Medicamento anticâncer reduz as mortes de pacientes hospitalizados com Covid

Experiência com sabizabulin mostrou bons resultados, mas especialista alerta que ensaio clínico foi relativamente pequeno

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Carl Zimmer
The New York Times

Uma droga experimental desenvolvida inicialmente para combater o câncer cortou pela metade o risco de morte de pessoas hospitalizadas com Covid-19, revelou estudo publicado na quarta-feira (6).

O medicamento em questão, sabizabulin, parece ter sido mais eficaz que outros autorizados para uso com pacientes de Covid gravemente enfermos. A Veru, a empresa de Miami que o desenvolveu, pediu à Food and Drug Administration (FDA) uma autorização emergencial de uso do sabizabulin. Segundo especialistas, uma nova arma pode ser acrescentada ao arsenal modesto disponível aos pacientes hospitalizados.

Paciente com Covid-19 internado em hospital de Chicago; americanos testam droga inicialmente desenvolvida contra o câncer para tratar hospitalizados com o novo coronavírus - Scott Olson - 31.jan.22/Getty Images/AFP

"Parece muito impressionante", comentou o dr. Ilan Schwartz, da Universidade de Alberta, especialista em doenças infecciosas que não participou do estudo. "Temos um pequeno número de tratamentos possíveis para pacientes gravemente doentes com Covid que reduzem o risco de mortalidade, mas mais um tratamento que pudesse reduzi-lo ainda mais seria muito bem-vindo."

Mas Schwartz avisou que o ensaio clínico realizado foi relativamente pequeno, com apenas 134 pacientes tendo recebido o medicamento. "Considerando tudo, acho isso muito animador, mas eu gostaria de ver estudos confirmatórios maiores e independentes", ele disse.

O sabizabulin impede as células de construir microtúbulos, cabos moleculares cruciais que enviam materiais de uma parte do interior da célula para outra.

A droga foi desenvolvida originalmente por pesquisadores da Universidade do Tennessee para combater o câncer, porque as células de tumores dependem dos microtúbulos para seu crescimento acelerado.

Dois anos atrás, pesquisadores da Veru experimentaram usar o sabizabulin contra a Covid. Eles suspeitavam que a droga pudesse impedir a replicação do vírus, que depende da rede de microtúbulos para juntar as partes de novos vírus.

Eles teorizaram, também, que a droga pudesse ajudar pacientes com Covid a combater inflamação pulmonar potencialmente fatal. Essa reação imune começa quando as células reconhecem que estão infectadas e liberam proteínas de sinal de alarme em seu entorno. As células precisam empurrar as moléculas de alarme por seus microtúbulos para disseminar a mensagem.

No início de 2020, pesquisadores do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Tennessee descobriram que o sabizabulin suprimiu esses sinais de alarme em células de camundongos. Alguns meses mais tarde a Veru começou a testar o medicamento, que é tomado na forma de pílula, em pessoas. Em maio de 2021 ela avançou para um ensaio de estágio final.

A empresa procurou voluntários que já estavam hospitalizados com Covid. Para serem aceitos no ensaio clínico, os pacientes precisavam estar recebendo oxigênio ou dependendo de um ventilador. Também precisavam correr alto risco de morte por Covid, com fatores de risco como hipertensão, idade avançada ou obesidade.

Os pacientes puderam receber simultaneamente outros tratamentos que já mostraram ser eficazes para salvar a vida de pacientes hospitalizados com Covid. Um esteroide chamado dexametasona, por exemplo, reduz o risco de morte em um terço.

No ensaio mais recente, 134 voluntários receberam sabizabulin e 70, um placebo. Ao longo de 60 dias, o índice de mortes dos dois grupos diferiu nitidamente: 45,1% dos pacientes do grupo que recebeu um placebo morreram, contra apenas 20,2% daqueles que receberam o novo medicamento. A diferença se traduziu numa redução de 55,2% no risco de morte.

O infectologista David Boulware, da Universidade de Minnesota, avisou que o grande número de mortes no grupo que tomou o placebo pode ser sinal de que o estudo foi demasiado pequeno para justificar que se tirem conclusões firmes.

"A taxa de mortalidade de 45% no grupo de controle me parece um pouco alta demais", ele comentou.

Enquanto isso, num ensaio de um medicamento contra artrite chamado baricitinibe, pesquisadores deram o medicamento a 515 pacientes com Covid, enquanto 518 receberam um placebo. Apenas 7,8% dos membros do grupo que recebeu o placebo morreram.

Vários medicamentos antivirais vêm se mostrando úteis para manter pacientes com Covid fora do hospital, mas apenas se são tomados no início da doença. O paxlovid, por exemplo, pode reduzir em cerca de 90% o risco de hospitalização de pessoas não vacinadas que apresentam fatores de risco para Covid.

Mas esses medicamentos não funcionam bem com pacientes hospitalizados com Covid moderada ou grave. Isso é porque eles apenas bloqueiam os vírus, em vez de frear a resposta descontrolada do sistema imune.

No caso dos pacientes hospitalizados, os médicos têm menos opções medicamentosas. Além da dexametasona e do baricitinibe, outro medicamento anti-inflamatório chamado tocilizumabe já comprovou ser útil.

Em abril, quando a Veru anunciou seus resultados inicialmente, a empresa disse que havia suspendido o ensaio antes do previsto porque um comitê assessor independentes considerou que os benefícios do sabizabulin já estavam claros a partir dos dados e decidiu que seria antiético continuar a dar placebo a alguns pacientes.

Boulware reconheceu as demandas éticas da situação, mas previu que, se o ensaio tivesse continuado por mais tempo, é possível que os benefícios do sabizabulin teriam se mostrado mais modestos.

"Ensaios clínicos interrompidos antecipadamente geralmente sobrestimam o efeito", ele disse.

Ele destacou que o molnupiravir, usado no combate à Covid, parecia reduzir em 50% de hospitalização por Covid. Mas esse número caiu para 30% na análise final.

Boulware previu que a mesma coisa vai acontecer com o sabizabulin. "Duvido que o efeito seja de 55% de melhora", ele disse.

Tradução de Clara Allain

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