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Ambulatório da Unifesp oferece diagnóstico e tratamento para adultos autistas

Em grupos, pacientes têm discussões teóricas sobre habilidades sociais e ambiente de trabalho

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São Paulo

Daniel Zibordi, 24, fala pausadamente, refletindo antes de cada frase. Larissa de Souza, 23, usa sua capacidade de articulação em prol da diversidade e do acesso à saúde. Paulo Fernandes Junior, 19, oferece respostas sinceras enquanto analisa as expressões de seu interlocutor. Muito diferentes entre si, eles têm um aspecto em comum: são adultos autistas.

Os três integram uma iniciativa do Teamm (Ambulatório de Cognição Social Marcos Mercadante), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O espaço nasceu em 2007 voltado ao treinamento de profissionais de saúde para atendimento a crianças autistas, mas nos últimos meses começou a receber também pacientes adultos.

O ambulatório adulto, que fica na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, funciona todas as segundas à tarde, das 13h às 17h, com dois grupos presenciais: um concentrado em habilidades sociais e outro, em mercado de trabalho. Nesta semana, começa também o grupo virtual para familiares.

Jovem de cabelos azuis e regata listrada movimenta chave para abrir janela
'Quando entrei no grupo, senti muito pertencimento', diz Larissa de Souza, 23, paciente do Teamm - Karime Xavier/Folhapress

A psiquiatra Gracielle Rodrigues, vice-coordenadora do Teamm, e a psicóloga Vera Papais mencionam que nos encontros os pacientes aprendem como iniciar e manter conversas em diferentes ambientes, do elevador ao bar. Também aprendem a ler as outras pessoas, inferindo seus sentimentos, se estão sendo adequados ou se é hora de parar de falar. "Muitos têm um histórico de rejeição quando tentam integrar algum grupo e não conseguem entender o motivo porque não sabem fazer essa leitura", diz Vera.

Além da dificuldade de interação social e de compreender os sinais dos outros, adultos autistas podem ter alterações sensoriais, como hipersensibilidade à luz e a sons, o que torna incômodos ambientes como auditórios lotados e reuniões barulhentas, principalmente se não tiveram tratamento na infância. Migrar de uma tarefa para outra, como deixar o computador para ir almoçar com colegas de trabalho, e lidar com imprevistos também são desafios.

Para lidarem melhor com as situações, no ambulatório os pacientes têm discussões teóricas sobre habilidades sociais e ambiente de trabalho, encenam e treinam momentos de interação, elenca a psicóloga Thais Priore Romano.

Enquanto as aulas ocorrem, uma parte dos profissionais faz avaliação diagnóstica. A ideia, conta a psiquiatra Daniela Bordini, coordenadora do Teamm, é capacitar os residentes de psiquiatria para o diagnóstico de autismo em adultos e oferecer a oportunidade de identificação do transtorno para usuários do SUS. E a procura de mulheres tem chamado a atenção.

Historicamente, os estudos sobre autismo mostram uma prevalência de casos no sexo masculino, mas as pesquisadoras dizem acreditar que a diferença possa estar subestimada. Elas ponderam que as descrições de casos são centradas em meninos e que pode ser mais difícil diagnosticar o quadro em mulheres por sua capacidade de mascarar sintomas e por estereótipos como o da timidez.

"Elas têm mais chance de chegar à vida adulta sem diagnóstico. Se a mulher percebe que olhar no olho é algo importante, se esforça para isso. Se percebe que algum assunto é rejeitado, se esforça para não falar a respeito para poder se encaixar um pouco mais. E isso às custas de muito sofrimento. A camuflagem, tanto em homens quanto em mulheres, está associada à depressão e tentativas de suicídio", diz Graccielle.

Larissa concorda. "Historicamente, a mulher é um corpo domesticado. Silenciamos nossas falas e interesses porque não sabemos o que pode acontecer, como vão nos olhar. Nos adequamos para caber em alguns lugares e a mulher autista faz isso em dobro. Temos nossas peculiaridades e tendemos a reprimi-las. Já é tão automático que, às vezes, nem sei que estou camuflando."

Na avaliação dela, a mídia reforça o estereótipo da pessoa autista como garoto ou homem branco de classe média alta, com fácil acesso a profissionais de saúde, quando o quadro é muito mais amplo. "O autismo não é azul, é de todas as cores. Não tem classe social, não tem grupos étnicos."

A camuflagem, porém, não é a única dificuldade para o diagnóstico. No caso de Daniel, a psicóloga levantou a possibilidade de TEA, mas não quis se aprofundar por supor que confirmar o transtorno causaria um impacto negativo. Foi preciso mudar de profissional para haver uma nova abordagem.

"Foi bom descobrir. Esclareceu várias dúvidas que eu tinha, como minha dificuldade de interação com as pessoas. Eu me perguntava por que era tão difícil falar com as pessoas, por que tinha de ficar imaginando o que dizer e na hora não saía."

Paulo foi outro que teve de insistir. A tristeza que sentia aos 13 anos não ia embora e ele perguntou para a mãe se não seria depressão. Desde então, o quadro se agravou e surgiram pensamentos suicidas. Mesmo assim, o diagnóstico de TEA só veio há dois anos, depois que o irmão mais novo foi identificado com o transtorno, a mãe começou a se interessar e o autismo virou assunto de família.

"Eu sempre tive muita dificuldade em olhar no olho. Sempre tive muita timidez. Meus professores falavam que eu era especial, diferente, então para mim o autismo era uma certeza, mas para minha mãe não. Ela dizia: ‘Você não tem’. Mas isso mais por um desejo de que eu não tivesse do que por ela realmente acreditar."

Paulo Fernandes Junior, 19, diz que, antes do grupo, brigas em em casa eram frequentes - Karime Xavier/Folhapress

Larissa também sofreu com a questão familiar. Ela teve problemas na escola quando era criança e foi encaminhada para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial). A artista plástica passou por um acolhimento, mas a mãe não aceitava levá-la para consultas e só aos 18 anos, já trabalhando, ela pôde procurar atendimento.

O médico levantou a hipótese de TEA e solicitou avaliação neuropsicológica. "Ele leu as quase 20 páginas da avaliação e disse: ‘Você é uma pessoa autista’. Fiquei bem emocionada. Eu sabia que tinha alguma coisa diferente em mim", compartilha entre lágrimas.

Para ela, o diagnóstico não é um delimitador e assegura direitos. Também foi o primeiro passo para um processo de autoconhecimento e valorização. "Fui vítima de capacitismo e aceitei a situação por não me conhecer, não entender meus limites. O diagnóstico foi importante também para isso e precisamos lembrar que nem todo mundo tem acesso a ele. Só pude fazer a avaliação porque estava trabalhando", diz.

"Os autistas estão em todo lugar, mas o acesso à saúde mental não. Quando recebi o diagnóstico, comecei a procurar atendimento e são escassos os serviços e profissionais que tratam autismo em adultos, ainda mais quando há restrições socioeconômicas. Essas são as vantagens do ambulatório: é um serviço de qualidade, para o público adulto e gratuito", elogia.

Teamm - Unifesp
O ambulatório integra o Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e fica na Rua Major Maragliano, 241, na Vila Mariana. Informações sobre agendamento podem ser obtidas no site https://www.caism.org.br/agendamento, pelo email ciclosteamm@gmail.com ou pelo telefone (11) 3466-2100.

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