso, disseram cientistas.

Para eles, será fundamental que até o início do outono haja alguma forma de vacina atualizada disponível.

"Eu diria que esperar por uma vacina contra a BA.4 e a BA.5 é uma boa escolha, a não ser que isso prolongue muito a espera por um novo reforço", disse o virologista Jesse Bloom, do Fred Hutchinson Cancer Center, em Seattle, expressando-se a favor de uma vacina contra as subvariantes. "Se usar a BA.4 e BA.5 esticar apenas um pouco o tempo de espera por uma nova vacina, acho que é uma boa opção."

As vacinas atualizadas vão colocar à prova a abertura da população para um programa acelerado de vacinação que tem semelhanças com o modo como são desenvolvidas as vacinas anuais contra gripe, mas que é inteiramente novo em se tratando do coronavírus.

As vacinas originais tiveram que enfrentar um processo de ensaios clínicos demorado e trabalhoso: voluntários tomavam as vacinas e depois levavam sua vida normalmente, enquanto pesquisadores os acompanhavam para saber quais deles adoeceriam. Hoje, porém, há amplas evidências de que as vacinas são seguras. E quaisquer adaptações à receita podem ser desperdiçadas se os cientistas passarem quase um ano submetendo-as a testes.

Em vez disso, os fabricantes de vacinas vêm estudando amostras de sangue de voluntários em laboratórios para avaliar sua resposta imunológica a uma vacina de reforço adaptada para a primeira versão da ômicron. As vacinas de reforço contra as subvariantes passaram por testes mais sumários: a Pfizer apenas estudou como afetaram as respostas dos anticorpos de camundongos.

A FDA disse que não vai exigir dados de ensaios clínicos das vacinas contra as subvariantes antes de autorizá-las; vai, em vez disso, pautar-se pelos estudos sobre as vacinas de reforço contra a versão original da ômicron. Para alguns cientistas, autorizar o uso de vacinas modificadas sem passar pelos ensaios clínicos demorados com humanos é essencial para que as vacinas possam ser disponibilizadas em tempo hábil.

Alguns cientistas que assessoram o governo em relação a vacinas dizem que as agências reguladoras ainda não provaram que os reforços atualizados oferecem proteção substancialmente melhor contra a Covid-19 grave que os reforços existentes. Outros expressam a preocupação de que reformular as vacinas possa prejudicar a confiança da população no programa de vacinação. Mas, para alguns americanos que hesitam em tomar os reforços, o fato de as doses de reforço disponíveis hoje já estarem desatualizadas é a razão de seu desinteresse.

"A dose de reforço provavelmente ajuda um pouco, mas não tanto que justifique o trabalho de ir recebê-la", disse Cherry Alena, aposentada da Carolina do Norte na casa dos 70 anos, que tomou sua última vacina contra Covid 16 meses atrás. "Ela não foi formulada especificamente para combater o vírus que está circulando."

​Alena disse que se interessaria por uma vacina modificada, porque "ela daria imunidade específica contra a variante específica".

As lacunas na cobertura das doses de reforço deixaram os EUA mais expostos durante as ondas de ômicron. Mais de metade dos americanos vacinados não tomou uma dose de reforço. Três quartos das pessoas que têm direito a uma segunda dose de reforço ainda não a tomaram.

Nesta primavera, quatro vezes mais pessoas a partir de 50 anos que receberam apenas uma dose de reforço morreram de Covid-19 do que pessoas dessa faixa etária que receberam duas doses de reforço, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

Quando se trata de prever a evolução do patógeno, não existem certezas. É possível que quando o inverno chegar, o vírus se afaste inesperadamente do ramo ômicron da árvore evolutiva. E, enquanto os vírus da gripe geralmente se alteram ao longo de anos, as variantes do coronavírus podem emergir e alastrar-se pelo mundo em questão de meses.

Mas cientistas disseram que é tranquilizador saber que as vacinas de reforço atualizadas —que também vão conter um componente da formulação original— parecem gerar respostas imunológicas fortes a muitas versões do vírus. E por enquanto, pelo menos, os sinais indicam que o vírus deste inverno será um descendente da ômicron.

"Quanto mais tempo passa, maior é a probabilidade de que qualquer coisa nova que venha a emergir saia da ômicron", disse o biólogo evolutivo Trevor Bedford, do Fred Hutchinson Cancer Center.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.