Descrição de chapéu Projeto Saúde Pública

Consultoria a distância ajuda UPAs a reduzir tempo de diagnóstico e de tratamento de infarto

Projeto financiado pelo Ministério da Saúde é realizado por dois hospitais de São Paulo

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São Paulo

O uso da telemedicina para apoiar UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) pelo país tem conseguido reduzir o tempo do diagnóstico e do início do tratamento do infarto agudo do miocárdio e também já dá sinais de queda da mortalidade.

Um levantamento feito em 30 unidades mostra uma redução de 75% do tempo de realização do eletrocardiograma em uma pessoa que chega com dor torácica e outros sinais de infarto às unidades: de 55 minutos, em média, para 14 minutos. O preconizado são dez minutos.

Já entre a chegada do paciente com sintomas e o início da medicação passou de 130 para 57 minutos (queda de 56%). O ideal são 30 minutos. Em média, 80% dos pacientes avaliados receberam remédios indicados em casos de síndrome coronariana aguda, como ASS, clopidogrel, heparina e estatinas. A meta é que 85% recebam.

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Os cardiologistas Leonardo Narciso, da UPA 26 de agosto, na zona leste de SP, e Hadrien Balzan, da BP (Beneficência Portuguesa), conversam sobre resultado do eletrocardiograma do paciente William do Nascimento, que tem síndrome genética grave - Zanone Fraissat/Folhapress

A iniciativa é financiada pelo Ministério da Saúde e realizada por dois hospitais de São Paulo, o Hcor e a BP (A Beneficência Portuguesa de São Paulo), por meio do programa Proadi-SUS, financiado com recursos de imunidade tributária concedida a instituições filantrópicas de excelência.

Ao todo, participam do projeto 300 UPAs das cinco regiões do país, que são atendidas pelos serviços de telediagnóstico e de teleconsultoria desses hospitais. Essas unidades são hoje a porta de entrada da maioria dos pacientes com alguma urgência.

Funciona assim: o paciente com sintomas de infarto ou arritmia faz o eletrocardiograma, o exame é enviado por meio de uma plataforma aos hospitais parceiros. Os cardiologistas de plantão (que atuam sete dias por semana, durante 24 horas) analisam o exame, emitem o laudo e, por meio de videochamada, orientam a equipe da UPA na condução do caso.

A Folha acompanhou um desses atendimentos na UPA 26 de agosto, na zona leste de São Paulo, na última quinta (22). Internado havia três dias na unidade para tratar complicações de uma síndrome genética grave, William do Nascimento, 35, havia apresentado uma taquicardia de 198 batidas por minuto. O exame foi feito à beira do leito.

Na outra ponta, na BP, o cardiologista Hadrien Balzan analisou o exame, emitiu o laudo e iniciou uma videochamada com o colega Leonardo Narciso, cardiologista da UPA, para discutir o caso. Foi descartada a arritmia cardíaca. "Era mesmo só o efeito da noradrenalina que estamos usando para sustentar a pressão dele", diz Narciso.

Além dos aparelhos de eletrocardiogramas, as unidades participantes do projeto receberam notebooks que permitem consultorias cardiológicas por vídeo em tempo real. Até janeiro deste ano, a consultoria era só por telefone.

"Os médicos conseguem se olhar no olho, há uma confiança maior em aceitar as orientações que estão sendo passadas. Eles dizem: ‘nossa, vocês existem mesmo, pensei que fosse um robô", diz o cardiologista Rodrigo Almeida, da BP.

A UPA 26 de agosto, administrada pelo hospital Santa Marcelina, atende a uma população de quase 1 milhão de habitantes e enfrenta problemas de superlotação. Tem capacidade para 16 leitos, mas abriga 32 pacientes. Ainda assim, é considerada um dos modelos de boas práticas de cuidados no infarto.

A realidade de muitas unidades pelo país, porém, é bem diferente. "A maioria ainda não tem o trombolítico, a medicação que vai abrir o vaso sanguíneo. Também há uma insegurança dos médicos em usá-lo", explica a cardiologista Camila Rocon, coordenadora pelo projeto no Hcor.

No infarto, o trombolítico funciona de duas maneiras: ajuda a dissolver os coágulos que estão bloqueando as artérias, permitindo que o sangue circule pelo corpo, e também facilita a reparação e recuperação do músculo cardíaco afetado. Quanto mais rápido a medicação for iniciada, maiores as chances de reduzir as sequelas e prevenir complicações futuras.

Cada frasco do medicamento custa em torno de R$ 7.000. Dependendo do paciente, são necessários dois frascos. O alto custo é uma das justificativas para o desabastecimento nas UPAs.

Segundo Rodrigo Almeida, cardiologista da BP, também ainda há insegurança na utilização. A medicação afina o sangue, com risco de sangramento. Há contraindicações em casos de pressão arterial descontrolada, histórico recente de sangramento, traumatismo craniano ou AVC recentes, entre outros.

"Se a gente consegue orientar o colega para que ele faça a medicação com segurança, no tempo correto, a gente aumenta a sobrevida desse paciente e reduz muito os custos para o sistema de saúde", diz.

Trinta das UPAs atendidas no projeto têm recebido também visitas presenciais das equipes dos hospitais parceiros. São avaliadas, por exemplo, a estrutura física, o posicionamento do eletrocardiograma, o fluxo do paciente com dor torácica e os tempos médios dessa jornada.

"Em alguns locais, a gente observou que o eletrocardiograma não ficava na triagem. O paciente com dor torácica tinha que andar pelos corredores para realizar o exame", conta Camila.

Houve situações em que a enfermagem tinha que esperar autorização do médico para fazer o eletrocardiograma. "A gente sugeriu, e eles acataram, dar mais autonomia para a equipe de enfermagem rodar o eletro quando detectada a dor torácica. Já ganha tempo."

O projeto tem ajudado na reorganização do fluxo dos pacientes dentro das UPAs e também treinado porteiros e recepcionistas para reconhecer o paciente com sintomas de infarto. "Em muitas situações, o paciente estava com dor no peito, pálido, suando, sentado na sala de espera, igual às outras pessoas. Agora, são feitas perguntas e ele passa na frente", explica Rodrigo Almeida.

Outro grande desafio tem sido a alta rotatividade dos médicos nas UPAs, o que atrapalha o treinamento desses profissionais. "Você faz a capacitação virtual, engaja e, daqui a pouco, trocou toda a grade de profissionais. É uma angústia nossa e dos gestores", relata Camila.

O projeto atua também na urgência cardiológica de 30 hospitais públicos. Monitora, por exemplo, o tempo em que paciente infartado chega ao hospital e faz um cateterismo. O levantamento apontou que houve redução de 25% nesse tempo em 15 instituições hospitalares, de 80 para 60 minutos. A meta é de 90 minutos.

Em 15 das UPAs que passam por capacitação de boas práticas foi registrada uma diminuição de 58% da mortalidade cardiovascular em relação ao restante, mas o impacto geral nas mortes ainda está sendo avaliado porque depende de fatores do acesso a hospitais para procedimentos como cateterismo e angioplastia.

"Ele vai precisar do cateterismo, para saber qual a lesão e se tem outras, e ter uma estratégia de tratamento definitivo. Mas, se não atuamos no começo, esse paciente estará ainda mais prejudicado", afirma a médica.

Em nota, o Ministério da Saúde diz que é prioridade garantir o acesso mais rápido a cirurgias, exames e consultas no SUS, dentro do Programa Nacional de Redução das Filas, que também engloba tratamentos do infarto. O investimento total em 2023 será de R$ 600 milhões.

O ministério afirma também que irá fortalecer ações estratégicas para o cuidado de pacientes com diagnóstico de infarto, como reajuste dos valores pagos para medicamentos trombolíticos (alteplase e tenecteplase).

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