Coronavírus pode se espalhar de cadáveres, segundo cientistas

Estudos encontram vestígios de vírus infecciosos até 17 dias após morte

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The New York Times

Como um zumbi em um filme de terror, o coronavírus pode persistir nos corpos de pacientes infectados muito após sua morte, até mesmo se espalhando para outras pessoas, segundo dois estudos surpreendentes.

O risco de contágio é principalmente para as pessoas que lidam com os cadáveres, como patologistas, médicos-legistas e profissionais de saúde, e ocorre em ambientes como hospitais e asilos de idosos, onde pode haver muitas mortes.

Embora a transmissão por cadáveres provavelmente não seja um fator importante na pandemia, os familiares enlutados devem ter cautela, disseram especialistas.

Homens próximos a corpo de vítima de Covid em crematório em Nova Déli, na Índia - Prakash Singh - 19.mai.21/AFP

"Em alguns países, as pessoas que morreram de Covid-19 estão sendo deixadas sem cuidados ou levadas de volta para suas casas", disse Hisako Saitoh, pesquisadora da Universidade de Chiba, no Japão, que publicou dois estudos recentes sobre o fenômeno.

"Portanto, acho que é uma informação que o público em geral deve ter", escreveu ela em um email.

Vários estudos encontraram vestígios de vírus infecciosos em cadáveres até 17 dias após a morte. Saitoh e seus colegas foram além, mostrando que os cadáveres podem carregar quantidades significativas de vírus infecciosos e que hamsters mortos podem transmiti-los a companheiros de gaiola vivos.

A pesquisa ainda não foi aprovada para publicação em uma revista científica, mas especialistas externos disseram que os estudos foram bem-feitos e os resultados são convincentes.

O risco de um paciente vivo espalhar o coronavírus é muito maior do que a transmissão potencial de cadáveres, enfatizaram Saitoh e outros cientistas.

Se a infecção por cadáveres representasse um grande número de casos, "teríamos notado, certo?", disse Vincent Munster, especialista em vírus do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos.

Ainda assim, "se houver um vírus infeccioso, há sempre risco de transmissão", continuou. "Não acho que isso seja levado em conta com frequência."

Nos Estados Unidos, os corpos geralmente são embalsamados logo após a morte ou cremados. Mas na Holanda, onde Munster cresceu, assim como em muitas partes do mundo, os membros da família podem lavar e vestir os corpos.

Em julho de 2020, o governo japonês pediu aos familiares enlutados que mantivessem distância dos cadáveres e evitassem tocá-los, ou mesmo vê-los. As autoridades também recomendaram selar os cadáveres em sacos impermeáveis e cremar em 24 horas.

As diretrizes foram revisadas em maio de 2022 para permitir que os familiares vejam entes queridos que morreram de Covid, mas "em um quarto de hospital com controle de infecção adequado".

Essas diretrizes, em parte, levaram Saitoh a explorar o que acontece com o vírus no corpo após a morte.

Ela e seus colegas analisaram amostras dos narizes e dos pulmões de 11 pessoas que morreram de Covid. Os pesquisadores descobriram que persistia grande quantidade de vírus em 6 dos 11 cadáveres, mesmo 13 dias após a morte.

"Foi surpreendente que a concentração infecciosa tenha se preservado nos mesmos níveis altos dos pacientes clínicos", escreveu Saitoh. "O mais surpreendente, no entanto, foram os resultados dos experimentos com animais."

Nestes, ela e seus colegas descobriram que os hamsters que morriam poucos dias após serem infectados pelo coronavírus podiam transmiti-lo a outros animais. Também nas pessoas, o contágio é mais provável quando um paciente morre logo após a infecção, quando os níveis de vírus no corpo são muito altos, disseram os pesquisadores.

A equipe encontrou mais vírus nos pulmões de cadáveres humanos do que no trato respiratório superior. Isso sugere que os profissionais que realizam autópsias devem ser particularmente cuidadosos ao manusear os pulmões, disseram os especialistas. Saitoh apontou um estudo da Tailândia que descreve um médico forense que parece ter se infectado durante o trabalho.

Os gases que se acumulam após a morte podem ser expelidos por qualquer orifício do corpo, incluindo a boca, e podem transportar vírus infecciosos, disseram os pesquisadores. O embalsamamento ou a prática do chamado "cuidado do anjo" —um ritual japonês no qual a boca, o nariz, os ouvidos e o ânus são tampados com algodão— impediam a transmissão, descobriram eles.

Cadáveres contagiosos não são algo desconhecido. É sabido que as práticas funerárias desencadearam grandes surtos do vírus ebola na África.

Mas o coronavírus é muito diferente, observou Angela Rasmussen, cientista pesquisadora da Organização de Doenças Infecciosas e Vacinas da Universidade de Saskatchewan, no Canadá.

Até 70% das pessoas infectadas com ebola morrem, em comparação com cerca de 3% das pessoas diagnosticadas com Covid-19. E o vírus ebola inunda todas as partes do corpo, então o risco de transmissão, mesmo após a morte, é muito maior do que o representado teoricamente pelo coronavírus.

"Com o ebola, é claramente o contato direto com fluidos corporais, porque há altos níveis de ebola praticamente em todos os lugares de alguém que morreu de ebola", disse Rasmussen.

Ela estava inicialmente cética de que o coronavírus pudesse se espalhar de cadáveres, mas achou os novos estudos convincentes.

"A maioria das pessoas provavelmente ainda precisa se preocupar muito mais em pegar Covid de seus vizinhos vivos do que de seus falecidos recentemente", disse ela.

Mas "devem ser muito cautelosas quanto ao contato físico com os restos mortais de seus entes queridos", acrescentou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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