Contraceptivo que impede espermatozoide de alcançar óvulo deve demorar para chegar às prateleiras

Estudo tem resultado positivo, mas ainda é preliminar; testes em humanos são necessários

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São Paulo

A ideia de um homem ir a uma farmácia, comprar um remédio e tomá-lo antes de transar para evitar uma gravidez indesejada pode ser um sonho de inúmeras pessoas. O cenário fica ainda mais fascinante quando o comprimido não provoca efeitos colaterais como comprometimento do desempenho sexual e risco de infertilidade.

Esse método de contracepção ainda não existe, mas pode se tornar realidade ao considerar um estudo publicado na revista científica Nature Communications. O caminho para isso acontecer, no entanto, é longo. E pode ser que não dê certo.

Na pesquisa, os cientistas investigaram uma substância que afeta a motilidade –isto é, a capacidade de o espermatozoide se locomover de forma espontânea, "nadar". Como resultado da deficiência na locomoção, ele não chega ao óvulo e, assim, não há fecundação.

Representação de fertilização com óvulo e espermatozoides
Representação de fertilização com óvulo e espermatozoides - Freepik.com/CC

Matheus Groner, urologista especialista em reprodução humana e médico assistente do setor integrado de reprodução humana da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que é raro somente uma deficiência na motilidade causar a infertilidade natural. Ela, normalmente, está associada a outros fatores, como baixa quantidade de espermatozoides.

Ainda assim, o médico reitera que a baixa capacidade de locomoção dos gametas masculinos é um problema sério para quem deseja ter filhos. "A motilidade é importantíssima para ter uma gravidez natural", afirma Groner, que não faz parte do estudo.

A substância que faz com que o espermatozoide se movimente de forma adequada é a adenilil ciclase solúvel. E o que o novo estudo propõe é um medicamento que inibe sua ação —sem ela, os espermatozoides não iniciam a procura pelo óvulo.

Os resultados foram positivos em dois meios utilizados na pesquisa: in vitro e com animais vivos.

No primeiro caso, com espermatozoides tanto de humanos como de ratos, os pesquisadores observaram a eficácia da medicação em um tubo de laboratório. "Viram que a ação in vitro é efetiva. [O espermatozoide] para de mexer mesmo", explica Groner.

Depois disso, a pesquisa utilizou ratos vivos para observar o efeito do medicamento na prática. A substância foi injetada nos animais, enquanto um segundo grupo não teve acesso à droga. Então eles foram colocados para acasalar com as fêmeas.

Os pesquisadores compararam os dois grupos para verificar a taxa de fecundidade entre eles. Também observaram o horário em que ocorreu o acasalamento a partir da injeção da substância. O objetivo era medir a eficácia do remédio em relação ao tempo que se passava.

De 30 minutos até 2 horas e meia depois da injeção, nenhum dos ratos que estava com o medicamento em seu organismo foi fértil. Enquanto isso, no outro grupo, cerca de 30% das fêmeas foram fecundadas. A eficácia do medicamento para esse intervalo foi de 100%.

Quando o período era de até 3 horas e meia a partir da injeção, um dos ratos fecundou uma fêmea entre 45 acasalamentos. No grupo sem a substância, por sua vez, foram 11 fecundações. Nesse cenário, os pesquisadores consideraram que a eficácia estava em torno de 91%.

O terceiro período analisado no estudo compreendia de 1 a 9 horas depois da aplicação do medicamento. A taxa de eficácia continuou alta, mas baixou um pouco: foi 78%. Cerca de 9% dos acasalamentos entre ratos com o remédio resultaram em fecundações, enquanto no outro grupo a taxa foi de 41%.

O último período analisado foi após 24 horas da aplicação. Nesse caso, basicamente não houve distinção entre os dois grupos. Ou seja, o remédio não era mais eficaz, o que é um indicativo de que a droga não afeta a fertilidade para sempre.

Groner afirma que os resultados são promissores. "É uma maneira de tentar mexer na concepção masculina de uma forma que não tinha sido estudada."

Mesmo assim, ele chama atenção para a necessidade de mais pesquisas, principalmente em humanos. Como o estudo ainda é experimental, com testes somente em ratos, pode ser que, ao chegar aos humanos, os resultados possam ser diferentes.

Há, ainda, questões de segurança. "Outras [pesquisas] já tentaram estudar e começaram exatamente como isso começou: foi tudo bem nos ratos, mas no humano provocou uma toxicidade no fígado muito alta que não deu para utilizar, ou causou muito efeito colateral visual [...] que também não dava para utilizar", exemplificou o médico.

Um desses efeitos colaterais que podem ocorrer tem relação com o fato de a adenilil ciclase solúvel possuir outras funções no organismo, como regulação da pressão intraocular e dos sais nos rins. Ao inibir a substância para afetar a motilidade dos espermatozoides, pode acarretar problemas nessas outras regiões do corpo humano.

O próprio estudo apontou que, de forma crônica, o medicamento esteve associado ao aparecimento de glaucoma –problema nos olhos relacionado à regulação intracoular– e à formação de pedras nos rins. Como a ideia é utilizar o remédio apenas sob demanda, pode ser que condições como essas não sejam acarretadas pela droga. Ainda assim, esses são pontos que precisam ser investigados em humanos.

O fato de ser consumido sob demanda também traz um dilema. Ao mesmo tempo em que é interessante por não obrigar a ingestão diária do remédio, acaba não sendo útil em situações em que não é possível prever a concretização da relação sexual.

A prevenção à gravidez com camisinha, por outro lado, não traz esse tipo de problema, uma vez que é usada somente no momento exato do sexo. Além disso, o preservativo é útil para prevenir ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), algo que não é proporcionado pelo remédio, que apenas barra a capacidade de locomoção dos espermatozoides.

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