Não há indícios de que amish tenham tido menos mortes por Covid

Pesquisa com uma das comunidades indica que a tendência de óbito foi a mesma do que no resto dos Estados Unidos

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São Paulo

Não há indícios de que comunidades amish tenham tido "30 vezes menos" mortes por Covid-19 do que o restante da população por não seguir as recomendações das autoridades sanitárias, como o distanciamento social, o uso de máscara e a vacinação contra a doença.

As comunidades amish são avessas à vacinação e também à tecnologia de forma geral, o que significa que foram menos testadas para a doença. Por conta disso, como verificado pelo Projeto Comprova, não há dados conclusivos a respeito da pandemia entre integrantes desse grupo. Contudo, estudo do CDC (Center for Disease Control and Prevention), dos Estados Unidos, confirmou que o vírus chegou e se espalhou nessa população, deixando pessoas doentes.

Como não existem dados de mortalidade por Covid-19 agregados por grupo religioso, não há como saber exatamente quantos amish morreram nos Estados Unidos. Um estudo feito com base em obituários publicados na imprensa, no entanto, indica que a mortalidade em algumas comunidades desse tipo seguiu a mesma tendência que o resto do país.

Embora não tenham procurado a vacina, reportagens publicadas na imprensa tradicional mostram que, no período mais crítico da pandemia, os amish seguiram outras medidas de prevenção, como o distanciamento social.

Mulheres vestidas de preto, de cabelo preso com chapéu de tecido branco que lembra um vaso e homem de camisa social de manga curta verde-água e chapéu de cowboy caminham ao ar livre. Não dá para ver os rostos, estão de perfil
Grupo de pessoas amish em evento pré-eleitoral na cidade de Latrobe, na Pensilvânia, no ano passado - Mike Segar - 5.nov.2022/Reuters

Além disso, o post, aqui analisado, fala que os amish teriam registrado 30 vezes menos mortes por Covid-19 do que o resto dos Estados Unidos. No entanto, há um problema matemático nesta construção, uma vez que um objeto uma vez menor do que ele próprio já significa zero.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 5 de junho, o tuíte analisado já tinha mais de 112 mil visualizações, 6 mil curtidas e 1,8 mil compartilhamentos.

Como verificamos

O primeiro passo foi pesquisar por notícias relacionadas aos amish e à pandemia. O site do CDC também foi consultado para saber se existiam dados específicos sobre os amish e o coronavírus. Por fim, a autora do tuíte e o site Tribuna Nacional foram procurados.

Verificação

Os amish são um grupo cristão que busca viver isolado da sociedade moderna. A ideia é recriar o modo de vida do século 17, quando a Igreja Menonita foi criada pelo suíço Jakob Amman. Dessa forma, eles evitam o uso de tecnologias, inclusive de smartphones, televisões e carros. Os amish vivem, principalmente, em comunidades isoladas nos Estados Unidos e no Canadá.

Estima-se que haja cerca de 360 mil pessoas vivendo em comunidades amish nos Estados Unidos, a maior parte está nos estados da Pensilvânia, Ohio e Indiana.

Os amish e a Covid-19

Não há dados estatísticos oficiais sobre casos e mortes por Covid-19 em comunidades religiosas. Da mesma forma, não há dados oficiais sobre a vacinação desses grupos.

Mas, de acordo com um estudo feito pelo Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de West Virgínia, revisado por pares e publicado na revista Journal of Religion and Health, mortes nas comunidades amish por Covid-19 seguiram as mesmas tendências que o resto dos Estados Unidos. Os pesquisadores apontam que, como os grupos amish são avessos à tecnologia, a tendência é que eles tenham sido menos testados para a Covid-19. No entanto, usando obituários publicados em jornais, o estudo foi capaz de detectar um aumento de 125% no número médio de mortes entre os amish durante a pandemia. A tendência é similar à do resto dos Estados Unidos.

Em maio de 2022, a Al-Jazeera fez uma matéria sobre uma comunidade amish que fica em Ohio. De acordo com a reportagem, as autoridades do distrito de saúde do condado de Holmes se recusaram a falar com a publicação, porém, o número total de mortes relatadas em 2020 e 2021 no condado aumentou quase um terço em comparação com 2019. Segundo a matéria, como em outras comunidades, esse aumento provavelmente é atribuído ao Covid-19.

Já de acordo com matéria de junho de 2021 da Associated Press, durante os primeiros meses da pandemia, os amish seguiram as diretrizes de distanciamento social e pararam de se reunir em igrejas e funerais.

Ainda segundo o mesmo texto, em 2021, os casos caíram. "Contar com a possível imunidade coletiva quando poucos testes foram realizados entre os amish é arriscado", disse Esther Chernak, diretora do Centro de Prontidão e Comunicação em Saúde Pública da Universidade Drexel, na Filadélfia.

No entanto, a comunidade enfrenta resistência para se vacinar contra a doença. A maioria diz que já teve o vírus e não vê necessidade de ser vacinado, disse Mark Raber, que é amish e membro de um assentamento no condado de Daviess, Indiana, que tem uma das taxas de vacinação mais baixas do estado.

Em abril de 2020, uma pesquisa foi feita avaliando padrões e crenças de vacinação em famílias amish. O questionário foi enviado a 1 mil famílias amish.

A taxa de resposta foi de 39%. Entre 391 entrevistados, 59% não vacinaram seus filhos. Os amish ultraconservadores rejeitaram as vacinas com mais frequência. Pesquisa feita uma década antes na mesma comunidade havia revelado que 14% recusavam todas as vacinas.

A pesquisa feita em 2020 também constatou que crianças amish com alguma deficiência eram mais propensas a receber vacinas do que crianças amish sem deficiência. Entre os entrevistados, 75% responderam que rejeitariam uma vacina Covid-19. O medo de efeitos adversos foi o motivo mais comum para a rejeição.

Famílias que aceitavam vacinas eram mais propensas a citar um profissional de saúde como a principal influência para se vacinar. As esposas eram mais propensas a citar o cônjuge como a principal razão para se imunizar.

De acordo com dados atuais do CDC, 65% da população de Ohio, onde essa comunidade amish está, recebeu pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19 e 60% se vacinou com duas doses.

Melhor forma de proteção

De acordo com a OMS, é preferível se vacinar contra a Covid-19 do que se infectar com a doença. Isso porque "as vacinas constroem imunidade sem os efeitos prejudiciais que a doença pode ter, incluindo os efeitos a longo prazo e a morte. Permitir que a doença se propague poderia causar milhões de mortes e ainda mais pessoas vivendo com os efeitos a longo prazo do vírus".

Segundo a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), nas quatro semanas após a infecção, entre 90% e 99% dos indivíduos infectados pelo vírus Sars-CoV-2 desenvolvem anticorpos neutralizantes detectáveis. No entanto, a duração desta resposta imune pode variar de três meses a cinco anos, ou seja, há possibilidade de reinfecção ou de o paciente contrair outra cepa do vírus contra a qual ainda não desenvolveu imunidade.

O que diz o responsável pela publicação

A autora do tuíte foi procurada por mensagem privada e o site Tribuna Nacional por e-mail. Nenhum dos dois respondeu até a publicação dessa verificação.

O que podemos aprender com esta verificação

Conteúdos como este visam descredibilizar governos, organizações de saúde pública e pesquisadores insinuando que os esforços de prevenção contra a Covid-19 e de imunização teriam sido em vão, o que não é verdade.

Neste caso, busca-se utilizar um dado inventado ("30 vezes menos mortes") de uma população isolada e sobre a qual não se tem muita informação (os amish) para dar ar de legitimidade ao argumento de que teria havido um "pânico fabricado" a respeito da pandemia. Como em muitas outras teorias conspiracionistas, essa suposta trama enganosa seria promovida por empresas farmacêuticas e governantes para controlar a população.

Ao se deparar com conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre vacinação de modo geral, é importante conferir a veracidade das afirmações junto aos órgãos sanitários e de Saúde, como a OMS, a Opas e o Ministério da Saúde.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já checou diversas informações falsas ou enganosas a respeito da Covid-19 e das vacinas utilizadas para combater o vírus. Já foi comprovado que a pandemia não foi inventada, que expor a população ao risco de contrair o vírus não é melhor do que promover a vacinação, que o FBI não confirmou a origem do coronavírus e que o Parlamento Europeu não classificou os imunizantes contra a covid-19 como armas biológicas.

A investigação desse conteúdo foi feita por Correio Braziliense e A Gazeta publicada em 5 de junho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, Estadão, Plural Curitiba, Grupo Sinos e O Popular.

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