Descrição de chapéu The New York Times LGBTQIA+

Nova técnica pode aumentar chances de mulheres trans terem filhos

Médicos conseguiram recuperar esperma viável em uma mulher transgênero após mais de dois anos de tratamentos hormonais

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Jacqueline Mroz
The New York Times

Claire sempre soube que queria formar uma família. Mas como uma mulher transgênero que acabou de completar 41 anos ela também sabia que isso poderia ser difícil.

Claire e sua parceira discutiram ter um bebê juntas e, se possível, queriam usar seu esperma e o óvulo de sua parceira. Mas Claire, que falou sob a condição de anonimato para proteger a privacidade da família, estava em terapia com estrogênio havia 18 anos, e as chances de os médicos encontrarem qualquer esperma viável eram pequenas.

Ao mesmo tempo, Claire estava programada para fazer sua cirurgia de confirmação de gênero, uma vaginoplastia. O procedimento removeria seu pênis e testículos e criaria uma vagina funcional, encerrando permanentemente a produção de esperma de seu corpo.

Chaya Rothschild, especialista em reprodução no Maze Sexual & Reproductive Health, em Nova Iorque, mostra um tanque criogênico utilizado para armazenar espermatozoides. - Jackie Molloy/The New York Times

As mulheres transgênero tomam medicamentos para suprimir a produção de testosterona e aumentar o estrogênio, o que tende a diminuir a produção de esperma e, muitas vezes, a elimina completamente. Mas um novo procedimento chamado busca estendida e microcongelamento de esperma, ou ESSM na sigla em inglês, torna possível recuperar esse esperma, a menos que a produção tenha parado completamente.

Usando a ESSM, o doutor Michael Werner, urologista especializado em saúde sexual e reprodutiva, conseguiu encontrar e congelar mais de 200 espermatozoides viáveis de Claire. Seu procedimento foi a primeira vez que os médicos conseguiram recuperar esperma viável em uma mulher transgênero após mais de dois anos de tratamentos hormonais.

O doutor Arie Berkovitz, obstetra e ginecologista especializado em fertilidade masculina no Hospital Assuta em Rishon LeZion, Israel, criou a técnica ESSM em 2017 como tratamento para homens com baixa contagem de espermatozoides.

A produção de esperma requer uma produção consistente de testosterona nos testículos; 40 milhões por ejaculação é considerado o normal.

A ESSM não aumenta a produção de esperma. Com a ESSM, os médicos podem encontrar e congelar pequenas quantidades de esperma da ejaculação sem efeitos colaterais; encontrar tais amostras pode ser difícil em pessoas que foram submetidas a terapia hormonal prolongada.

Michael Werner, urologista especializado em saúde sexual e reprodutiva, em sua sala no Maze Sexual & Reproductive Health, em Nova York
Michael Werner, urologista especializado em saúde sexual e reprodutiva, em sua sala no Maze Sexual & Reproductive Health, em Nova York - Jackie Molloy/The New York Times

Anteriormente, os pacientes com baixa contagem de espermatozoides ou aqueles que não tinham espermatozoides precisavam se submeter a uma cirurgia invasiva, na qual o esperma era removido através de uma agulha inserida no testículo. O processo pode ser doloroso e pode danificar os testículos.

"Eu ia fazer isso para ter paz de espírito, para que eu pudesse ter certeza de que havia tentado de tudo", disse Claire sobre o procedimento. "Quando recebi a ligação de que não apenas havia esperma, como havia muitos, foi surpreendente e maravilhoso."

Na ESSM, a amostra de sêmen é dividida em pequenas gotículas e escaneada usando um microscópio de alta potência durante várias horas. Qualquer esperma encontrado é colocado individualmente em um dispositivo especial chamado SpermVD e criopreservado. Mais de 90% deles sobrevivem ao processo de congelamento e descongelamento.

O doutor Joshua Safer, diretor-executivo do Centro de Medicina e Cirurgia Transgênero do Sistema de Saúde Mount Sinai, disse que o sucesso da cirurgia é promissor para mulheres transgênero que gostariam de começar uma família mais tarde na vida.

"Minha reação é dupla: estou surpreso e impressionado", disse ele. Referindo-se à cirurgia, ele acrescentou: "Como endocrinologista, não sabemos quais são os limites".

Antes de seu procedimento, Claire esteve numa clínica de fertilidade em Boston, por sugestão de seu médico, para ver se o banco poderia recuperar e armazenar seu esperma antes da cirurgia. A clínica não conseguiu encontrar nenhum gameta, ou esperma, em sua ejaculação, embora ela tivesse parado de tomar hormônios dez meses antes.

Seu urologista em Nova York a encaminhou para a Maze Men's Sexual Health, uma clínica de fertilidade e banco de esperma chefiado por Werner. A essa altura, faltava apenas um dia para a vaginoplastia, e o reagendamento poderia levar muito tempo, dada a lista de espera. A ESSM parecia um tiro no escuro, então ela ficou surpresa com o resultado.

O doutor Eric K. Seaman, urologista especializado em saúde reprodutiva masculina em Millburn, Nova Jersey, disse que o sucesso de Claire é raro.

"É um milagre que tenham encontrado algum espermatozoide após 18 anos de terapia hormonal", disse ele.

Claire, que mora em Massachusetts, é uma das cerca de 1,6 milhão de pessoas nos Estados Unidos que se identificam como transgênero. Para mulheres transgênero que desejam se submeter à cirurgia genital, a ESSM pode ser uma opção para preservar o esperma.

Safer, que também é ex-presidente da Associação Profissional Americana para Saúde Transgênero, disse acreditar que essa tecnologia pode beneficiar muitos de seus pacientes. Desde que iniciou o Centro de Medicina e Cirurgia Transgênero do Sistema de Saúde Mount Sinai, em 2016, ele viu um aumento no número de pessoas transgênero em busca de terapia hormonal e cirurgia. O centro realiza de 800 a 900 cirurgias de afirmação de gênero por ano, disse ele.

Chaya Rothschild, especialista em reprodução no Maze Sexual & Reproductive Health, em Nova Iorque, busca por espermatozoides saudáveis para congelamento. - Jackie Molloy/The New York Times

"Cada vez mais pessoas estão sentindo segurança para se identificarem como transgênero, receber hormônios e fazer intervenções médicas", disse ele. "Mas no mundo dos tratamentos de afirmação de gênero nossas clínicas precisam fazer um trabalho melhor para levar os jovens a preservar a fertilidade antes de começarem a tomar hormônios."

Seaman disse estar preocupado, entretanto, que possa haver um aumento na taxa de abortos relacionados ao uso da ESSM. O esperma recuperado pela técnica tende a ser mais frágil devido ao tempo extra que leva para percorrer o epidídimo, parte dos sistemas de ductos dos órgãos reprodutores masculinos, em comparação com a retirada cirúrgica dos testículos, onde o esperma e seu DNA são mais robustos.

Desde que as mulheres transgênero tenham produção normal de esperma, a ESSM não deve interferir na produção de um bebê saudável, disse Berkovitz.

"Neste caso, ela não tinha baixa contagem de espermatozoides", disse ele. "Geneticamente, seu esperma era normal", então sua fertilidade seria preservada para uso futuro.

Os médicos conseguiram congelar esperma suficiente de Claire para que ela tenha 30 ciclos de fertilização in vitro no futuro.

"É uma segunda chance para pacientes transgênero", disse ele. "Podemos lhes oferecer preservação da fertilidade sem qualquer dor ou desconforto e sem um procedimento ou operação invasivos."

Ainda assim, Werner incentiva os jovens transgênero a armazenar seu esperma antes de qualquer intervenção médica para evitar os potenciais riscos de perda de fertilidade e deixar em aberto suas opções para o futuro.

"Infelizmente, a grande maioria das mulheres trans que estão em transição não têm a opção de armazenar o esperma, e depois que recebem hormônios e têm seus testículos removidos cirurgicamente suas opções acabam", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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