Descrição de chapéu Minha História

Perder meu corpo como forma de expressão é morrer um pouco, diz bailarina que reaprende a andar

Marina Abib foi diagnosticada com encefalite autoimune e passa por tratamento intenso para se recuperar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A inércia já foi o maior medo da bailarina e coreógrafa Marina Abib, 34. "Amo a liberdade que a dança proporciona. Eu preciso apenas do meu corpo e nada mais", disse em uma entrevista de 2018.

Mas neste ano o temor materializou-se. Pernas e braços que costumavam viajar por ritmos e países conheceram a imobilidade. O sorriso contagiante silenciou. Marina foi diagnosticada com encefalite autoimune soronegativa (veja mais abaixo o depoimento dela), foi induzida ao coma e está reconquistando o controle do próprio corpo com ajuda de um tratamento intenso.

Experiências no balé clássico, na ginástica artística e na capoeira ajudaram a dançarina Marina Abib a encontrar sua forma única de se expressar - Georgeos Portugalus

Para cobrir os custos da terapia, seus amigos e familiares buscaram apoio da plataforma Inspirativos, que lançou uma campanha de arrecadação de fundos. De acordo com o publicitário Marco Antonio Iarussi, idealizador dos vídeos de divulgação da iniciativa, a meta é angariar ao menos R$ 360 mil, o suficiente para seis meses de tratamento.

O que é encefalite?

Coordenador do Centro de Esclerose Múltipla do Hospital Sírio-Libanês, Tarso Adoni explica que encefalite é a inflamação que acomete o cérebro, o cerebelo e/ou o tronco encefálico. A região prejudicada varia a depender da causa da doença.

Entre as encefalites infecciosas, é comum a causa ser um vírus, como os vírus da família herpes ou o HIV. Parasitas e bactérias como a Treponema pallidum, que provoca a sífilis, também podem ocasionar a doença.

As encefalites autoimunes, por sua vez, são desencadeadas por uma reação de proteção do organismo. Por exemplo: o paciente pode ter um tumor com uma proteína semelhante a alguma estrutura do sistema nervoso central. Na tentativa de combater o tumor, o sistema imunológico ataca também essa estrutura, provocando uma infecção.

Lívia Dutra, coordenadora científica do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, conta que a doença foi descrita em 2007. Estima-se que ela afete mundialmente entre 7 e 13 pessoas a cada 100 mil habitantes.

No Brasil, a quantidade de casos ainda não está clara e vem sendo investigada em uma iniciativa que une a Academia Brasileira de Neurologia, o Einstein, o Grupo Fleury e a Universidade de Viena.

Existe também uma pesquisa em parceria com a Universidade Stanford para o mapeamento genético dos pacientes e um grupo de trabalho para definir as orientações de tratamento de acordo com os subtipos da enfermidade.

Há grande chance de recuperação, principalmente quando a doença é diagnosticada rapidamente e o tratamento é iniciado logo, e muitos pacientes retomam suas funções. "A forma como vemos o paciente, tão debilitado, habitualmente não reflete o desfecho final, depois de tratado", conclui a médica.

"Durante alguns anos, apareciam manchas vermelhas nas mãos e pés que iam e vinham. Comecei depois a ter esporadicamente visão dupla e uma dificuldade no andar, um desequilíbrio repentino que depois passava. Esse desequilíbrio foi ficando mais frequente e mais forte e, por fim, veio a dificuldade de fala e deglutição.

No início, achamos que era uma questão emocional e, de 2020 até o início de 2022, fui tratada como portadora de síndrome conversiva.

Os sintomas foram piorando e se tornaram tão intensos que fui internada na UTI, intubada, colocada no ventilador pulmonar e em coma medicamentoso para que fossem controlados.

O diagnóstico foi muito complicado. A maioria dos exames foi normal, exceto o eletroencefalograma. Os marcadores tradicionais de encefalite vieram negativos, mas o quadro clínico somado à resposta ao tratamento confirmaram o diagnóstico. É o que se chama de encefalite autoimune soronegativa.

Para o neurologista Lécio Figueira Pinto foi uma decisão difícil porque o quadro clínico era muito típico, porém os exames não ajudavam. Depois de discutir o caso com outro neurologista que também concordou com o diagnóstico, o tratamento foi iniciado após a minha piora na UTI e houve clara resposta em alguns dias.

Com o tratamento, gradualmente fui me recuperando.

Desde o início, quando estava no hospital ou na clínica, o tratamento toma todo o meu dia. Estou reaprendendo tudo.

Hoje, isso continua, mas felizmente estou em casa. Uma casa que aluguei em São Paulo porque meu pai mora em Ilhabela e minha mãe, em Bragança Paulista. Como todos os médicos estão em São Paulo, a família teve que se reorganizar para alugar uma casa aqui para que eu pudesse estar próxima dos médicos e dos profissionais que estão fazendo a minha reabilitação.

Estar em casa foi muito bom e fez uma grande diferença. É um lugar que tem os meus contornos, que não é frio e cheio de protocolos como o hospital e a clínica onde fiquei. É um grande alívio!

Na última década, Marina Abib participou de diversos espetáculos, projetos e oficinas no Brasil e em países europeus - Cristiano Primm

Tanto o hospital como a clínica foram muito bons e necessários, mas a falta de privacidade, de autonomia e de escolha foram sufocantes para mim. Estar em casa já é um grande passo para o tratamento e, além dos profissionais envolvidos, ela é capaz de acolher a família e os amigos, o que faz toda a diferença. Por isso fiz questão de começar por esse ponto.

Sou acompanhada por cuidadoras 24 horas, faço sessões de fonoaudiologia, fisioterapia, dança, terapia, infusões quinzenais de imunoglobulina, além de consultas com psiquiatra e consultas recorrentes com meu neurologista. No momento, estou em fase de transição por causa do desmame da sonda, o que pode alterar um pouco esse quadro.

Já tirei a traqueostomia; voltei a falar, mas com certa dificuldade; e consigo comer alimentos pastosos e já alguns sólidos. Caminho com órtese e andador e é quase inevitável não dançar no meio do caminho. Minha dança sempre teve uma conexão com o chão, então voltei a dançar no chão mesmo, com as pernas que bem aos poucos começam a responder.

A parte mais difícil é não ter autonomia e privacidade. Na última década, vivi e construí minha carreira entre Brasil e Europa, então ainda não ter a capacidade de subir uma escada, comer o que tiver na frente, carregar a mala nas costas e fazer as coisas por mim mesma é muito difícil. Tive meu corpo como forma de expressão desde que me entendo por gente, perder isso é morrer um pouco.

A expectativa com o tratamento é que eu volte a ter minha vida normal, como antes, ou até melhor com os aprendizados que a dor traz.

Afinal, para mim, dança é sangue. É vida. É mar. É rua. É 'tudo o que não invento é falso'."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.