Com 980 mortes por dengue, Brasil se aproxima de recorde em um ano

Outras 94 ainda estão em investigação; infectologistas dizem que quadro pode piorar em 2023

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São Paulo

O ano de 2022 já é um dos piores do Brasil em relação à dengue. Até o dia 10 deste mês, houve 1.406.022 casos prováveis da doença e 980 mortes confirmadas –outras 94 estão em investigação–, patamar semelhante ao de 2015, quando houve o recorde de 1.688.688 casos prováveis e 986 mortes.

"Nós estamos vivendo a maior epidemia de dengue da nossa história. Vamos bater o recorde e atingir a triste marca de mil óbitos por dengue em apenas um ano", afirma o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor do curso de medicina da Unesp e vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Os dados, provenientes do Ministério da Saúde, mostram que a região Centro-Oeste apresenta a maior taxa de incidência, com 2.005 casos a cada 100 mil habitantes. Em seguida vêm as regiões Sul (1.045 casos), Sudeste (514 casos), Nordeste (422 casos) e Norte (257 casos).

Agente da prefeitura participa de ação preventiva contra dengue em bairro da zona norte paulistana  - Zanone Fraissat - 2.jun.22/Folhapress

"As pessoas não estão enxergando o risco e é preciso fazer um alerta. A população precisa ser conscientizada, os governos precisam agir e as equipes de saúde precisam estar preparadas para atender porque vamos ter um fluxo muito grande de pacientes agora que começou a chover na região Sudeste", diz Barbosa.

Apenas em Brasília são 67.895 casos prováveis. Depois, aparecem Goiânia, com 53.657; Aparecida de Goiânia (GO), com 25.416; Joinville (SC), com 21.420; Araraquara (SP), com 21.031; e São José do Rio Preto (SP), com 19.887.

"Vivemos o aquecimento global e o mosquito chegou a regiões onde antes não tínhamos dengue", afirma Barbosa. "Os meteorologistas estão alertando que será um verão muito chuvoso e 2023 vai começar com uma grande epidemia de dengue."

A previsão de Alberto Chebabo, presidente da SBI, também aponta para meses difíceis. "Vamos ter uma epidemia de grandes proporções em 2023", ressalta, lembrando que o pico de casos ocorre entre março e maio.

Este ano também é o terceiro com mais casos prováveis de chikungunya, outra doença transmitida pelo Aedes aegypti. São 170.716 registros, abaixo apenas do total observado em 2016 (277.882) e 2017 (185.593). Até 10 de dezembro, foram 90 mortes pela doença.

Para os infectologistas, o crescimento está relacionado a um conjunto de fatores. Eles dizem, por exemplo, que as ações de controle do mosquito foram praticamente encerradas com o início da pandemia. Sem as campanhas de conscientização, a dengue foi esquecida e a redução nos cuidados favoreceu o aumento da população de mosquitos.

Barbosa afirma que, nos últimos quatro anos, o Ministério da Saúde não investiu em campanhas de prevenção para reforçar a necessidade de eliminar os focos do Aedes aegypti. O infectologista menciona ainda que o menor número de casos e óbitos em 2021 levou a uma falsa sensação de segurança e a uma alteração na percepção individual de risco, e que os avisos da SBI ao longo do ano foram ignorados pela imprensa, população e principalmente pelos gestores.

"Participei de um congresso com os secretários de saúde em maio e avisei que poderíamos chegar a mil óbitos. Foi feito investimento em campanha depois disso? Não", critica. Ele também destaca a falta de coordenação entre governo federal, estados e municípios para ações como as visitas de agentes de saúde e a realização de fumacês.

Além disso, a alta coincide com o ciclo da doença, que apresenta picos em intervalos de aproximadamente três anos, conforme ocorre a mudança do tipo circulante –a dengue tem quatro sorotipos.

Por exemplo: há uma onda agora, o que quer dizer que teremos um número muito grande de pessoas infectadas com o sorotipo que está circulando. Nos próximos anos, parte da população ainda terá imunidade temporária para essa cepa e os casos vão cair, mas então virá um outro sorotipo e o processo vai recomeçar.

Para os especialistas, o ciclo só vai se romper depois que houver uma vacina de uso amplo disponível. Atualmente, há no mercado particular a da Sanofi, porém ela só pode ser aplicada em pessoas que já tiveram dengue.

As outras duas vacinas no horizonte são a da Takeda, que submeteu o pedido de registro à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2021, e a do Butantan, ainda em fase de testes.

Os infectologistas dizem que a da Takeda apresentou boas taxas de eficácia e poderia ser estudada para utilização na saúde pública, uma vez que não requer contato anterior com o vírus.

O imunizante do Butantan, por outro lado, é visto com otimismo e cautela.

De acordo com as informações divulgadas pelo instituto, a vacina apresenta 79% de eficácia para prevenção da doença mesmo após dois anos da aplicação. Os dados, porém, ainda não passaram pelo crivo de outros pesquisadores, o que vai acontecer quando forem submetidos a uma revista científica. Também pesa o fato de o estudo ainda estar em curso.

Ações

O Ministério da Saúde afirma que monitora a situação epidemiológica das arboviroses e investe em diversas ações de combate ao mosquito, como campanhas de prevenção, distribuição de inseticidas e larvicidas aos estados e municípios, e reuniões com gestores para avaliação do cenário e estratégias de combate.

A pasta argumenta que o número de casos é impactado pelos picos epidêmicos, que têm sido cada vez maiores em períodos que se repetem a cada 3 a 5 anos, e que é importante considerar a letalidade. Nesse sentido, ressalta que os anos de 2014 e 2017 tiveram taxa de letalidade maior do que 2022, respectivamente 0,080, 0,077 e 0,069.

A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás informa que a intensidade do período chuvoso, a irregularidade das visitas domiciliares dos agentes de saúde na pandemia e a falta de uma atuação mais forte da população contribuíram para o avanço dos casos de dengue em Goiânia e em outros municípios.

O governo estadual alega que comprou equipamentos, fez parceria para a busca de criadouros com drones e realizou 26 eventos de capacitação das equipes, além de seminários de atualização.

A Secretaria de Estado da Saúde paulista, por sua vez, indica que em 2022 disponibilizou mais de R$ 200 milhões para apoiar os municípios no combate à dengue, zika e chikungunya, além de realizar ações de mobilização.

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