Remédio para Alzheimer pode beneficiar alguns pacientes, mostram novos dados

Medicamento lecanemab desacelerou declínio cognitivo nos estágios iniciais da doença, mas também causou inchaço e sangramento cerebrais

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Pam Belluck
The New York Times

Os resultados muito esperados de um ensaio clínico de uma droga experimental para Alzheimer sugerem que o tratamento desacelerou um pouco o declínio cognitivo em pessoas nos estágios iniciais da doença, mas também fez alguns pacientes apresentarem inchaço cerebral ou sangramento cerebral.

Os novos dados, divulgados nesta terça-feira (29), oferecem a primeira visão detalhada dos efeitos da droga, lecanemab, e aparecem dois meses depois que seus fabricantes, Eisai e Biogen, se entusiasmaram ao anunciar que a droga tinha mostrado resultados positivos.

Especialistas em Alzheimer disseram que as novas informações dão motivos para otimismo e cautela.

"O benefício é real; os riscos também", disse Jason Karlawish, codiretor do Centro da Memória Penn da Universidade da Pensilvânia, que não participou da pesquisa.

A farmacêutica Biogen é uma das fabricantes do lecanemab, medicamento experimental contra a doença de Alzheimer - Reuters

Um relatório das descobertas publicado no New England Journal of Medicine disse que, ao longo de 18 meses, o lecanemab "resultou em um declínio moderadamente menor nas medidas de cognição e função", em comparação com os pacientes que receberam placebo. Ainda assim, o estudo de quase 1.800 pacientes com sintomas leves, financiado pelas empresas e coescrito por cientistas da Eisai, concluiu que "testes mais longos são necessários para determinar a eficácia e segurança do lecanemab no início da doença de Alzheimer".

O anúncio inicial das empresas em setembro fez o preço de suas ações disparar porque o campo de desenvolvimento de medicamentos para Alzheimer foi marcado por anos de fracassos.

Também houve meses de controvérsia sobre a decisão da FDA (agência de alimentos e medicamentos dos EUA) no ano passado de aprovar outro medicamento para Alzheimer, o Aduhelm, também fabricado pela Biogen, apesar de estudos que não provaram que o tratamento funciona e mostraram riscos significativos à segurança. Depois que o Medicare decidiu limitar drasticamente sua cobertura do Aduhelm, citando riscos e benefícios pouco claros, o medicamento dispendioso foi basicamente afastado do mercado.

Assim como o Aduhelm, o lecanemab —administrado por infusão intravenosa a cada duas semanas— é um anticorpo monoclonal que tem como alvo uma proteína, a amiloide, que se aglomera em placas no cérebro de pessoas com Alzheimer. Anos de testes de vários compostos antiamiloides não demonstraram conclusivamente que eliminar ou reduzir os níveis da proteína pode ajudar nos problemas de memória ou raciocínio dos pacientes. No início deste mês, outro anticorpo monoclonal antiamiloide, gantenerumab, fabricado pela Roche e a Genentech, não apresentou qualquer benefício cognitivo.

Essa história dá ao estudo do lecanemab um significado adicional, marcando a primeira vez que o ataque à amiloide se correlacionou claramente com uma taxa mais lenta de declínio cognitivo, dizem os especialistas. Mas como a taxa não foi drasticamente mais lenta, vários médicos que tratam a doença de Alzheimer questionaram se o efeito seria perceptível para os pacientes ou suas famílias.

O ensaio clínico descobriu que, após 18 meses, os pacientes que receberam lecanemab declinaram 27% mais lentamente —uma diferença de 0,45 ponto em uma escala cognitiva de 18 pontos.

"A questão clara é: o que esse pequeno benefício significa em termos de mudança significativa para pacientes e cuidadores?", disse Kristine Yaffe, professora de neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia em San Francisco, que não participou do estudo. "E como equilibramos isso" com riscos significativos de segurança, a exigência de infusões frequentes e "o que será, sem dúvida, um alto custo financeiro", disse ela.

Madhav Thambisetty, neurologista e investigador sênior do Instituto Nacional do Envelhecimento, disse que, "do ponto de vista de um cientista, é empolgante que um tratamento experimental direcionado à amiloide cerebral na doença de Alzheimer pareça retardar o declínio cognitivo".

Mas Thambisetty, que não falou em nome da agência federal de envelhecimento, acrescentou: "Do ponto de vista de um médico que cuida de pacientes com Alzheimer, a diferença entre lecanemab e placebo está bem abaixo do que é considerado um efeito de tratamento clinicamente significativo".

Cerca de 6 milhões de pessoas nos Estados Unidos e cerca de 30 milhões em todo o mundo têm Alzheimer, números que devem dobrar até 2050. O lecanemab foi testado em pacientes com comprometimento cognitivo leve ou Alzheimer em estágio inicial, cujos cérebros continham níveis acima do normal de amiloide —descrição que se aplica a cerca de 1,5 milhão de americanos.

Espera-se que a FDA decida até 6 de janeiro se concederá ao lecanemab o tipo de aprovação que deu ao Aduhelm —uma designação chamada "aprovação acelerada", que pode ser dada a medicamentos com benefícios incertos se forem para doenças graves com poucos tratamentos e ataquem um elemento biológico da doença. A aprovação acelerada exige que as empresas realizem mais testes para provar se o medicamento funciona.

A Eisai, que apresentou seus dados na noite de terça-feira numa conferência em San Francisco, disse que usará as novas informações para buscar a aprovação total no início do próximo ano se a decisão de janeiro for favorável.

"Embora exista a previsão de que a FDA aprove o lecanemab, há questões de segurança", disse Sam Gandy, clínico de Alzheimer que é diretor do Centro para Saúde Cognitiva Mount Sinai e não esteve envolvido no estudo.

Preocupações sobre a segurança do lecanemab —pelo menos para alguns tipos de pacientes, especialmente os que tomam anticoagulantes— foram alimentadas recentemente por notícias sobre a morte de dois pacientes que apresentaram inchaço cerebral e hemorragia cerebral. Inchaço e sangramento são efeitos colaterais conhecidos de vários medicamentos antiamiloides. Se o lecanemab acabar sendo considerado inseguro para pessoas que tomam anticoagulantes, dezenas de milhares de pacientes poderão ser excluídos.

O estudo publicado na terça-feira relatou seis mortes entre os 898 pacientes que tomaram lecanemab e sete mortes entre os 897 pacientes que receberam placebo. Os autores escreveram que nenhuma morte foi considerada relacionada ao lecanemab ou ocorreu com inchaço ou sangramento cerebral.

As duas mortes relatadas recentemente ocorreram após a parte randomizada de 18 meses do estudo, portanto, as mortes desses participantes do estudo não estão incluídas no estudo e não se sabe se eles receberam lecanemab ou placebo durante esse período. Mas após os 18 meses os dois pacientes optaram por receber lecanemab em um estudo de extensão aberto.

Os pacientes, cujos casos foram relatados pela revista Science e STAT, tinham outras complicações médicas. Um caso envolvia uma mulher de 65 anos que sofreu um derrame e, após receber um tratamento padrão para coágulos sanguíneos relacionados ao derrame, sofreu grave hemorragia cerebral e morreu alguns dias depois. Um neuropatologista que realizou uma autópsia a pedido do marido da mulher disse ao jornal que o lecanemab provavelmente enfraqueceu seus vasos sanguíneos e os tornou vulneráveis a estourar quando ela recebeu o tratamento de coagulação sanguínea.

O outro caso envolveu um homem de quase 80 anos que estava tomando um anticoagulante para um problema cardíaco e também sofreu quedas e eventos semelhantes a pequenos derrames pouco antes de sua morte.

Em um comunicado, a Eisai, citando outras condições médicas dos pacientes e medicamentos para afinar o sangue, disse: "É avaliação da Eisai que as mortes não podem ser atribuídas ao lecanemab". A empresa disse que nas fases randomizadas e abertas do estudo a taxa total de mortes com grandes hemorragias cerebrais foi de 0,1% para pacientes nos grupos de lecanemab e de placebo.

Quase 13% dos pacientes que receberam lecanemab apresentaram inchaço cerebral, que foi leve ou moderado na maioria dos casos, enquanto menos de 2% dos pacientes que receberam o placebo apresentaram tal inchaço, relatou o estudo. A maior parte do inchaço cerebral não causava nenhum sintoma e geralmente se resolvia em poucos meses. Cerca de 17% dos pacientes com lecanemab apresentaram sangramento cerebral, em comparação com 9% dos pacientes que receberam placebo. O sintoma mais comum de hemorragia cerebral foi tontura, disse o estudo.

Os autores relataram que "eventos adversos graves" ocorreram em 14% dos pacientes com lecanemab e 11% dos que receberam placebo. Quase 7% dos pacientes com lecanemab desistiram do estudo por causa de efeitos colaterais negativos, mais do que o dobro da porcentagem de receptores de placebo que desistiram. Mais de um quarto dos pacientes com lecanemab apresentaram reações adversas relacionadas à infusão, que incluíram febre e sintomas semelhantes aos da gripe, geralmente com a primeira dose. Uma porcentagem muito menor de pacientes com placebo experimentou essas reações, segundo o estudo.

O principal resultado positivo do estudo foi que os pacientes com lecanemab tiveram declínio cognitivo de 1,21 ponto, enquanto os pacientes que receberam placebo declinaram 1,66 ponto na escala de 18 pontos, que avalia funções como memória, resolução de problemas e atividades diárias, por meio de entrevistas com pacientes e cuidadores.

Esse resultado foi apoiado por medidas secundárias no ensaio, incluindo três outros testes cognitivos, reforçando a possibilidade de que a droga esteja tendo um efeito real, disseram os especialistas. Além disso, em todas as medidas, os pacientes começaram a apresentar um declínio mais lento vários meses após o início do lecanemab, e o ritmo diminuiu ainda mais durante o estudo de 18 meses.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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