Samu de São Paulo obriga equipes a levar pacientes sem maca nas ambulâncias

Segundo funcionários, transporte tem sido feito com uma prancha no chão, o que é irregular; prefeitura diz que tenta agilizar liberação de equipamentos

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São Paulo

As equipes do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de São Paulo estão tendo que prestar atendimento e transportar pacientes até o hospital em ambulâncias sem maca, caso o equipamento falte ou fique retido nos hospitais e prontos-socorros. A situação foi denunciada por funcionários à Folha.

De acordo com o Ministério da Saúde, a maca articulada com rodas é item obrigatório nas ambulâncias do Samu, e circular sem ela é um tipo de irregularidade.

Na falta da maca, pacientes estão sendo conduzidos ao serviço de emergência em uma prancha longa —de plástico ou de madeira, feita para atender traumas— ou sentados preso ao banco.

Montagem mostra o transporte de  paciente  numa prancha longa de plástico (à dir.), em substituição à maca (à esq.)
Montagem mostra o transporte de paciente numa prancha longa de plástico (à dir.), em substituição à maca (à esq.) - Reprodução

A ambulância não tem onde fixar a prancha de forma correta, e o equipamento precisa ser colocado no chão, segundo funcionários. Com uma freada brusca, o paciente pode escorregar e bater alguma parte do corpo.

Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde diz que "em casos pontuais de ausência de maca, os profissionais são orientados a acomodar o paciente em uma prancha longa afixada sobre o banco e não no chão".

Funcionários apontam, porém, que no banco há risco de queda se o cinto de segurança soltar. Além disso, esse é o local do profissional de saúde que deve dar assistência ao paciente durante o trajeto.

O Samu é um programa federal que segue normas e critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. É gerenciado por prefeituras ou estados. Na capital paulista, o serviço é de responsabilidade da secretaria municipal, atualmente administrada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Em caráter reservado, a reportagem ouviu médicos e profissionais de enfermagem que fazem o atendimento pré-hospitalar no Samu. Eles afirmam que estão sendo forçados pela administração a adotar uma prática irregular e são ameaçados de suspensão, exoneração e até denúncia no conselho de classe por omissão de socorro caso descumpram a ordem.

Sobre esse ponto, a Secretária Municipal da Saúde afirmou, em nota, que "o Samu de São Paulo, que tem como prioridade o socorro à população, desconhece as supostas 'ameaças', respeita seus colaboradores e zela por um ambiente de trabalho pautado pelo respeito mútuo e a ética".

O problema da maca retida é antigo, de difícil solução e impacta na produção do serviço. Quando o Samu deixa um paciente no pronto-socorro e o local não tem onde acomodá-lo, a unidade de saúde retém a maca até que a pessoa seja atendida, pelo menos. O equipamento chega a ficar preso por horas. Há casos em que o hospital retém mais de uma maca.

Antes da nova regra, a equipe não podia retornar à base ou ser acionada para outra ocorrência sem a maca. Agora, de acordo com relatos de médicos e profissionais de enfermagem, a central passa o chamado e diz para "atender assim mesmo".

"Um impacto a 40 km por hora aumenta a chance de você ter uma contusão grave abdominal e lesões na face e nos olhos. Às vezes, a pessoa está com soro, inconsciente. Como é que você segura um paciente no chão da ambulância?", questiona Domingos Costa Hernandez Júnior, médico especialista em gestão de serviços públicos de saúde pela Fundação Getulio Vargas.

Para ele, a solução seria aumentar a rotatividade hospitalar para evitar a retenção da maca.

"Os hospitais da prefeitura e do estado têm prontos-socorros superlotados e enfermarias vazias. O paciente com 24 horas no pronto-socorro precisa ter uma definição: interna ou recebe alta", afirma.

De acordo com os funcionários, diariamente, o serviço precisa colocar nas ruas 122 ambulâncias durante 24 horas, mas não é o que acontece. Segundo a prefeitura, circulam em média 85 veículos.

Os profissionais reclamam ainda dos médicos que atuam na regulação do Samu. Eles avaliam a prioridade da ocorrência e determinam os recursos disponíveis para o atendimento de urgência.

Segundo relatos, essa triagem não é feita. Assim, as equipes de rua são obrigadas a atender chamados simples como dor de dente e nariz entupido, por exemplo.

Cabe aos médicos orientar o cidadão por telefone quando a situação não requer o envio da ambulância.

Secretaria diz que tenta agilizar liberação de macas

Por meio da Secretaria Municipal da Saúde, o Samu de São Paulo afirma que está monitorando a liberação das macas junto aos hospitais para que ocorra o mais rápido possível, sem prejuízo para o socorrido.

A pasta afirma que, além da maca, as ambulâncias possuem outros equipamentos que salvam vidas, como oxigênio, respirador e desfibrilador, e que as técnicas de transporte fazem parte dos treinamentos regulares dos profissionais que devem garantir a segurança do paciente e da própria equipe.

A pasta afirma, ainda, que mais profissionais deverão ser contratados para aumentar o número de equipes na rua. Desde 2020 foram contratados 518 novos funcionários, segundo a secretaria.

Além disso, diz o órgão, a Central de Regulação do serviço foi reestruturada. A partir de outubro, o Samu planeja cursos de atualização para os profissionais de nível médio e superior a fim de qualificar a assistência prestada à população.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, foi publicado incorretamente que a Secretaria Municipal da Saúde não comentou os relatos de ameaças feitos por profissionais do Samu. 

 

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